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Estado de Minas DESFILE

Moda e atemporalidade da criação

Coleção desfilada por alunos do Curso de Design de Moda da UFMG no Concurso dos Novos do DFB 2023 é exemplo de ressignificação no processo criativo da moda


02/07/2023 04:00
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Roupa Verde
(foto: Divulgação)

 
 
Tarcisio D’Almeida
Especial para o Feminino

Muito provavelmente a liberdade e a amplitude de possibilidades de fontes inspiradoras no processo criativo de uma coleção sejam os elementos enriquecedores na criação da moda. É exatamente essa amplitude que faz com que criar em moda seja algo mágico e infinitamente (de)marcado por um terreno fértil para a fusão entre mente humana e como esta traduz e transcreve em criatividade o que previamente reside na mente criativa. “O terreno dos sonhos”, ou seja, a alta costura, sobretudo, nos confirma isso.
 
Amarelo e Branco
(foto: Divulgação)
 
 
Um exemplo recente, dentre outros emblemáticos, que serve como ilustração sobre o resultado da mescla existente entre mente e criatividade no ato de criar moda é a coleção “Fête de la bêtise: a celebração da estupidez humana”, de autoria do sexteto de estudantes do Curso de Design de Moda da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) composto por Anne Gabrielle Mouro, Igor Rezende, Lyandra Viana, Matheus Vinicius Gonzaga, Ronan Padilha e Taiza Santos, que desfilou no Concurso dos Novos do Dragão Fashion Brasil (DFB) Festival 2023, no último dia 2 em Fortaleza (CE), e que ressignifica os freementes anos 1920, com influências estéticas dos estilos art nouveau e art deco.
 
Saia Roxa
(foto: Divulgação)
 
 
Mesmo tendo sido disseminado na década de 1890 na arquitetura e na decoração de interiores (com mobiliários, esculturas e luminárias), o art nouveau também teve suas expressividades no mundo da moda via joias e tecidos. “Caracteriza-se por linhas graciosas, um tanto exageradas, com traços alongados terminando em arabescos e em motivos de flores e de folhas”, lembra-nos Georgina O’Hara Callan, em sua “Enciclopédia da Moda: de 1840 à década de 90” (Companhia das Letras, 2007). E combinado com o estilo art deco constituído a partir influências dos fauvistas e cubistas em Paris, os futuristas na Itália e os construtivistas na Rússia no início do século 20, a coleção reaviva essa estética no jogo do velar e do desvelar a silhueta do corpo feminino desenhado com arabescos em rendas, potencializando a feminilidade e sua sensualidade.
 
Vestido Bege
(foto: Divulgação)
 
 
A ressignificação é um recurso bem-vindo no mundo da moda. E como o passado e todas as memórias históricas, artístico-estéticas que dele decorrem, portanto, podem servir de matiz em um projeto de coleção de moda. “Fête de la bêtise” escolheu esse caminho ao explicitar uma “sátira aos anos 1920 após a humanidade passar por um período pandêmico e recentemente outro com a Covid-19, uma guerra mundial e agora outra entre Rússia e Ucrânia (reforçado pela escolha da trilha do desfile com uma música da banda ucraniana de folktronica Go_A) e o gastar desenfreadamente os recursos naturais como uma forma de aproveitar a vida”, explicam os estudantes jovens criadores em seu material para a imprensa. Nada mais pertinente uma vez que une o passado com o presente em suas demandas e realidades e como lidamos com elas.
 
 Lyandra Viana, Taiza Santos, Anne Gabrielle Mouro, Igor Rezende, Matheus Vinícius Gonzaga e Ronan Padilha
Lyandra Viana, Taiza Santos, Anne Gabrielle Mouro, Igor Rezende, Matheus Vinícius Gonzaga e Ronan Padilha (foto: Divulgação)
 
 
Mas a coleção desloca a reflexão temporal para pensarmos o que de fato ocorreu e impactou positiva ou negativamente nas sociedades e como resulta em um projeto criativo de moda, isto é, uma coleção. Entretanto, nos faz pensar que “mesmo após 100 anos, ainda lidamos com o mesmo comportamento da sociedade nos dias atuais, presenciando a extinção de espécies da fauna e flora, a poluição em larga escala da indústria têxtil e petrolífera”, complementam.
 
Mas como a arte imita a vida e vice-versa, “Fête de la bêtise” retrata as memórias de uma jovem mulher da alta sociedade dos anos 1920 que é transportada sem perder sua essência estética temporal para o ano de 2023, acredita na mudança e carrega a arte e contracultura em todos os seus passos e suspiros. Afinal estamos falando das influências da transição do século 19 para o 20, explicitados pelos estilos art nouveau e art deco de viver à la parisiense. De maneira que looks com tecidos fluidos e esvoaçantes ou pesados por conta de suas volumetrias exageradas dialogam com as transparências e as penas que adornam não somente a criação das peças mas também o styling e a beleza de mulheres aves ou sereias bem ao estilo art deco.
 
Antenada com o pensamento contemporâneo da criação de moda, a coleção visa, também, propor uma reflexão sobre os retrocessos, problemas sociais e ambientais que até mesmo o espaço de tempo de um centenário não foi capaz de solucionar. Com isso, propõe o debate histórico-social que uma coleção pode suscitar diante do que vivemos e experienciamos. O look 2 em 1 que primeiro aparece como um vestido tubinho e um volume considerável na parte superior construído com fragmentos de peças de vestuário infantil na cor branca passa a adquirir outra configuração de peças quando a modelo abre a parte superior e a solta recaindo sobreposta e vira um outro vestido. Serve-nos como exemplo de criação a partir do upclycing.
 
Por meio da presença no Concurso dos Novos do DFB 2023, a coleção do sexteto representante do Curso de Design de Moda da UFMG propõe uma releitura da clássica visualidade presente na década de 1920, explorando principalmente as silhuetas “A” e “I”, ora ajustando as curvas femininas ora lhe atribuindo volumes e também o traço esvoaçante nos looks. Os elementos de estilo de “Fête de la bêtise” transitam entre volumetrias absurdas, modelagens arquitetônicas que desafiam a relação entre criar e vestir, assim como proposições de algumas silhuetas lânguidas bastante típicas da época.
 
A cartela de cores da coleção é bem equilibrada e conta com amarelos viscerais, tons profundos de azul, variações do espectro cromático do verde, uma tonalidade clássica de branco, detalhamentos entalhados em vermelho, e muitos complementos em preto, visando destacar a obscuridade e a destruição existentes por trás das aparências festivas e despreocupadas.
 
O resultado disso tudo ocorre no ideário de uma “coleção ácida, com várias camadas que evocam a ideia de uma grande festa frívola, onde a sociedade tenha chegado a um ponto de não retorno, e comemore graciosamente seus abusos, seus absurdos e seu próprio fim, agora, inevitável”, conceituam os estudantes. Uma coleção que, muito provavelmente, Paul Poiret, considerado o primeiro estilista a abraçar o ethos do art deco na moda, a aprovaria.

Tarcisio D’Almeida, é professor doutor e pesquisador do Curso de Design de Moda da EBA-UFMG; líder do grupo de pesquisa “Moda: Teorias e Processos Criativos” (CNPq) e autor do livro “Moda em 
Diálogos: Entrevistas com Pensadores” (Memória Visual, 2012).
 
 


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