Das canções de amor medievais ao tête-à-tête no sofá acompanhado pelos olhos atentos da família até o século 21, o namoro continua cumprindo seu papel de unir os casais, com data destacada no calendário de vários países. Não há como fugir das comemorações, dos presentes, do bilhetinho carinhoso, da noite especial, da troca de afeto e das declarações amorosas.
Afinal, a busca por um parceiro ou parceira para compartilhar experiências é que faz a roda do mundo girar. Na sociedade pós-moderna, conceito que representa toda a estrutura sócio-cultural desde o fim dos anos 1980 até hoje, os modelos e formatos de relacionamentos mudaram e nem vale questionar se eles são bons ou ruins, certos ou errados, porque toda época tem suas coerências e contradições.
Acostumada a conviver com as questões existenciais humanas, a psicanalista Luciana Franco constata que não há retrocesso com relação às mudanças de costumes das últimas décadas. Mas, se há algo imutável nesse território, segundo ela, é a cena amorosa, que continua intacta e nela o ser humano é fisgado qualquer que seja a idade.
“Tenho pacientes de 20 e poucos anos que manifestam os mesmos desejos de jovens de outras gerações. Querem ter um companheiro, filhos, constituir família, ter uma vida afetiva prazerosa. Esse desejo não é o da fórmula que acabou”, pontua a psicanalista. Também no jogo da sedução, ela continua, as pessoas continuam se comportando da mesma forma com respeito aos relacionamentos: “Tem o frio na barriga, a espera do telefonema, a escolha da roupa para o primeiro encontro, as incertezas. É tudo igual”.
O problema é que nessa sociedade fragmentada e repleta de ofertas, a palavra namoro tornou-se delicada. O processo envolve várias etapas e tempos diferentes desde que foi instituído o ficar, que é o início de tudo e pode se restringir a efemeridade de uma noite ou evoluir com sucesso.
Geralmente, o casal “fica” muitas vezes até chegar em um estágio de exclusividade, que vai gerar a oportunidade de conhecimento mútuo em todos os sentidos. Pode haver afastamentos, reaproximações, finalizações. Em resumo: namorar atualmente exige muita paciência, admite a psicanalista.
E isto não vale só para os jovens, que estão na pista, sedentos de vida e repletos de energia. Está no cardápio também das pessoas maduras, que desejam continuar tentando a vida amorosa ou recomeçá-la. Nesse jogo tem que se estar atento às pistas, observa Luciana. Exemplo? Em um dado momento, uma das partes pode ser apresentada como namorado ou namorada. Um convite para conhecer a família indica um passo a mais no tabuleiro da conquista.
Entre os avanços sociais positivos no campo da busca afetiva, ela acredita que existe mais transparência nos comportamentos contemporâneos. “Antes, as meninas diziam que iam dormir na casa das amigas como desculpa para passar a noite com seus ficantes ou parceiros. Hoje, isto acontece dentro de suas próprias casas seguindo regras estabelecidas pelas famílias. Os pais recebem os namorados, há conversa sobre sexo, gravidez, doenças, há um encaixe aos novos padrões”.
Por outro lado, aponta Luciana, os jovens estão abertos a bancar outras experiências. “Se uma mulher fica com outra mulher, em determinado momento, não significa que ela seja homossexual. E vice-versa. Mas acontece é que por meio dessas experimentações a dois as pessoas vão se afirmando e se reconhecendo naquilo que sentem maior prazer, mais satisfação, nas suas buscas e desejo de serem amadas”.
A tecnologia trouxe também os aplicativos de namoros, um amplo cardápio de opções masculinas e femininas com seus respectivos perfis e fotos nos quais é possível, por meio de um acordo entre as partes – o famoso match -, iniciar uma conversa que pode gerar um encontro ou mais e até virar namoro. E casamento.
