Ela estava na hora certa, no lugar certo e com a ideia certa. Mas não tem como resumir a trajetória de Roberta Vasconcellos, de 34 anos, a isso. Cofundadora da plataforma Woba, que conecta empresas a espaços de trabalho, a mineira de Belo Horizonte tem múltiplos talentos. É comunicativa, dinâmica e inventiva. Sempre levou jeito para vendas, habilidade que herdou dos dois lados da família.
Sua história também envolve coragem. Recém-formada, ela foi trabalhar em uma startup sem nunca ter ouvido falar nessa palavra em inglês. Já empreendedora, sempre ao lado do seu irmão e sócio, Pedro Vasconcellos, teve flexibilidade para se adaptar ao que o mercado demandava, tanto que a plataforma é uma evolução de duas ideias anteriores.
Há três meses, Roberta vive no México para acompanhar o primeiro passo da expansão da empresa, que quer chegar a outras capitais da América Latina, Europa e Estados Unidos em dois anos. Nesta entrevista, ela relembra o primeiro negócio que abriu com a mãe, fala sobre os desafios de empreender e conta sobre a mudança para a Cidade do México, onde nascerá seu filho, Daniel.
Há três meses, Roberta vive no México para acompanhar o primeiro passo da expansão da empresa, que quer chegar a outras capitais da América Latina, Europa e Estados Unidos em dois anos. Nesta entrevista, ela relembra o primeiro negócio que abriu com a mãe, fala sobre os desafios de empreender e conta sobre a mudança para a Cidade do México, onde nascerá seu filho, Daniel.
De onde vem essa sua vontade de empreender?
Venho de uma família empreendedora pelos dois lados. Por parte de mãe, meu avô criou a Casas da Banha, a maior rede de hipermercados do Brasil da época. Meu avô por parte de pai teve banco, empresa de ônibus e fundou a holding que inclui a CNR e outros negócios da área de construção civil. Sempre tive muito exemplo de trabalho em casa e cresci em um lar de muito amor. Sou a mais velha de quatro filhos. Meus pais nos incentivaram e nos deram muita coragem para fazer o que acreditávamos. Desde nova, sempre fui uma pessoa bem comunicativa. No primeiro dia de aula, já levantava a mão para contar uma história. Fiz jazz e balé por uns 12 anos, então vivia no palco. Tudo foi me ajudando a ser mais desinibida. Meu pai é um comerciante nato, super negociador, e sempre gostei muito de vendas. Com 11 anos, comecei a vender trufas no colégio e a brincadeira virou negócio. Eu e minha mãe montamos uma fabriquinha em casa. Chegamos a vender para restaurantes. Aos 16 anos, tive a oportunidade de fazer intercâmbio no Canadá. Meus pais sempre me incentivaram muito nos estudos. Meu avô falava: podem tirar tudo de você, mas conhecimento ninguém tira, então acumule o máximo que conseguir ao longo da vida. Nesse tipo de intercâmbio, não podia trabalhar, mas acabei trabalhando em uma carrocinha de cachorro-quente. Juntei o dinheiro e comprei o meu primeiro laptop. Quando voltei, tinha mais um ano para fazer vestibular e fui dar aula de inglês para crianças. Depois escolhi estudar publicidade e propaganda e direito.
Nessa época, você já sabia o que queria da vida?
Sabia que queria ter o meu negócio ou trabalhar no negócio da família. Achei que comunicação fosse me ajudar e sempre tive curiosidade com direto (a minha mãe é advogada e tinha um escritório com a minha avó). Meu pai sempre me incentivou a aprender com os outros. Não existia a pressão de ter que ir para os negócios da família, então queria explorar o mundo corporativo. Durante a faculdade, trabalhei em loja de roupas. Sempre amei esse movimento, comércio, negociação, gosto de moda também. Era para ficar só no Natal, acabei ficando mais seis meses. Depois comecei a fazer estágio em agência de publicidade e fui estagiária da CNR na área de marketing. Seis meses antes de me formar, vi que direito era mais curiosidade como cidadã, então larguei o curso e preferi fazer pós-graduação.
"Meus pais sempre me incentivaram muito nos estudos. Meu avô falava: podem tirar tudo de você, mas conhecimento ninguém tira, então acumule o máximo que conseguir ao longo da vida"
Roberta Vasconcellos, cofundadora da Woba
Como você foi parar no mundo das startups
Nessa época, estava participando de vários processos seletivos de trainees. Queria adquirir conhecimento para depois empreender. Aí um grande amigo, que é meu mentor, trabalhava em um fundo de investimentos e falou comigo: por que você não vai trabalhar em startups? Isso era em 2009 e nunca tinha ouvido falar em startups. Ele me explicou que eram empresas com base tecnológica, que cresciam exponencialmente e disse que aqui tinha a Samba Tech, que é uma plataforma de vídeo. Mandei currículo e comecei como estagiária comercial. Uma vez que entrei nesse mundo, me encantei e fiquei lá por três anos. A Samba Tech foi uma escola e o Gustavo Caetano, o fundador, foi um grande maestro. Tinha 21 anos na época, era uma pessoa super jovem que tinha que vender tecnologia e não era da área de tecnologia. Não é como hoje em dia, que as empresas estão procurando soluções de startup. Na época, tínhamos que fazer um trabalho muito mais educativo, bater de porta em porta, ir atrás das empresas. Aprendi muito sobre como me relacionar com grandes empresas, sobre o valor de construir, de forma genuína, uma rede de relacionamento.
