Rony Meisler é um visionário extremamente criativo, daqueles que pensam fora da caixinha. Cofundador do Grupo Reserva e CEO da AR&Co, braço de lifestyle do grupo Arezzo&Co, transformou o projeto despretensioso de venda de bermudas de praia com um amigo de infância, Fernando Sigal, em uma das marcas mais importantes de moda do Brasil. A Reserva inovou ao usar a mesma lógica das startups de tecnologia para reinventar muitas das velhas práticas do mercado de varejo de moda. O negócio cresceu para além da própria Reserva; nasceram a Reserva Mini, Eva, Oficina, Reserva Ink. À medida que a empresa crescia, ele e o sócio Fernando Sigal estabeleceram como premissa da empresa o investimento no impacto socioambiental e na valorização dos funcionários. O sucesso foi tão grande que no final de 2020 o Grupo Reserva anunciou a fusão com o Grupo Arezzo&Co e foi criada uma nova avenida de crescimento em marcas de vestuário, sob gestão de Rony. Hoje, além da Reserva, somam-se Vans, TROC, plataforma de moda circular, BAW, marca de streetwear que mais cresce no Brasil, e Carol Bassi, marca feminina referência no mercado de luxo.
Qual o projeto de maior destaque?
É o 1P5P de combate à fome. Desde o início do projeto, em 20 de maio de 2016, já entregamos quase 73 milhões de refeições. Nasceu porque fui fazer a entrega de um outro projeto da marca, em Pentecoste do Norte. Já estávamos pensando em fazer um novo projeto de fácil entendimento e percepção para o cliente, na área de educação, mas dei uma carona para um adolescente da região e contei os planos do projeto de educação. Ele disse que o problema do país não era educação, mas a fome, que ele ia para a escola para comer. Disse ainda que a gente estava dentro de uma bolha e tinha que estudar a fome no Brasil. Aquilo foi um ponto de inflexão na minha vida pessoal, quando entendi por que estava fazendo o meu negócio. Estudamos a fome, na época eram 53 milhões de brasileiros com insegurança alimentar grave, hoje são 125 milhões. Um em cada dois brasileiros não sabe se terá alguma coisa para comer. Isso ocorre porque desperdiçamos de diversas maneiras. Na indústria, no campo, na nossa casa, nos restaurantes, supermercados etc. A comida vai para o lixo. No 1P5P, a cada peça vendida doamos 5 pratos de alimento.
Como é feita a distribuição?
Encontramos os bancos de alimentos que fazem o papel de pegar nossa doação e entregá-la onde tem necessidade. Muita gente não sabe direito o que é isso. O banco de alimentos tem uma estrutura logística que pega o alimento de sobra, assume a responsabilidade sobre esse alimento. Isso porque existiam leis que proibiam a doação da iniciativa privada por risco de contaminação e doença, e criminalizavam quem do- ava. Eles assumiram isso e entregam onde falta, como hospitais, creches, asilos, abrigos, escolas etc. Eles cumprem um papel importantíssimo, porque não falta comida no Brasil. Produzimos no campo e na indústria quase 130% da necessidade alimentar de três refeições diárias para todo cidadão brasileiro. Não é uma questão de comprar mais comida, é pegar a que ia para o lixo e entregá-la onde é preciso. Encontramos um em São Paulo, o Banco de Alimentos, de uma heroína chamada Luciana Quintão, e outro no Nordeste, o Mesa Brasil, do Sesc. Temos parceria com os dois.
A marca nasceu para ser diferente. Fale dessa quebra de paradigma.
Grande parte das empresas existe única e exclusivamente para obter lucros. Não importa se estão destruindo culturas, envenenando o planeta, e o impressionante é que continuam sendo admiradas. Nascemos para fazer diferente e quebrar todas as regras do jogo. Focamos em realizar um trabalho com amor para fazer diferença no mundo empresarial e na vida das pessoas. Mudamos o modelo de gestão tradicional, a Reserva não se concentra no produto, mas sim em suas ações, projetos sociais, inovações e um relacionamento profundo com os "clientes", ou melhor, amigos. Depois que meu avô morreu, escrevi o livro "Rebeldes têm asas" para contar nossa história e mostrar que todos podem empreender. Nosso modelo de gestão é baseado no "por que fazemos" e não em "o quê fazemos". Temos 29 sócios e sócias que vieram da operação e nos ajudam em toda essa parte criativa e operacional. Estou aqui só para enlouquecer eles um pouco. A prosperidade tem um lado bom, que é o lado lógico; a outra é que você não manda mais nada, porque tem que fazer através das pessoas. Se não tem um time maravilhoso não faz nada.
Você diz que teve muita influência do seu avô. Fale um pouco desse relacionamento.