“Faz parte dessa sociedade pós moderna e tem que se lidar com essa possibilidade com todo cuidado e responsabilidade, porque é um terreno que pode se tornar perigoso”, recomenda a psicanalista. Por outro lado, ela aponta como alternativa tanto para gente mais nova que tem dificuldades nos relacionamentos reais quanto para gente madura, que já tem outros comprometimentos e responsabilidades e não circula tanto pelo meio social. “Faz parte do namoro do século 21, já está normalizado”, assegura Luciana
Juventude Lilia Brandão e João Vitor vivenciaram todos os passos da liturgia contemporânea que conduz ao namoro. Estão juntos há um ano e meio, se conheceram na Universidade Unifenas, onde cursam medicina, mas ambos vinham de outros relacionamentos recém terminados. “Tudo foi feito com cautela, a gente foi ficando junto, se conhecendo, conheci sua família, até que nos tornamos oficialmente namorados”, conta a estudante.
A partir da experiência pessoal, ela relata com propriedade a relevância desse momento, cuja cereja do bolo é o amor, mas cujo processo pode ser complicado para a maioria dos casais da sua geração. “O princípio da história é cercado pelo jogo da sedução, pelo frio na barriga, pelo mistério, pela incerteza do ficar, pela paixão, mas tudo isso gera uma instabilidade. Só que as pessoas têm medo de se manifestarem e se tornarem vulneráveis. Quando elas se abrem, perdem o medo da entrega e estão prontas para viver um relacionamento estável, com amor, que é muito gostoso e saudável emocionalmente”, assegura.
O que não quer dizer que a estabilidade traga um platô na vida de um casal de namorados. Ao contrário: nesse estágio continua valendo a sedução, as novidades no sexo, sem faltar o romantismo. Se ainda cabe muito ao homem a transposição verbal do status de ficante a namorado, na opinião de Lilia, é a mulher que sempre quer algo mais definido. “Acho que tem que haver um limite entre esses estágios, a relação tem que evoluir”, enfatiza.
Maturidade Embora o mito da alma gêmea tenha caído em descrédito há longo tempo, Lilia Patrus nunca desistiu de encontrar o par perfeito. E ele chegou, segundo ela, na maturidade, quando já estava com 59 anos e havia passado por muitas experiências pessoais e profissionais. “Foi um presente de Deus, ele é meu número certinho”, afirma com bom humor a ex-empresária, com uma longa jornada no universo da moda e, hoje, aposentada.
Lilia começou sua carreira fazendo biquínis em Governador Valadares na base da intuição, teve uma confecção, a Vibração, durante 30 anos, e se tornou, mais tarde, master franquiada da Monnalisa, marca infanto juvenil italiana de alto padrão, em Belo Horizonte, fechada devido a defasagens cambiais. Trabalhou, ainda, como consultora da IMA Têxtil durante um bom tempo. Foram 48 anos no ofício. “Quando fui me acomodando, tive um câncer de mama e, a essa altura, como sou evangélica e tenho muita fé em Deus, pedi que ele me desse de presente um companheiro para envelhecer comigo”, conta. Pediu e recebeu.
O atual marido, Marcos Patrus, foi apresentado por uma amiga. Foi o começo de uma conversa que dura até hoje. “A convivência foi se fazendo no tempo dele. No primeiro avanço, fui morar com ele, depois nos casamos. Somos companheiros, viajamos juntos, há um convívio amoroso entre minha família e a dele”.
Ela gosta de encarar a união como fruto de um desejo intenso, nascido de dentro do seu coração, e um exemplo para outras mulheres que desistiram de recompor suas vidas amorosas. Em resumo: não existe idade certa para namorar, amar nem para ter uma vida sexual saudável. “Como tive câncer não posso tomar hormônio, o que não impede que tenhamos um relacionamento pleno como homem e mulher, é algo inexplicável”, assegura.
Lilia deixa mais um recado para as mulheres: existem pessoas como Marcos, com filhos criados, que estão procurando uma companheira para viver com amor e alegria.