A mineira Érika Mares Guia se tornou uma profissional de mão cheia. Entrou para o mundo da moda pelas mãos de sua mãe, Sheyla, que fez parte do Grupo Mineiro de Moda com a marca Allegra, e aprofundou nos estudos guiada por seu pai, o educador Walfrido. Aos 12 anos, ela já ajudava a mãe, aos 16 era estagiária e aos 21 já falava fluentemente cinco línguas que aprendeu fazendo imersão nos países. Adquiriu um olhar especial para curadoria de moda, o que faz com maestria e consegue perceber marcas desconhecidas que têm potência e aposta nelas, saindo na frente e apresentando ao mercado nacional nomes que estouram tempos depois. Há 34 anos, ela e a mãe abriram, com a sócia Roberta Porto, a loja Porto & Guia, que depois passou a se chamar M & Guia, depois Mares e, na última quinta-feira, foi reinaugurada dentro do novo formato da empresa de São Paulo, a CJ Mares, em sociedade com o grupo JHSF.
Como é trocar o nome da empresa tantas vezes e manter o sucesso?
Depois que o Grupo Mineiro de Moda acabou, mantivemos a Allegra por algum tempo, e em seguida minha mãe e a Roberta Porto decidiram fazer sociedade e abrir uma loja com um foco em moda feminina de qualidade nacionais e internacionais. Na verdade a Roberta abriu o negócio para suas filhas. Alguns anos depois a ela decidiu sair da sociedade e mudamos o nome para M & Guia, para não ter uma estranheza muito grande entre as clientes, e era uma referência ao nosso sobrenome. Tínhamos uma marca própria e começamos a exportar para todo os Estados Unidos e Canadá, e percebemos a dificuldade que era para os estrangeiros pronunciarem a palavra Guia. Era necessária uma mudança. Procuramos o Nissan Guanaes – que fez todo o e-brand e toda a marca – e ele propôs que usássemos o Mares. Por sinal ele questionou por que nunca usamos o Mares que é uma palavra mais sonora, representa o oceano que é tão lindo e é fácil de ser pronunciado em qualquer idioma. Nasceu assim a marca Mares.
Como é ver toda essa história em Minas?
Temos a loja em Belo Horizonte há muitos anos, ela tem um DNA próprio que faz parte da história da loja que é muito bacana. Atendemos aqui três gerações. A família costuma vir junta para comprar, a avó, a filha e a neta. Criou-se uma história. Foi onde aprendemos e crescemos, BH nos deu carinho, abraço e colo. Começou tudo aqui, por isso estamos em SP.
Como foi o início em São Paulo?
Quando fomos para São Paulo nos deparamos com um mercado totalmente diferente. Começamos com uma loja pequena para entender o mercado. Em pouco tempo precisamos de um espaço maior. Percebemos que não dava para crescer com a multimarcas e mais lojas internacionais atuando no atacado e varejo e decidimos fechar o atacado, fechando assim nossa marca própria e mantivemos apenas o varejo com multimarcas. Mineiro tem cuidado com detalhes, em São Paulo tudo é muito rápido e foi o aprendizado de BH que fez toda a diferença quando chegamos aqui e nos fez ter uma história de sucesso na capital paulista. Trabalhamos muito para isso, e por isso foi fácil, por causa da nossa bagagem.
Como é voltar para BH com esse novo conceito?
Voltar para Belo Horizonte com a mesma linguagem das lojas de São Paulo – Shopping Cidade Jardim e Boa Vista – nos emociona. É inaugurar uma nova fase da loja que é nosso bebê, mas com um modelo híbrido, com a mesma identidade e linguagem. Levamos o bom daqui quando fomos para SP, uma loja com um mix de roupas para todas as ocasiões, o que não era comum por lá. Levamos esse universo, esse bussiness. E agora, trouxemos um pouco de SP para cá, com mais opções de marcas, e passando a trabalhar em unidade e com a mesma linguagem, tentado ao máximo unificar as duas lojas, com ajustes de operações, mas com o mesmo espectro que temos em SP, e vamos crescer a operação aqui, como fizemos lá. Agora estou no momento “o bom filho, à casa torna”, e estamos trazendo de volta a experiência que adquirimos em São Paulo. A Mares estava muito diferente da loja de SP, estava para atender o mercado regional, o que ele demandava. Ficou claro para mim que estávamos crescendo em São Paulo e BH precisava fazer parte desse crescimento. O que tem em um local tem que ter no outro. Moda em BH sempre este à frente, nunca teve resistência à novidade. Temos que continuar assim.