E como se deu o salto para abrir o seu negócio?
Na época, falava com o meu irmão Pedro, que estava se formando em engenharia civil, que esse mundo das startups era a cara dele. Ele sempre foi a pessoa da família mais interessada em tecnologia. Já estava há três anos na Samba Tech, com ideias para empreender e precisava de ajuda. Abria e fechava um negócio por dia nas ideias. Um amigo nos apresentou uma dupla de desenvolvedor e designer e, em 2013, nós quatro iniciamos o Tysdo (things you should do). Era um aplicativo social em que as pessoas organizavam listas de metas e se conectavam a outras pessoas para ajudá-las a realizar seus objetivos. Todo mundo trabalhava com esse projeto nas horas vagas, até que eu resolvi sair da Samba Tech e ficar dedicada 100% do tempo a ele. O negócio começou a ganhar volume (acabou tendo 200 mil usuários) e, na época, recebeu um investimento-anjo. Foi o nosso melhor MBA, o que nos levou ao Woba, mas o modelo não era sustentável. Estava virando mais agência de marketing do que empresa de tecnologia. Um aprendizado muito importante para o empreendedor é se atentar aos problemas reais que está resolvendo e, se for preciso, mudar de rota. Não pode ficar apegado ao sonho, afinal, ninguém acerta de primeira. No mundo das startups, chamamos de pivotar, mudar a jogada. Fizemos parcerias com grandes marcas, ganhamos vários prêmios, mas não adianta olhar para as métricas de vaidade, temos que olhar para as métricas reais. Vimos a necessidade de pivotar e esse aplicativo virou a primeira versão do BeerOrCoffee.
Como funcionava esse segundo aplicativo?
Vimos que o que gerava maior engajamento no Tysdo era a conexão entre as pessoas. Então, transformamos isso em um aplicativo, como se fosse o Tinder de negócios. Isso foi em 2016. Você se conectava com pessoas que falavam de assuntos que te interessavam e marcava uma cerveja ou um café. As pessoas se encontravam e faziam negócios. O BeerOrCoffee era uma rede que só crescia através de convites e, no primeiro ano, geramos 30 mil conexões. Até que percebemos que as melhores conexões começavam em ambientes de coworking. Outros coworkings começaram a pedir para participar do aplicativo, querendo vender espaço para os usuários. Aí começamos a estudar esse mercado de coworking e entender que, assim como existe Airbnb e Uber, poderia existir um marketplace global que conectasse pessoas a escritórios. A gente estava sentindo essa dor, sendo uma empresa remota, que aceitava o modelo híbrido, e acreditava que a tendência seria ter tudo compartilhado e não ser dono de nada. Mais uma vez, olhando para os números, pivotamos e começamos a cadastrar espaços de coworking e levar as pessoas para esses espaços. Depois passamos a vender planos no site. No início, vendíamos muito para empreendedores, nômades digitais, profissionais autônomos, até que começamos a vender para empresas.
Em que momento o BeerOrCoffe virou Woba?
Foi no início de 2018. Fizemos o movimento de vender só para as empresas e foi o momento em que mais crescemos, porque acertamos o modelo de negócio. Na época, vendemos a ideia para o Banco Inter, que tinha escritório em BH, mas estava abrindo rapidamente regionais no Brasil. As pessoas precisavam se mover, mas paravam de tempos em tempos. Em vez de ter uma sala tradicional, com secretária e tudo, que ia ficar parada muito tempo, o banco tinha vários escritórios pelo país. Era uma forma mais eficiente e inteligente de ter um espaço. Ajudamos o Inter a economizar mais de R$ 1 milhão por ano. Outra vantagem é ter um contrato muito mais flexível. Você pode pagar um espaço por mês. Hoje reunimos coworkings, escritórios ociosos de outras empresas e até construtoras que montam escritórios sob demanda para as empresas. O cliente fica feliz porque, além de ter um escritório no formato certo, pode usar toda a nossa rede quando precisar. No início de 2019, recebemos um investimento-semente de R$ 8 milhões do fundador do Booking.com, um holandês, que até hoje é nosso sócio. O nome BeerOrCoffee já não comunicava mais o que fazíamos e, em novembro do ano passado, mudamos para Woba. Woba deriva do termo “work-life balance” (equilíbrio entre vidas pessoal e profissional), que é o nosso propósito.
