Já vimos de tudo com jeans. Mesmo assim, a designer mineira Lívia de Castro conseguiu surpreender o mundo. Única brasileira a chegar à final do prêmio Redress Design Award, em Hong Kong, a fundadora da marca Re.Trama recebeu elogios com o trabalho que dá um novo significado para calças jeans e mostra que a moda sustentável pode ser atrativa e desejada.
Lívia é de uma família que sempre reaproveitou retalhos. Seu avô paterno produzia tachos de cobre e com as sobras criava quadros. Já a avó materna a ensinou a fazer fuxico com retalhos de tecido. “Sempre gostei de guardar coisas que seriam descartadas e dar nova função. Por isso, me interessava muito pelo artesanato e pela sua capacidade de transformação.”
A habilidade para desenhar roupas vem de pequena. Já na faculdade de moda, ela conheceu o Fashion Revolution, que surgiu em 2013, depois que um prédio em Bangladesh, onde pessoas trabalhavam de forma precarizada para marcas do mundo todo, desabou e provocou mais de mil mortes. O movimento global questionava o impacto da produção de roupas, desde a matéria-prima até a loja.
“Isso me interessou muito. Entendi que a moda precisava ser sustentável e que, se fosse para ser designer, queria trabalhar reaproveitando materiais.”
De cara, ela escolheu o jeans. Não só pela disponibilidade, mas pelo desafio de surpreender com um tecido tão corriqueiro. “O jeans está muito na nossa cultura. Quis usá-lo, mas com uma leitura não básica, que trouxesse algo diferente e especial. Para mim, o que tem de mais especial é o feito à mão. O artesão que está lidando com o material coloca muito dele no que faz”, destaca.
Na coleção apresentada ao fim do curso, Lívia começou a construir o que seria sua identidade. Transformou calças jeans em fios, usados para criar padronagens, texturas, como pied de poule e tricô.
Com as sobras, ela passou a fazer brincos, que marcaram a chegada da marca Re.Trama ao mercado. Nos acessórios, usava pequenos retalhos, fios, zíper, botões e outras peças de metal das peças.
A Redress é uma ONG de Hong Kong que visa conscientizar para o descarte de resíduos da moda. Lívia participou da última edição do prêmio para mostrar seu trabalho com as tramas manuais de jeans. A coleção ganhou o nome de Heritage blue, que em português significa herança azul.
“Queria criar peças que fossem passadas de geração para geração, e não mais uma peça dentro do armário. Que fossem marcantes e pudessem ser usadas em momentos especiais.”
Aposta no xadrez
Desta vez, a designer optou por criar com o jeans padronagens de xadrez, que estão presentes em várias culturas e não saem de moda. Apostou no contraste entre as cores, do branco ao preto, passando pelos azuis, que são o grande destaque da coleção. No vestido, chama a atenção um azul bem vibrante. O xadrez também aparece vazado, unido por tiras mais largas.
De matéria-prima, eram, basicamente, calças (doadas e compradas em brechós) e fios de algodão. Lívia incorporou ao design várias partes das peças para gerar o mínimo de lixo possível. Todos os detalhes e acabamentos foram feitos com resíduos da própria coleção, em um trabalho manual bem minucioso. Ela queria mesmo surpreender.
As pernas foram cortadas e se transformaram em tiras para criar as padronagens de xadrez. Com a parte do meio que sobrava, num formato retangular, a designer criou efeitos diferentes: balonê na calça e evasê na saia.
As presilhas por onde passa o cinto no cós viraram botões. “Não queria usar zíper nem nada metálico, então tudo é jeans”, aponta Lívia, que usou tiras para fazer a amarração da calça e do blazer.
Até a “poeira” que sobrava no corte foi usada como enchimento da ombreira do blazer.
Lívia ficou entre os 10 finalistas do Redress Design Award 2022. Foi selecionada pelo júri, do qual fazia parte Orsola de Castro, uma das fundadoras do Fashion Revolution, que tanto a inspirou no início da carreira. A mineira recebeu elogios pelo design. Pela avaliação dos especialistas, ela conseguiu levar uma cara de alta-costura para as peças, tamanha a riqueza de detalhes manuais.
“Estou muito feliz com tudo isso. Achei interessante estar perto de designers criativos e pessoas que estão se movimentando para criar uma indústria sustentável.”
Seus quatro looks (três físicos e um virtual) foram desfilados em Hong Kong, no mês passado, quando foi anunciado o vencedor do concurso. Federico Badini, da Itália, ganhou e, entre os prêmios, está o convite para lançar uma coleção com a marca norte-americana Timberland.
A revista Vogue de Hong Kong vai publicar este mês um ensaio com as roupas de todos os finalistas, que passam a integrar uma rede global de design sustentável.
.