Jornal Estado de Minas
Semana fashion

Retorno à passarela



Quem viveu os anos 1990 certamente se lembra dos movimentos que marcaram a moda nesse período, entre eles a era clubber, estética que nasceu a partir do comportamento dos jovens de se vestirem – ou se “montarem” no linguajar desse grupo – para ir dançar nos clubes paulistanos, ao som da música eletrônica.
 
No bojo dessas experiências surgiram estilistas importantes que, logo depois, ganhariam as passarelas dos principais eventos do Brasil. Entre eles, a Casa dos Criadores, que está completando 25 anos sem perder a sua essência - ou seja, a semana fashion continua alternativa e autoral, abrigando uma legião de jovens que deseja se inserir ou se consolidar nesse mercado tão desejado.
 
Utilitário conceitual da linha Cedro - Foto: Gustavo Marx/divulgação. 
 
De amanhã até 10 de dezembro, 40 marcas integram a programação criada pelo promotor André Hidalgo, que se desenrola no Centro de São Paulo, mais precisamente no SuperLoft, na região da Sé, boa parte dela com atrações presenciais. E entre os nomes convidados figura o do mineiro Martielo Toledo, que participou da primeira edição do evento e, agora, retorna às origens, reeditando o tema da sua estreia por lá, o Cowboy Punk.
 
Letícia Birkheuer no desfile Cowboy Punk - Foto: Márcia Fasoli/divulgação 
 
Concentrando seu trabalho em grandes grupos de moda nacionais, a maioria na área do jeanswear, para quem cria coleções comerciais, o estilista fez parte de uma turma que saiu da faculdade sem medo de experimentar coisas novas e inusitadas. A primeira marca, a Salve Rainha, fez história com um inesquecível desfile no shopping Del Rey, em que uma das novidades foi o lançamento de um tecido roxo, usado no revestimento de caixões, como proposta fashion para roupas.
 
Luciana Curtis e Márcio Banfi em 1997 - Foto: Márcia Fasoli/divulgação 
 
Foi a partir desse momento, há 28 anos, que ele começou a fazer barulho em Belo Horizonte, o que ecoou Brasil afora. “Cheguei a desfilar no Phytoervas Fashion lançando, nacionalmente, a Salve Rainha, em 1994, porém, com o tempo, tive problemas decorrentes de propriedade industrial quando fui registar o negócio e, como havia uma tendência de mercado de usar o nome dos criadores nas marcas, passei a assinar o meu a partir de 1997”, relembra. Seu estilo era um mix da cultura underground das ruas com o clubber, punk e rock'n roll. Nesse momento mágico e transformador, a ordem, como ele mesmo conta, era subverter valores, quebrar paradigmas em termos de moda, estética e beleza, com humor e diversão.
 
Martielo Toledo - Foto: João Viegas/divulgação 
 
Ao lado de outros colegas mineiros, como Jotta Sybbalena, Eduardo Suppes, Victor Dzenk, Ronaldo Fraga, integrou uma geração atrevida para quem desconstruir silhuetas e inserir novos códigos às roupas era o grande desafio. Ele recorda os velhos tempos com saudades.
Por isso, quando recebeu o convite de Hidalgo, resolveu participar do evento como forma de trazer seu nome para uma geração que não o conheceu e de mostrar para os jovens que existiu um trabalho de base bem construído muito antes deles sonharem em aparecer na cena fashion.
 
“Na primeira Casa dos Criadores éramos apenas seis estilistas. Jeziel Moraes, Annelise de Salles, Elisa Stecca, Marcelo Sommer, Lorenzo Merlino e eu que, dessa turma original, continuo o único a atuar no mercado convencional, criando coleções pontuais para marcas. E fui eu que fiz o primeiro desfile dessa edição de estreia”, enfatiza.
 
