Corriam os anos 1960 quando uma dupla de cariocas, chegando do Rio, resolveu dar uma volta a pé pela Avenida Afonso Pena para pesquisar o que havia nas lojas. Logo que começaram a caminhada, repararam que estavam sendo seguidas por uma série de moleques da região, que batiam palmas, fazendo a maior algazarra. Para se livrar do barulho, que só aumentava, e elas não sabiam a razão, subiram a Rua da Bahia e vieram se esconder nas portas da oficina do jornal Estado de Minas, que ainda funcionava na Rua Goiás. Razão da confusão: ambas usam vestidos com minissaia, que acabava de ser criada pela estilista Mary Quant, que ainda não era conhecida por aqui.
Falar de Mary Quant é falar de minissaia, peça de roupa que escandalizou os puritanos e que, ao contrário, conquistou as mulheres, tanto que se transformou em bandeira de sua libertação. Quando sua criação completa 63 anos, a minissaia vive uma eterna juventude.
A década de 1960 foi marcada por anos de otimismo, liberdade e agitação social. A rua demandava mudanças e modernidade e a mulher sentia a necessidade de se libertar, motivos pelos quais a estilista britânica Mary Quant usou a tesoura e cortou 15 centímetros de saia. “A minissaia não surgiu de uma maneira consciente: foi uma explosão, uma necessidade, a juventude pedia a gritos”, declarou publicamente, utilizando uma margarida como símbolo da revolução juvenil.
Este corte atrevido e também transgressor revolucionou a moda e transformou a minissaia em uma ferramenta de empoderamento para a mulher, em uma época na qual era impensável mostrar os joelhos. Apesar de ser uma peça reivindicativa, por uma ou outra razão a minissaia sempre foi acompanhada de apelidos em algumas ocasiões machistas e inclusive sexistas.
“Criei ela pensando em mim e nas minhas amigas; nunca acreditei que chegaria a ter tanto sucesso, embora o meu maior sucesso foi ter sido útil à época e à geração à qual pertence”, destacou em várias ocasiões a estilista.
A partir desse momento, Mary Quant, que morreu no último dia 13 de abril, com 93 anos, passou toda sua vida mundialmente conhecida como a mãe da minissaia, um modelo, que a priori, ninguém acreditava que teria vida longa por considerá-lo uma extravagância.
Mary Quant, que viveu afastada da moda desde 2000, quando vendeu sua empresa a investidores japoneses, aprendeu a costurar por necessidade, arrumava os vestidos que herdava de suas primas. Montou sua primeira butique, a mítica Bazaar, com o dinheiro que recebeu de uma herança.
A criadora fazia de tudo. Comprava os tecidos, desenhava os padrões, cortava os tecidos e costurava as peças de roupa. Impulsionou as roupas de ginástica de cores, os coletes de crochê e as jaquetas de polivinil, um estilo conhecido como “Chelsea look”.
Mary Quant levou a moda para as ruas. Inventou as calças curtas, projetou uma nova maquiagem e conseguiu que as mulheres deixassem de seguir as regras de época. Mary também foi a responsável pela criação das meias coloridas, que, volta e meia, voltam à moda. Também criou os suéteres canelados, os coletes de crochê e os cintos caídos. As criações de Quant seguiam uma linha criativa, pioneira e eram acessíveis a todas as classes.
Em 1966, devido ao seu prestígio e influência na sociedade, a estilista foi agraciada com o título de Oficial da Ordem do Império Britânico, concedido pela rainha Elizabeth II. Em 2015, ela ganhou outra homenagem da ainda rainha da Inglaterra: o título de Dame da Ordem do Império Britânico. Ganhou, com isso, o título de “Dame” antes do nome.
Sobre Quant, destaca o museu Victoria & Albert, de Londres, que lhe dedicou uma extensa retrospectiva em 2019: “Quant representou a alegre liberdade da moda da década de 1960 e brindou um novo modelo a seguir para as mulheres jovens. A moda atual deve muito à sua visão pioneira”.
No ano de 2018, enquanto a equipe do Museu Victoria & Albert, em Londres, pesquisava para sua grande retrospectiva de Mary Quant, lançou uma campanha #WeWantQuant (Nós Queremos Quant), pedindo roupas de Quant às pessoas. O retorno foi imenso, tão grande que a divisão se tornou praticamente difícil.
Mary Quant aposentou-se das criações no início dos anos 2000 e optou por se dedicar à vida em família, longe dos holofotes.