Você pode não ter ouvido falar em Maria Grazia Chiuri, mas, certamente, sabe detectar alguns hits de sucesso criados por ela, como a bolsa baguete da Fendi ou a linha Rockstud da Valentino, com suas famosas tachinhas ornando sapatos e bolsas.
Em 2016, depois de uma longa parceria com o amigo Pierpaolo Piccioli, a designer foi nomeada diretora criativa da Dior, sucedendo a Raf Simons. Foi uma grande conquista para uma mulher, já que a grife francesa até então só tinha sido liderada por homens – Christian Dior, Yves Saint Laurent, Marc Bohan, Gianfranco Ferré, John Galliano, Bill Gaytten e Raf Simons.
Aos 58 anos, a italiana continua imprimindo feminilidade à tradicional casa de moda parisiense, ao mesmo tempo em que dá o seu recado de feminista convicta e de estilista antenada: ela percebe que a nova geração levantou questões importantes sobre gênero, raça, meio ambiente e cultura, que precisam ser refletidas na marca.
Diante disso, nada mais natural que esteja à frente do programa internacional de mentoria e educação Women@Dior, organizado pela Chistian Dior Couture em parceria com a Unesco. Lançado em 2017, ele já apoiou mais de 1.500 jovens em cerca de 58 países a partir de pautas que incluem igualdade de gênero e liderança feminina para um futuro mais sustentável. A ideia é pensar como o processo educativo tem papel central para o desenvolvimento social e emancipação das mulheres.
A boa notícia para os mineiros é que, em 2022, um dos projetos premiados pelo Women@Dior foi o Casa Transpassar, proposto por alunas do curso de design de moda da UFMG. O time All Voices, formado por Izadora Gonçalves Gomes, Thaís Couto, Tamires Melo, Joyce Silva e a francesa Chloé Dummont (que estava em intercâmbio no Brasil), investiu em um projeto de ensino complementar para jovens mulheres trans com o objetivo de aumentar as suas chances no mercado de trabalho, dando a elas outra opção além da prostituição.
Defendendo a escolha do tema, Izadora explica que, atualmente, o Brasil é o líder no rank- ing de assassinato de pessoas trans e travestis no mundo, com cerca de 33% do total de mortes, segundo a Transgender Europe (Tgeu); 9 a cada 10 delas estão na prostituição, de acordo com o Antra, e apenas 1 a cada 10 concluem o ensino médio. “Partindo desses dados, nós decidimos usar nossos privilégios, como mulheres cis com acesso ao ensino superior e como mentorandas de uma das maisons mais renomadas do mundo, para trazer luz à inequidade vividas por essas pessoas”.
Para isso, criaram uma plataforma virtual, já com conteúdo disponibilizado por professores da UFMG e youtubers parceiros, que varia entre aulas técnicas e aulas de desenvolvimento pessoal. Ela contará, em breve, com conteúdos de palestras inspiradoras exclusivas e workshops presenciais.
A Christian Dior Couture está fazendo o acompanhamento do processo, orientando e ajudando as alunas a suprirem as suas necessidades para que a Casa Transpassar seja implementada da melhor forma possível, assim como mantendo-as em contato com possíveis parceiros internacionais.
“Aos poucos, estamos expandindo nosso time, dando oportunidade para que a comunidade trans tenha voz ativa dentro do programa e também buscando por embaixadores que representem a causa”, diz Izadora. Segundo ela, a Casa Transpassar almeja minimizar a inequidade social, defender os direitos humanos dessa comunidade com suporte e visibilidade internacionais, abrindo portas para pessoas que são excluídas pela sociedade apenas por serem elas mesmas.
“Temos potencial para conseguir”, pontua, destacando que a Dior, a LVMH, maior conglomerado de luxo do mundo (do qual a Dior faz parte) e a Unesco enxergaram isso. “Queremos que o Brasil todo também veja”, complementa.
CONFERÊNCIA Cursando o sétimo período do curso de design de moda, a estudante foi a escolhida para defender a proposta do seu time na Unesco Women@Dior Global Conference, que foi realizada em março, na sede da Unesco, em Paris, no qual um júri presidido por Maria Grazia Chiuri selecionou os vencedores.
O flerte de Izadora com o fashion começou aos 15 anos e, desde então, ela passou a fazer cursos na área. De início, pensava que a moda possibilitaria trazer as suas ideias para o plano material. Conforme foi desenvolvendo um pensamento mais crítico e se aprofundando em questões sociais, percebeu que ela pode ir muito além.
“Escolhi continuar meus estudos porque percebi que essa é a segunda indústria mais poluente do mundo e necessita, urgentemente, de pessoas com interesse em mudar a realidade. E também porque a moda tem um potencial enorme de impactar a vida das pessoas. Quero usar isso para tentar, de alguma forma, minimizar a inequidade social”, ressalta.
Por detrás da premiação do time All Voices houve o empenho dos professores da UFMG junto aos responsáveis pelo programa, possibilitando a colaboração entre a Unesco e o curso de design de moda, além do contato das alunas com as diretoras de ação educativa da organização e com coachs da Dior/LVHM, entre outras contribuições relevantes.
Para o ano 2022/2023, 16 estudantes da universidade participaram da ação. A professora Angélica Adverse, uma das envolvidas no processo, acredita que a vitória do grupo é um modo de abrir o olhar das alunas para o mundo, colocando em prática a divisa do Women@Dior, que é a ambição, generosidade e sororidade. “A experiência da internacionalização é fundamental, pois elas ficam em contato com estudantes, profissionais e professores de outros países, possibilitando-lhes um amadurecimento frente a questões da nossa contemporaneidade.”
Na sua opinião, isso lhes dá uma dimensão para avaliar como se sentem sendo estudantes, mulheres e profissionais na América Latina no século 21. “O projeto amplia a participação das discentes na vida comunitária porque as introduz, enquanto profissionais de moda e design, nas ações sociais a fim de pensarem o desenvolvimento de outras mulheres, sua inserção no mercado de trabalho, a economia solidária e a educação”, enfatiza.