“Estamos fazendo uma pequena revolução dentro do nosso contexto.” Assim Tiago Peixoto, de 37 anos, bisneto do fundador, explica o novo momento da tecelagem Cataguases, que deixou para trás o nome Companhia Industrial Cataguases. A mudança ultrapassa (e muito) a dimensão do nome, o mesmo da cidade onde fica a fábrica, na Zona da Mata mineira.
A partir de agora, a indústria de tecidos planos se mostra ao mercado como uma empresa que constrói o futuro com inovação, ousadia e agilidade. Mais que isso, a Cataguases de hoje quer deixar de ser vista apenas como indústria para ser reconhecida como uma marca que conversa com todos os públicos, inclusive o consumidor final. Para o próximo ano, estão previstas visitas guiadas à fábrica.
Movido pelo desejo de continuar o legado da família, Tiago assumiu o cargo de CEO no início deste ano e, com entusiasmo, guia o negócio quase secular nesta nova fase.
A partir de agora, a indústria de tecidos planos se mostra ao mercado como uma empresa que constrói o futuro com inovação, ousadia e agilidade. Mais que isso, a Cataguases de hoje quer deixar de ser vista apenas como indústria para ser reconhecida como uma marca que conversa com todos os públicos, inclusive o consumidor final. Para o próximo ano, estão previstas visitas guiadas à fábrica.
Movido pelo desejo de continuar o legado da família, Tiago assumiu o cargo de CEO no início deste ano e, com entusiasmo, guia o negócio quase secular nesta nova fase.
Quem é e o que faz a Cataguases?
Somos um negócio familiar com 86 anos recém-completados e carregamos o nome da cidade onde estamos inseridos desde o início. Hoje, talvez sejamos a mais completa estrutura produtiva de tecidos planos das Américas. Quando falo em tecido plano, que é o nosso DNA, são tecidos usados para fazer camisas, chemises, vestidos, cuecas samba-canção, artesanato e decoração. São tricolines, cetins e voais. Temos uma atuação forte no segmento de moda e vestuário. Atendemos principalmente às marcas que usam tecido plano de algodão. Temos uma estrutura produtiva bem completa, com três plantas. Usamos mais de 95% de algodão brasileiro, principalmente dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia. Transformamos o algodão em fio. Depois o fio vai para os teares para se transformar em tecido. Na planta de beneficiamento, damos vida aos tecidos com estampas e tingimentos em qualquer cor que você imaginar. Trabalhamos com fio tinto, um processo em que se tinge o fio antes de entrar na tecelagem. Isso dá origem às listras do xadrezes, por exemplo, muito usados na camisaria e na alfaiataria. A Cataguases é um mundo incrível de inúmeras possibilidades, falando de produtos e perfis de clientes.
Qual a participação da empresa no mercado?
Difícil dizer, porque atuamos em categorias específicas de consumo, mas posso dar uma dimensão pelo volume de produção. Temos uma capacidade produtiva de 27 milhões de metros lineares de tecidos planos por ano, o que é bastante considerável. Atuamos 75% no mercado nacional e 25% no internacional, exportando para mais de 30 países (todos da América Latina, sem exceção). Temos uma posição de liderança e somos referência em tecidos planos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma cadeia têxtil e da moda completa, do campo ao varejo, que transforma a matéria-prima em peças de confecção. Nós estamos em todas as pernas do meio do processo. Não estamos no campo nem no varejo, mas temos fiação, tecelagem, beneficiamento e confecção.
Como começa a história da Cataguases?
O meu bisavô era filho de um comerciante português, que emigrou para o Brasil em 1890 e poucos e se instalou no interior de Minas. Em determinado momento, ele vislumbrou a possibilidade de comprar a massa falida de uma indústria têxtil e deu início ao negócio, que prosperou. O meu bisavô saiu da sociedade com os irmãos na indústria da família, que tinha o nome de Irmãos Peixoto, para fundar junto com outro sócio a Companhia Industrial Cataguases, em 1936. De lá pra cá, essa companhia vem crescendo. O meu bisavô morreu jovem, quando a empresa tinha pouco mais de 10 anos de vida, e o meu avô, junto com a viúva (mãe dele), deu prosseguimento ao negócio, desde a década de 1960 até o fim dos anos 1990. Meu avô também faleceu relativamente jovem e meu pai fez a sucessão.
"Como bons mineiros, sempre fomos uma empresa low profile, muito fechada em si mesma, mas esse processo de mudança de mentalidade pressupõe uma abertura. Não temos nada para esconder"
Quais são as suas memórias de infância na fábrica?