"Hoje tudo é informação, restaurante, museu, teatro, cinema. Recebemos uma overdose de informação e temos que saber perceber e entender quais as tendências"
Como é a sociedade com o Grupo JHSF?
Encontro com o grupo JHSF foi maravilhoso. Ambos ganhamos com isso. O grupo é muito forte e tem vários campos de atuação como shopping centers, hotelaria, aeroporto Catarina, construtora, empreendimentos imobiliários, financeira etc. Saímos da loja de rua, ganhamos a segurança do shopping, mas montamos uma loja como se fosse uma casa. Por eles serem proprietários do Shopping Cidade Jardim, conseguimos um espaço privilegiado de mil metros quadrados. E a parceria já teve frutos com a abertura da loja da Fazenda Boa Vista – um condomínio de casas de campo –, a implantação do e-commerce no CJ Fashion e agora a abertura na loja em Belo Horizonte. Só para os mineiros conhecerem mais do grupo, eles são donos de outlets e detêm a representação de 14 marcas de alto luxo aqui no Brasil como Pucci, Chloé, Celine, Isabel Marant, Brioni, Brunello Cucinelli, Balmain e a CJ Mares, da qual é sócio. O CJ é um shopping de convivência, oferecemos estilo de vida, a proposta não é apenas vender roupa, mas um lifestyle.
Como fazem toda essa estratégia para oferecer essa experiência?
Para isso nossa cultura mineira ajudou muito. O mineiro tem a arte do bem receber no sangue, faz parte de nós, e isso faz toda a diferença. Minha mãe sempre teve um olhar atento aos detalhes, e me ensinou a ser assim. Implantamos aqui todos os detalhes conceito de lifestyle. Só para dar um exemplo, na CJ Mares temos sete tipos de guardanapos com frases motivacionais diferentes, temos um café dentro da loja, cinco joalherias e mais de 80 marcas, de 15 diferentes países.
Como está a loja daqui?
Apesar de termos um espaço muito grande, não são mil metros quadrados, e por isso não foi possível trazer tudo como é em São Paulo. A equipe passou por um treinamento para unificação do serviço e do conceito, a decoração segue o mesmo padrão. Teremos várias marcas como a joalheria Ara Vartanian, um café da loja e espaços próprios Dolce Gabbana e Zimmermann que terão coleção mais completa. As outras marcas estarão presentes em setores como a Alberta Ferretti, Alessandra Ricci, David Colman, Galvan, Dundas, Courreges, Roland Mouret, as australianas Camilla e Christopher Esber, a colombiana Iorrana Ortiz, Isabel Marant, Sea NY, Auto Zarra, Ulla Johnson, John Lee. E ainda a inglesa Needle and Thread, a romena Maria Lucia Hohan e a libanesa Eli Saab.
Quando e como começou a fazer essa curadoria de marcas internacionais?
Curadoria é meu DNA, faço isso desde os meus 16 anos quando minha mãe passou a me levar com ela nas viagens e me treinou. Comecei a fazer sozinha no final dos anos 1980, quando Fernando Collor abriu a importação, sem saber como fazer. Quando o mundo só conhecia a Fiat por aqui. Aprendi a fazer a importação do zero. Só tinham duas lojas no país que importavam, uma em São Paulo e a gente aqui em Minas. O olho tinha que ser treinado. Na época não existia internet. Esse trabalho de curadoria foi o nosso diferencial. Comecei a entender que era preciso ter coisas diferentes. Eu e minha mãe fizemos essas viagem por mais de 20 anos, depois a Lelete Mares Guia começou e em seguida a equipe de São Paulo. Hoje somos eu a Joana.