Como a pandemia impactou o negócio?
Estávamos em um excelente momento quando veio a pandemia, tínhamos fechado o melhor trimestre. Sabíamos que estávamos antecipando a tendência de trabalho híbrido, mas, num primeiro momento, os espaços físicos estavam fechados. Ajudamos a nossa rede e flexibilizamos contratos. Como éramos uma empresa muito “leve”, com 40 pessoas no time, e tínhamos dinheiro no caixa, conseguimos passar pela pandemia. Logo depois que passou o primeiro período de lockdown, começamos a ajudar as empresas a ter escritórios com mais eficiência. No fim de 2021, recebemos R$ 10 milhões de dólares de dois fundos de investimentos, um argentino (dos fundadores do Mercado Livre) e outro norte-americano, os maiores da América Latina. É muito bom estar rodeado de pessoas como eles, com muito mais experiência que a gente, nos apoiando para conseguirmos crescer mais rapidamente. O conhecimento que eles trazem pra gente é incrível. Hoje somos uma rede com 140 colaboradores, mais de dois mil espaços de trabalho em 240 cidades e mais de 500 clientes.
Vocês acabaram de abrir uma operação no México. Por que foram para lá e quais são os planos de expansão?
Há três meses, fui morar na Cidade do México com o meu marido, que é um empreendedor da Guatemala. Conheci o Manuel em um coworking em São Paulo, sou case do meu próprio produto. O negócio dele é maior lá e o nosso filho vai ser mexicano. Depois do Brasil, o México é o melhor mercado da América Latina para estarmos. A Woba tem uma visão global, atende muitas empresas multinacionais e a nossa grande proposta de valor é centralizar tudo na mesma plataforma. Vimos clientes do Brasil precisando de escritório no México. A Cidade do México tem 25 milhões de habitantes e as mesmas características de São Paulo, longas distâncias e trânsito caótico. Em três meses, temos mais de 80 espaços cadastrados e agora estamos começando a captação de clientes mexicanos (já temos clientes do Brasil). Esse é o primeiro passo da expansão. O nosso plano, nos próximos dois anos, é continuar crescendo no México, chegar a outras capitais da América Latina, como Santiago, Lima e Bogotá, para depois irmos para Europa (já temos uma operação bem pequena em Lisboa) e Estados Unidos.
Como é para você poder oferecer soluções para grandes empresas e no mundo todo?
É muito gratificante. Por natureza, o empreendedor gosta de resolver problemas, é isso que me move todos os dias. Quando vejo os depoimentos dos nossos parceiros, entendo o impacto que geramos na vida deles. Faço o que faço porque tem sentido e propósito. Vivo muitos desafios todo dia, a minha vida é uma montanha-russa, mas no fim do dia é isso que me move, que me faz seguir em frente.
O que significou para você entrar, em 2015, na lista da Forbes Brasil de pessoas influentes com menos de 30 anos?
Foi uma grata surpresa. Às vezes, tenho a síndrome da impostora, de achar que tem um monte de empreendedores fazendo muito mais do que eu. Mas fiquei muito feliz. Estava ali representando toda uma história, o sonho de várias pessoas. Claro que isso traz muita visibilidade e renome para a marca, abriu muitas portas, mas, no fim do dia, o mais importante é ver os números crescendo e os clientes felizes. Esse é um ponto na minha carreira, mas não o mais importante.
Como é a sua rotina? Você é workaholic?
Já fui e não recomendo. Gostava tanto do que estava fazendo que nem percebia, mas hoje me policio. Chega uma hora em que a gente precisa ter equilíbrio. Hoje priorizo de outra forma o meu dia a dia. Tenho horário para fazer exercício, tenho mais tempo para ficar com a família e os amigos. Ainda mais agora que estou grávida, vou ser mãe. Isso vai me tornar uma profissional melhor.
A Woba é o negócio da sua vida?
Pelos próximos anos, sim. Temos a mentalidade de principiante: ainda falta muito para fazer.
Ser mulher faz diferença nesse mercado de startups?
Quando comecei lá na Samba Tech, eram eu e mais duas mulheres. O mercado evolui muito, existem mais mulheres fundadoras de startups e em cargos de liderança e fico muito feliz de ver isso. Não sei se foi pela forma como fui criada, mas nunca me senti diferente ou inferior. Sempre tive incentivo dentro de casa para seguir o que queria.
O que você falaria para os jovens que querem seguir o seu exemplo?
Antes de mais nada, procure conhecimento com pessoas ou na internet. Comece pequeno, mesmo sonhando grande, e valide sua ideia. Isso vai te ajudar a não desperdiçar tempo e dinheiro. Use a tecnologia a seu favor. Existem muitas ferramentas que ajudam a saber se você está no caminho certo. Conecte-se com outras pessoas. Faça o básico bem-feito, não fique deslumbrado e construa um modelo para ser sustentável. Tenha coragem.