Tarcisio D’Almeida
Especial para o Estado de Minas
O público brasileiro pôde assistir na noite da última terça-feira, 9 de maio, no Auditório Símon Bolívar do Memorial da América Latina, em São Paulo (SP), a um desfile da histórica grife Pierre Cardin. A exibição foi o resultado da compilação de 73 looks provenientes dos dois últimos desfiles realizados na Paris Fashion Week, na França, e que foram editados para a passarela brasileira, além também de alguns itens do acervo da marca.
O resultado apareceu na perfeita sinergia entre as curvas arquitetônicas idealizadas pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, que assina o projeto do Memorial da América Latina, com as curvas, cortes e recortes da moda de Pierre Cardin. Aliás, essa sinergia entre moda e arquitetura já ocorreu em um outro desfile da Pierre Cardin realizado em outro ícone da arquitetura de Niemeyer, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói (RJ).
Os looks mostrados no Memorial da América Latina reforçaram a percepção que o estilista fundador adquiriu ao propor criações que associam o sobrenome Cardin à utilização de malhas flexíveis transformadas em modeladores sobre os corpos de modelos femininos e masculinos. Modeladores que combinam as visualidades e sinuosidades com detalhes geométricos sobrepostos e/ou dispostos em looks com o marcante desejo futurista da grife. E outro fundamento foi demonstrado, o de peças monocromáticas, bicolores ou no máximo com emprego de uma cartela de cores em três opções, estas quase sempre pensadas para os detalhes em alguns dos looks.
De certa forma, os olhares da equipe de direção de criação revisitaram o legado do estilista Pierre Cardin lá do início da grife nos anos 1950, também nos 1960/ 70, e ressignificaram casacos com costas amplas, mangas morcego e uma alfaiataria que faz crossover entre feminino e masculino com cortes em lapelas e gravatas que ganham destaques nas composições.
Alfaiataria foi a base para criar futurismo. O estilista ítalo-francês Pierre Cardin saiu da casa dos pais aos 17 anos. Foi atrás de seu sonho: a moda. E começou adquirindo o conhecimento da alfaiataria que combinada ao seu olhar futurista para a moda jovem do recém-criado prêt-à-porter eclodiria em criações com sua assinatura para o que compreendemos como futurismo na moda. Em sua trajetória, adquiriu experiências ao passar pelas tradicionais maisons Paquin, Schiaparelli e Dior antes de se lançar como criador de sua própria maison.
Mas a missão que foi destinada ao sobrinho-neto Rodrigo Basilicati Cardin, 52 anos, presidente da grife, é manter o legado da marca idealizada pelo tio-avô que sempre se predispôs a ser visionária, futurista, inclusive na utilização de matérias-primas tecnológicas, mas, sobretudo, manter o DNA original, ou seja, que agora passa a pertencer ao passado da marca que se tornou ícone em licenciamentos por todo o mundo. E é esse livre trânsito entre futuro e passado que chancela a Maison Pierre Cardin Paris. Um outro vocábulo passou a fazer parte da Pierre Cardin nesse mundo da moda contemporânea: a sustentabilidade.
Ressignificar legados Assim como as tradicionais maisons Chanel e Dior, que precisaram “descobrir” no mercado da moda nomes para substituir seus criadores-fundadores, outras maisons que desempenharam trajetórias relevantes para a moda mundial no passado e que de certa forma estavam fora de cena precisaram recorrer ao mesmo fundamento em seus retornos.
As famosas Balmain e Schiaparelli, ícones da moda celebradas até o início da segunda metade do século 20 e que haviam se retirado, regressaram com novos olhares criativos, mas também respeitando e preservando seus legados, isto é, os DNA de cada uma delas.
Outros exemplos são a Gucci e a Mugler. É exatamente isso o que a Pierre Cardin está tentando fazer de forma democrática ao se propor a viajar por alguns países, para garimpar e perceber a mescla entre criatividade, consciência de mercado para as demandas contemporâneas e preservação do legado histórico no processo de criação.
Aluna da FAAP vence concurso Ao final do desfile, o presidente da Maison Pierre Cardin Paris anunciou os nomes dos finalistas do “Concurso Pierre Cardin Young Designers Contest 2023”, que participaram do workshop homônimo com estilistas da grife um dia antes na sede da Vicunha Têxtil, na capital paulista. A aluna Letícia Porto Viol, do último ano do Curso de Moda da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP, SP), venceu o concurso e receberá um estágio de três meses na maison em Paris com despesas de translados, acomodação e alimentação inclusas. Caso ocorra sinergia entre ela e equipe de grife poderá ser efetivada no quadro de funcionários e passar a integrar o time.
Os outros cinco finalistas anunciados por Rodrigo Basilicati Cardin foram David Lorenzo Chaddad (do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, SP); Felipe Zanin Navarro e Lucas Lima Garcia (ambos da Universidade Estadual de Maringá, PR); Natália Gibele Wolkmer (do Senac Porto Alegre, RS); e Vitória Ribeiro Stersa (da Universidade Estadual de Londrina, PR).
Dentre os 600 croquis enviados por estudantes de diversas instituições de ensino superior de moda, provenientes de 13 estados brasileiros, 40 croquis de discentes foram selecionados como semifinalistas para o workshop. Duas delas são de universidades mineiras. Marina de Godoy, do Curso de Design de Moda da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG), e Cristielen Taborda, do Curso de Moda do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (IAD-UFJF), as quais passaram pelo rigoroso crivo da equipe de jurados e foram convidadas para participar do workshop.
A ideia desse concurso é mapear no mundo jovens criadores com espírito criativo e que traduzam a filosofia da marca em seu processo de rejuvenescimento. Para o ano de 2023, a Maison Pierre Cardin Paris já o realizou na Coréia do Sul e no Brasil. Os dois outros próximos países que receberão a equipe ainda nesse ano serão Israel e China. E anteriormente já passou pelos Estados Unidos da América e pelo México. Em cada um dos países, um jovem estudante que está no último ano do curso de moda é selecionado para estagiar na maison e tentar criar sinergias entre seus olhares e percepções de uma moda contemporânea criativa e que preserve e avance cada vez com o legado do criador Pierre Cardin.
Tarcisio D’Almeida, 50 anos, é professor doutor e pesquisador do Curso de Design de Moda da EBA- UFMG; líder do grupo de pesquisa “Moda: Teorias e Processos Criativos” (CNPq), autor do livro “Moda em Diálogos: Entrevistas com Pensadores” (Memória Visual, 2012).
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