Conta um pouco desse aprendizado
com sua mãe
Quando ela tinha a Allegra eu estava com 12 anos e já ajudava a fazer produção. Regina Guerreiro me mandava ir ao Mercado Central para buscar palha e outros itens. Esse foi meu maior exemplo, Grupo Mineiro de Moda foi uma grande escola, era um celeiro de talentos, todos juntos e unidos. Essa vivência me ajudou muito. Quando eu estava com 16 anos teve uma crise horrorosa, quando confiscaram o dinheiro de todo mundo e nessa crise eu criei a marca Emerich, e fazia roupas de retalhos da Allegra. Lembro até hoje da matéria fofa que vocês fizeram sobre esse trabalho. Eu nasci no universo da moda, aprendi com minha mãe, desde nova, a ter esse olhar. Com 18 anos já viajava com ela e aos 21 assisti meu primeiro desfile internacional. Desde cedo ficava no galpão com as costureiras e foi onde aprendi sobre tecidos e costura. Limpava cinzeiro – naquela época todo mundo fumava –, contava estoque de botões, de aviamentos, fazia limpeza, atendia telefone. Minha mãe falava que eu era estagiária e estava trabalhando por isso não podia conversar com as amigas no horário de trabalho, tinha que colocar as roupas no lugar certo, saber a distância entre os cabides, se a roupa está bem passada, bem exposta. Ela escreveu uma carta enorme para mim ensinando como me portar, coisas como só usar perfume suave para não incomodar as clientes. Mamãe sempre foi muito estética na vida, e naturalmente foi me passando isso.
E com o seu pai?
Eu tinha 15 anos quando meu pai perguntou o que eu queria fazer na vida e respondi que queria trabalhar com moda. Ele era educador e como tal disse que eu estava atrasada, que o mundo ia mudar muito rápido e tinha que estar preparada. Disse que eu tinha que morar fora e apender pelo menos três línguas. Com 21 anos eu já sabia cinco línguas com fluencia, morei em vários países e aprendi por imersão e com muito estudo. E nesse período de aprendizado também Fiz faculdade de Administração em Belo Horizonte. Eu fazia um semestre, trancava, viajava por um tempo, voltava e continuava os estudos. Comecei a trabalhar na área financeira, porque é preciso saber tudo para conseguir empresariar. O negócio tem dois lados, o financeiro e o da moda, o criativo, o estilo. Geralmente as pessoas estão focadas em um dos lados, eu aprendi os dois e isso foi uma benção, tive os dois tipos de imputs. E foi por causa de todo esse preparo e essa bagagem que consegui ter uma loja referência em SP.
Vamos voltar à curadoria. Qual o maior desafio?
Descobrir talentos, lançar marcas que ainda não são muito conhecidas, mas que percebemos o potencial. Nosso trabalho é uma busca que tem que ter intuição e respiro financeiro para bancar a marca até ela deslanchar. Temos grandes polos de moda no mundo, fora da Europa. A moda australiana grita criatividade em todos os estilos, trazer uma marca antes de ela ter sido descoberta é nosso ponto alto. A Zimmermann, por exemplo, investimos por dois anos, sem conseguir vender praticamente nada, hoje é marca de desejo no mundo inteiro, e a CJ Mares é a única loja no Brasil que revende. Trouxemos marcas que não tinham em São Paulo e hoje são superdemandadas. A Austrália me chamou atenção por causa da Zimmermann, antes só a Camilla era conhecida por aqui, mas o trabalho deles chamou a minha atenção e fiquei de olho no país. A Turquia e a Colombia são celeiros de moda. A turca Bronxs and Banco foi outra que investimos e hoje superprocurada. Todas as peças que entram na loja eu olhei e curei. Mas também escutamos muito as gerentes e as vendedoras. É um trabalho de inteligência de compra, baseada na intuição, sabendo administrar a situação das marcas. Temos um valor para comprar e analisamos cada marca, porque temos que ter desde moda praia até de roupa para Oscar para compor um mix que faça sentido.
Quem vai cuidar da loja aqui?
A Lelete saiu depois de 35 anos de loja, aos 80 anos. Desde antes dela sair a Julia Marinho Braga já estava aqui na Mares. Ela trabalhou em São Paulo conosco e depois veio para BH, porque ela é daqui. Hoje, loja não para, é um bicho vivo, toda semana tem novidade, o intervalo para chegar coisas novas não chega a dois meses, fica difícil até de acompanhar. Os meses de maio e junho são voltados para casamentos e viagens, a loja tem que estar preparada para oferecer um mix de produtos que atenda isso. Em agosto a demanda já é outra. Setembro é lançamento de coleção. Pensar no seu tempo é estar atrasado temos que pensar para frente. Hoje tudo é informação, restaurante, museu, teatro, cinema. Recebemos uma overdose de informação e temos que saber perceber e entender quais as tendências fazem sentido.