Me lembro, quando criança, no colo do meu pai, recebendo o brinquedo de Natal que a fábrica distribuía para todos os funcionários. Passei toda a minha infância aqui ao redor, vindo visitar meu pai e meu avô. De certa forma, isso está no sangue. Me desconectei do negócio por um tempo, mas sempre acompanhei os bastidores, mesmo distante, com outros compromissos profissionais. Até que recebi o convite para participar da sucessão. Aceitei sem saber onde estava embarcando, mas logo me apaixonei.
Você se imaginava trabalhando na empresa?
A minha história é um pouco diferente da do meu avô e do meu pai. Acabei seguindo minha trajetória. Sou nascido em Cataguases e vivi na cidade até os 15 anos. Depois me mudei para BH, fiz faculdade e me formei em economia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Quando terminei o curso, segui carreira solo, independente do negócio familiar. Me mudei para São Paulo para trabalhar no mercado financeiro. Em 2016, a minha família, especialmente meu pai, manifestou interesse em iniciar o processo de sucessão e me convidou. Aceitei o convite, mesmo sem ter ideia do que encontraria.
Por que você aceitou o convite?
Um pouco de ingenuidade, um pouco de paixão. Um desejo que não conseguia explicar, mas que estava escondido lá dentro, de continuar o legado. Essa é uma história quase secular da minha família. Quando você mergulha nessa realidade, não tem como não se apaixonar. O contexto é muito especial. São várias gerações de famílias que empreenderam junto com a minha família.
Como se deu seu percurso dentro da empresa até o cargo de CEO?
Entrei na empresa em 2017 como diretor comercial e assim fiquei até o fim do ano passado. Minha vida mudou por completo. Entrei em um momento especialmente delicado do Brasil, de recessão econômica forte, impeachment da Dilma Rousseff, chegada do Michel Temer, e a Cataguases vinha de anos difíceis. Somado a isso tudo, uma inexperiência grande do meu lado, assumindo a gestão empresarial do negócio. Foi um período difícil, de grandes aprendizados e muito amadurecimento. Mas fui muito bem recebido na empresa. Meu pai contratou por um período um profissional de mercado para fazer essa transição e virou presidente do conselho. Quando estava me preparando para retomar o plano de voo, tendo feito dever de casa, já familiarizado com a minha função, com os meus desafios, me apropriando dos relacionamentos comerciais, veio a pandemia. Ficamos parados por quase 45 dias, mas conseguimos aproveitar esse momento para fazer ajustes necessários e chegar aonde estamos hoje.
Que momento é esse da Cataguases?
Estamos olhando para o futuro, atentos ao que está acontecendo no mundo de hoje. Queremos ser uma empresa que reverencia sua história e seu passado, mas que está preocupada em construir o seu futuro, os próximos 86 anos. O nosso intuito, dentro da minha gestão, é preservar a essência de tradição, qualidade e solidez e unir a isso algumas outras características que julgamos muito relevantes: ser digital, buscar a inovação, antecipar novos comportamentos, ter uma mentalidade mais aberta e mais diversa. Estamos fazendo uma pequena revolução dentro do nosso contexto. Imagina que somos uma indústria têxtil, com um maquinário robusto, mineira, do interior, tem toda a questão do tradicionalismo, mas estamos quebrando uma série de paradigmas. Queremos preservar a nossa essência, o nosso jeito simples, responsável com as pessoas e o meio ambiente, mas trazendo uma dose de ousadia, inovação, mudança de mentalidade, contemporaneidade e agilidade. Queremos desfazer a imagem do tradicional velho. Queremos mostrar uma imagem do tradicional confiável, que olha para o futuro com inovação. Que está conectado com as novas gerações, que podem vir a integrar nossos quadros, para que sintam desejo de estar aqui e continuar essa história.
Com essas mudanças, vocês querem atrair olhares de investidores, de clientes, de consumidores ou de todos?
Investidor é o que menos interessa neste momento. A empresa é familiar e, se depender de mim, pode continuar assim. Queremos ser menos percebidos, aos olhos do mercado, apenas como fornecedor ou indústria. O nosso esforço é para começar a ser percebido como marca, o que é um desafio. Em um modelo de negócio business to business (B2B), somos uma indústria que atua nos bastidores e não dialoga com o consumidor final, mas isso pode e deve acontecer dentro dessa mudança de mentalidade.
Você enfrentou alguma resistência nesse processo?