Meu avô Benjamin era polonês, refugiado da Segunda Guerra e sobrevivente do Holocausto; ele e minha avó. Conheceram-se no navio vindo para o Brasil. Coincidentemente, nesse mesmo navio vieram os avós da minha esposa, Anny, que foi minha amiga desde que eu tinha 15 anos e ela 13. Éramos amigos mesmo, só demos o primeiro beijo quando ela tinha 26. Chegaram quase indigentes. Ele começou como mascate, e depois abriu uma loja no Saara. Chegou a ter seis lojas e vendia de tudo. Era ótimo vendedor e péssimo administrador, e por isso ele quebrou e voltou para Israel. Ele morreu em 2014, e mantínhamos contato assiduamente. E se sentia realizando através da gente. Comecei a escrever o livro quando voltava do funeral dele. Meu lado comercial veio dele; para ter uma ideia, eu vendia xampu para mim mesmo na frente do espelho.
Se o conselho é bom, o exemplo arrasta.
Depois que lancei o livro, passei a ser convidado para fazer algumas palestras e as pessoas pedem conselhos. Quem sou eu para dar conselho para alguém? Sou moleque, comecei ontem. Tenho exemplo do que eu já fiz. Não posso ser referência pelo conselho, mas pelo que já fiz. O conselho pode ser bom, mas é o exemplo que arrasta a pessoa pra frente, porque mostra que é possível, in- centiva. Se não observar quem fez e ir lá e fazer, não sairá do lugar.
Por que ser uma pessoa que não entende nada de determinado mercado pode ser uma ótima vantagem competitiva?
Isso é uma fortaleza. Porque não temos preconceitos, mitos e vícios do setor com relação aos processos. Sabe aquela coisa de não vou fazer isso porque todo mundo da área diz que não dá certo? E por isso não tentamos e nem pensamos na forma de mudar. Se não entendemos nada, não pensamos assim e ousamos, aventuramos, e acabamos descobrindo novas maneiras de fazer as coisas, e dá certo. Olha a prova disso.
Qualquer um pode pensar fora da caixa?
Quando se apaixona pelo que se faz, está realmente engajado com aquilo, você se torna um curioso. Pesquisa, lê, estuda, ouve palestras. E isso abre a mente e você passa a ter muitas ideias. Isso é pensar fora da caixa, é aguçar a criatividade. Mas precisa ter coragem para ir lá e tentar.
Como nasceu o Pica Pau, que é o símbolo da marca?
A Reserva precisava de uma maior identidade e decidimos criar uma mascote. No nosso processo criativo, gosto de fazer escolhas que, a princípio, não cheiram nem fedem, que são neutras. Se é neutro, podemos construir o que quisermos em cima, de percepção. Contratamos a designer Márcia Cabral para criar esse símbolo. Falamos que queríamos um bicho para ser a imagem, assim não envelheceria. Não queria que eu fosse a imagem da marca. Ela fez vários e não gostamos de nenhum. Perguntei se não tinha nenhum neutro, que ninguém tinha amado nem odiado. Ela trouxe o lixo, literalmente. Ela não tinha gostado do pica-pau, e ele estava em uma folha por cima de tudo. Nandão e eu olhamos e vimos que era ele, foi amor à primeira vista. E o bichinho tem estrela.
Como foi a fusão com a Arezzo?
Foi muito bom para todos nós. A união fez sentido para os dois grupos. Eu continuo à frente da operação da Reserva, meus sócios Fernando Sigal, Jayme Nigri e José Alberto da Silva também continuam no dia a dia da empresa. A fusão fez nascer a AR&Co, uma subsidiária da Arezzo que é o ecossistema para a expansão e criação de novas marcas em vestuário, e eu sou o CEO. Estamos em total sintonia e sinergia. Compartilhamos do mesmo pensamento e filosofia. Continuamos na nossa caminhada, e agora temos uma folga maior para realizar nossos projetos. A Arezzo só nos trouxe valores. Estamos aprendendo muito daquilo que não fazíamos bem. Sempre fomos voltados para o consumidor final do que para o mercado de multimarcas e franquias. A Arezzo entende muito disso e estamos absorvendo e implantando no nosso negócio. Modelo de gestão sempre fomos muito mais liderança criativa do que gestor. Mas não tínhamos muito método, era tudo muito intuitivo, estamos aprendendo com eles pra caramba. Toda a parte de calçados. Mantendo a mesma infraestrutura, a mesma equipe, não mexendo na nossa cultura em nada, só estamos aprendendo com nossos sócios e implantando o que eles fazem de melhor. Mudou para melhor, porque estamos realizando com mais folga, mas com muita respon- sabilidade.
Agora, com a abertura de mais uma loja em Belo Horizonte, quais os planos da marca?
A Reserva é um ecossistema de marcas, de sublabels que se complementam, seja pela estilo de vida ou ocasião de uso. Tem a Reserva, que é o casual; a Reserva Co., de calçados; a Oficina Reserva, que vai abrir em outubro no BH Shopping, que é um relax workwear, uma moda de trabalho mais urbana, moderna e confortável; a Mini, que é o infantil; Reversa, que é o feminino; e a Simples, que lançaremos este ano, que é um básico democrático, com preços mais acessíveis. Nenhuma vai canibalizar a outra.
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