Jornal Estado de Minas
Memória

Do molde à roupa



Quando a costureira Carmen de Andrade Mello e Silva e seu marido, o engenheiro Antônio Mello Silva, criaram o Método de Corte Centesimal em Belo Horizonte, em 1934, não poderiam imaginar que a invenção pudesse se disseminar tão rapidamente e em tão pouco tempo. Mais do que isso, que ela fosse capaz de atravessar gerações e estados brasileiros e chegar os dias atuais sendo ensinado em ateliers, escolas e faculdades de design de moda. Ao longo do tempo, o Centesimal, como ficou conhecido, formou milhares de profissionais criando uma rede de instrutoras, em sua maioria mulheres.
 
Década de 2020 - Vestido de noiva criado por Maria Paula - Foto: Laíssa Ferreira/divulgação 
 
Sua relevância é tão grande que na exposição Saberes da costura: do molde à roupa, em cartaz no Museu da Moda de Belo Horizonte – Mumo, o método se tornou protagonista de uma narrativa que passa pela memória afetiva das pessoas. Não é à toa, que, na noite de inauguração da mostra, tenha despertado a comoção da plateia presente ao evento: afinal, quem não tem uma história familiar sobre costureiras para contar? Quase todo mundo.
 
A de dona Carmen e a do senhor Antônio é contada, hoje, pela bisneta do casal Carolina Franco, que, em 2010, foi convocada pela mãe, Júnia, para dar continuidade ao legado deixado pelo casal. Formada em marketing, com especializações em Planejamento e Gestão Cultural e em Gestão Estratégica pela Fundação Dom Cabral, ela deixou de lado a carreira na área para impulsionar e divulgar o negócio no mercado e entre a comunidade da moda de Belo Horizonte. “Quando minha bisavó Carmen morreu, minha avó Dora, 93 anos, a sucedeu; em seguida foi a vez da minha mãe e, agora, a minha, a neta mais velha’, explica a empresária.
 
Década da 1950 por Mary Ferreira (DF) - Foto: Laíssa Ferreira/divulgação 
 
No momento em que o tema da exposição foi definido, colocando em evidência os saberes da costura, Carolina foi acionada pela gestora do Mumo, Carol Ladeira, para contribuir com informações e material que ajudasse a subdisiar o tema. O projeto expográfico concebido pelo arquiteto e cenógrafo Alexandre Rousset, no terceiro pavimento do museu, apresenta muitas atrações, como manuais de métodos de corte, costura e modelagem (entre eles os do Iole, muito difundido no setor), revistas de moda, réguas, máquinas de costura antigas, alguns remontando ao século 19. Mas o que fica em evidência é o grande acervo do Centesimal, criteriosamente preservado pela família.
 
Carteirinhas das instrutoras - Foto: Laíssa Ferreira/divulgação 
 
Estão ali os livros, cadernos de alunas, diplomas, fotografias.
E curiosidades como uma máquina de costura Singer, de 1869, que pertenceu à trisavó de Carolina, um manequim de cera usado por dona Carmen, nos anos 1940, e um antigo estojo da avó Dora, testemunhas dessa saga que envolve várias gerações. Numa linha do tempo que vai das décadas de 1930 a 2020, 10 modelos confeccionados em algodão cru foram confeccionados por instrutoras especializadas no Centesimal.

Moldes O grande sucesso do método, segundo Carolina, é a funcionalidade e a facilidade de visualização da peça que ele proporciona. A elaboração dos moldes permitia melhor aproveitamento dos materiais e a adaptação aos diversos tipos de corpos, diminuindo, consequentemente, o número de provas das roupas. Isto foi possível por meio de um sistema de escalas inventado pelo bisavô Antônio, “uma espécie de professor Pardal”, nas palavras da bisneta. ”.
 
A secretária municipal de Cultura, Eliana Parreiras, acredita que é de grande importância mostrar ao público esse projeto criado aqui em Belo Horizonte e como ele se tornou conhecido e aplicado nos processos de formação de costureiras amadoras e profissionais, tornando-se uma referência para costura em todo o país. 
 
De março de 2022 até a inauguração em dezembro, aconteceram vários contatos entre Carolina Franco, as curadoras Carolina Dellamore e Miriam Hermeto e o cenógrafo Alex Rousset. “Foi uma fase de muita conversa, pesquisa e encontros. Eu tinha alguma coisa guardada, meu tio também, além da minha avó Dora.
Descobrimos muitas coisas nesse processo e fomos passando para os responsáveis pela mostra”.
 
Fotos, diplomas, fichas e carteirinhas das instrutoras estavam entre esses objetos que figuram na exposição. Através das fichas, Carolina fez um levantamento e constatou como o método de ensino se espalhou por vários municípios e estados brasileiros revelando a sua potência e o quanto contribuiu para a inserção de inúmeras mulheres no mercado do trabalho. “As instrutoras recebiam uma carteirinha que as credenciava para o mercado de trabalho nas suas regiões. Encontrei mais de 500 e fiz a seleção que está sendo exibida”. Enquanto algumas se dedicavam a ensinar, outras montavam seus próprios ateliers de costura.

Manequins Carolina também foi encarregada de localizar e convidar as profissionais, de diversas localidades, para executar as roupas exibidas, em linha do tempo, nos dez manequins da mostra. Elas foram inspiradas nas propostas do Informe da Moda, um dos produtos criados por Dora e oferecidos pelo Corte Centesimal, a partir dos anos 1970. Cada modelo vinha acompanhado da sugestão de cor, tecido, além da explicação técnica para a construção da vestimenta. Inicialmente, tudo era feito artesanalmente com reprodução em mimeógrafo.
 
A partir de 2010, quando Carolina entrou no negócio profissionalmente, o Informe passou a ser elaborado em computador, ganhou novo layout.
Em junho de 2021, foi lançada a Biblioteca Digital do Informe da Moda, que reúne os mais de 1400 modelos já interpretados desde a sua criação, em 1978. Outra novidade, a partir de 2018, é o curso online de introdução ao Método de Corte Centesimal, em parceria com a professora Lara Rogedo, que também participa da exposição do Mumo.
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