Esse é um trabalho que vem sendo feito desde novembro do ano passado. Em um ano, mergulhamos no mundo Cataguases, ouvimos parceiros, clientes e pessoas da cidade. A partir desse diagnóstico, fomos desenhando o que para nós é valor, o que não aturamos, o que é inegociável e não queremos abandonar de jeito nenhum e isso está se materializando na nossa nova marca. Mudança de cultura não se faz da noite para o dia. As pessoas vão se adaptando e nós estamos respeitando o ritmo.
Vocês anunciaram investimento de R$ 10 milhões em ações de reposicionamento da marca. O que está programado?
Estamos programando uma série de iniciativas, dentro desse novo momento da marca. Fizemos a primeira exposição de arte imersiva da Cataguases, no galpão de algodão, mostrando o nosso desejo de construir o futuro com uma mentalidade diferente. Esse foi o marco zero. Costumo dizer que a nova marca está acontecendo há muito tempo, mas agora, sim, vamos dar vida a ela, tangibilizar essa nova fase. Apesar de todas as dificuldades, este ano tem sido especial, de consolidação de inúmeros projetos. Estou aqui desde 2017 e tinha o sonho de transformar a nossa realidade desde o dia em que cheguei. Mas que bom que foi depois de tudo o que passei. Já alteramos a fachada com a nova marca, criamos pontos de descompressão na fábrica, começamos a levar conteúdos relevantes para as mídias sociais e o próprio e-commerce, que está se fortalecendo como ferramenta de relacionamento, mais amigável, que pode ser usado pelos clientes e representantes comerciais.
Entre as ações previstas neste novo momento está a abertura da fábrica para visitação. Como isso vai funcionar?
Esse é um projeto para o ano que vem, como desdobramento do novo momento da marca. É interessante ver a reação das pessoas que não conhecem a Cataguases e, quando chegam aqui, se impressionam com a estrutura que existe. Acho que é porque tudo é muito grandioso, são instalações muito grandes. Gostaríamos de transformar isso em um roteiro de experiências, inclusive fomentando o turismo da região, para atrair um público de estudantes de moda, criativos, designers. Que eles possam conhecer a nossa estrutura, mais do nosso processo, iniciativas sustentáveis e vejam que existe um pessoal literalmente apaixonado pelo que faz. Queremos dizer: estamos abertos, podem entrar, esse é o lema do novo branding. Como bons mineiros, sempre fomos uma empresa low profile, muito fechada em si mesma, mas esse processo de mudança de mentalidade pressupõe uma abertura. Não temos nada para esconder. Somos uma casa mineira, então podem entrar, estamos abertos.
Qual é a relação da empresa com a comunidade?
Estamos em uma cidade do interior com 70 mil habitantes e, imagina, temos 1.300 colaboradores. Como é um negócio muito longevo, várias pessoas da cidade já tiveram alguma passagem por aqui ou conhecem alguém que já trabalhou aqui. Temos uma relação muito umbilical com a comunidade. Somos dependentes, com muito orgulho, do capital humano. Temos uma paixão pelas inúmeras possibilidades de transformação que conseguimos alcançar. Não só da matéria-prima bruta, que ganha vida nas passarelas, com a criatividade dos estilistas. Mas da vida das pessoas. Dentro desse processo de rebranding, entendemos que a nossa marca se chama Cataguases. Usávamos o nome completo, Companhia Industrial Cataguases, como marca para diferenciar a empresa da cidade. Mas, na verdade, somos quase que uma coisa só. O mercado sempre nos conheceu como Cataguases, e esse nome é muito forte. Não somos só um negócio. Falo que somos um ecossistema de pessoas, colaboradores, a comunidade, clientes e parceiros, que é realmente muito especial. É óbvio que o negócio sustenta tudo. Sou muito pragmático, até pela minha formação. O que torna possível os nossos sonhos é ter um negócio saudável e em condições de assumir riscos em prol da sua marca e do que acredita.
Como é para vocês sobreviver em um país que tem uma indústria têxtil sucateada?
Como toda história de empreendedorismo, vivemos dias de lutas e glórias, de dificuldades e alegrias. Mas o importante é que, com tantos desafios pelo caminho, temos essa capacidade de nos reinventar. Estamos firmes e fortes – posso dizer mais fortes do que nunca – para consolidar esse novo momento de marca e com mais força para olhar para o futuro.
O que o seu bisavô e o seu avô diriam sobre as mudanças?
Eles viveram em outros tempos, mas acho que, se estivessem vivendo no tempo em que eu vivo, ficariam orgulhosos. O meu pai está vibrando, do jeito dele. Essa chacoalhada é muito importante para olhar para dentro com sinceridade, entender o que queremos ser na essência e construir o futuro.