A partir daí, Martielo fez uma visita ao seu acervo e aproveitou para dar uma atualizada no material que reuniu ao longo da carreira. “Tinha muita coisa deteriorando, como as fitas de VHS com desfiles, participação em programas como o da Cristina Franco e Regina Casé e as gravações que fiz como estilista na novela Anjo Mau. Tive que mandar digitalizar tudo para preservar a memória”.
 
É nesse sentido – ele reafirma - que está participando do evento; para exibir seu legado para os que vieram depois. Ao contrário deles, sua geração não contava com ferramentas como mídias sociais, Youtube, que amplificam e registram o trabalho das pessoas. “A gente tinha muita garra, muita vontade de inovar, de quebrar barreiras, mas os canais de divulgação eram muito simples: os jornais, poucas revistas especializadas locais, as estrangeiras que custavam muito caro e chegavam com atraso ao Brasil, canais de Tv e estações de rádio”, enumera.
 
A contribuição dessa safra de criadores autorais foi de grande importância para a cultura de moda do país, traduzindo um momento muito especial.
Entre outras façanhas, em 1998, no aniversário dos 40 anos da Fenit, até então a maior feira da indústria têxtil da América Latina, foi armada uma programação relevante, com desfiles de jovens criadores que estavam fazendo sucesso em Paris, entre eles Michiko Koshino, Veronique Leroy e Gilles Rosier. Junto a eles, Martielo, Jeziel, Lorenzo, Elisa Stecca e colegas formavam o time escolhido pelo evento para fazer um preview da primavera-verão 98/99. 

Reedição Para Martielo, o cowboy punk concebido por ele é feito de antagonismos: mistura o urbano e o rural, o chão com o asfalto, o cavalo e a moto, tem cara de brasileiro e americano. “O desfile terá muito jeans, muita sarja, muito couro, já que sempre tive no fetiche uma grande inspiração, inclusive usarei as sockboots, aquelas “meias-botas” que sempre amei e que vêm dessa corrente”.
A apresentação contará com looks icônicos e algumas reedições, a começar pelo make up tribal do desfile de 1997. A ambientação e a inspiração vêm do universo da ficção científica, mais precisamente da grafic novel chamada Sci-fi Punks Projects, uma multiplataforma interdisciplinar, criada pelo estilista em 2013, unindo moda, história em quadrinhos, música, arte e tecnologia. O projeto gráfico é produzido pela Devir Editora, em São Paulo, e distribuído pela Amazon.
O conceito dessa obra vem de um futuro distópico, onde emerge uma sociedade tecnológica, paranoica, em meio a uma invasão alienígena. A humanidade se depara com questões
filosóficas sobre o seu verdadeiro papel em um mundo que vive sob o domínio do medo e do terror e que celebra o caos e a desilusão.
 
A trilha sonora exclusiva, criada especialmente para a ocasião, leva o nome de Victims of Fear, produzida pelo DJ e produtor mineiro, Anderson Noise, amigo histórico de Martielo e referência nacional da música techno, além de parceiro musical da saga Sci-fi Punk Projects.
Direto do túnel do tempo, o desfile apresenta peças em couro, desenvolvidas pela Armadilha Couros para o desfile de 1997 e calçados sockboots criados em 1998 pelo Studio Arezzo e por Norma Lopez Couros. Os tênis são da collab com a Converse All Star e foram lançados no Cartel 011, em novembro de 2017, bem como as camisetas e moletons produzidos em parceria com a

Nephew Clothing. Já as peças em sarja e jeans levam a assinatura do estilista para a coleção Cápsula do Tempo comemorativa dos 150 anos da Cedro Têxtil, lançada em maio de 2022.
“Esse trabalho também tem um lastro do universo sci-fi punk e das histórias em quadrinhos, vem com cara dos utilitários, com cargos, muitos bolsos, peças reversíveis”, ressalta. A apresentação traz, ainda, a inédita colaboração de óculos/máscaras desenvolvidos em parceria com a Gissa Bicalho, marca mineira de acessórios, e conta com o apoio da Sibra Camisaria Masculina.
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