Jornal Estado de Minas
MANTER E CRESCER

De pais para filhos: o que ensinam casos de sucessão na moda

A união de habilidades complementares é o que fortalece a marca de sapatos Luiza Barcelos, comandada pelos irmãos Lúcia, Luiza Márcia, Luiz e Rosa - Foto: Leca Novo/Divulgação Sucessão nunca é um assunto fácil. Mas vive rondando as empresas. Será que a próxima geração vai se interessar pelos negócios da família? A seguir, casos bem-sucedidos no mercado da moda. De filhos que, não só seguiram com o legado dos pais, como impulsionaram o crescimento das marcas. As histórias envolvem talento, muito aprendizado e amor pelo que se faz.
 

Enquanto lidava com o luto pela morte abrupta do pai, ele se inteirava dos negócios. Era o mais velho de oito filhos. Manoel Bernardes tinha 19 anos e estudava engenharia civil. Nunca tinha trabalhado fora, muito menos dispunha de conhecimento técnico para atuar no mercado de joias.
 
No dia seguinte ao enterro, ele, a mãe, um tio arquiteto e o irmão mais velho se reuniram para discutir o que fazer.
O perigo de a empresa se desmanchar era iminente, já que Manoel Bernardes, o pai, era a alma da empresa de lapidação, comércio atacadista de gemas brasileiras e produção de joias.

“No primeiro momento, tive muito medo de enfrentar uma situação que não conhecia, mas um deu a mão para o outro e fomos trabalhando a favor do tempo”, conta.
 
Maria Rita Malloy (centro) só se despediu da Arte Sacra quando percebeu que as filhas Marcela, Renata, Fernanda e Carolina estavam prontas para levar a marca adiante - Foto: Gustavo Marx/Divulgação Naquela reunião, eles tomaram a decisão de suspender o atacado e se voltar para o varejo. Um ano depois, em 1976, a Manoel Bernardes lançaria um conceito moderno de joalheria, com atendimento individualizado em mesas.

Nas décadas seguintes, a empresa voltou a atender o atacado, associou-se a escritórios fora do Brasil, investiu na fabricação de joias exclusivas e agregou marcas internacionais de luxo da relojoaria, focando em um público que valoriza o design.
  
Manoel, o filho, chegou a trabalhar como engenheiro civil por seis anos, depois fez arquitetura. Nesse meio tempo, passou por todas as áreas da empresa até se estabelecer à frente dos setores de desenvolvimento de produto, marketing e comunicação. Diz que nunca se sentiu obrigado a seguir esse caminho. Pelo contrário, se sente absolutamente satisfeito com as suas escolhas.
 
“Temos muito orgulho de termos levado adiante o legado do nosso pai, expandindo os negócios e tornando a empresa conhecida para o grande público. Conquistamos o reconhecimento que ele merecia e não teve na época por ser o maior atacadista brasileiro de gemas”, comenta Manoel, que hoje divide a gestão da empresa com mais quatro irmãos, cada um com a sua expertise.
 
Como já estava por dentro de todos os setores da empresa, Gustavo Rabello sucedeu a mãe, Iorane, com muita naturalidade - Foto: Leca Novo/Divulgação Manoel, o pai, teria orgulho de ver todas as sementes que plantou dando frutos. Segundo o filho, os valores que ele deixou, de integridade, honestidade e solidariedade, são permanentes, a base da empresa, o que permite a convivência dos irmãos sem brigas.

Fora isso, a segunda geração herdou o amor pelas gemas brasileiras e avançou no desenvolvimento de um design brasileiro de joias, sem repetir modelos europeus.
Esse olhar resulta em peças coloridas, com balanço e formas originais.
 
Nesses quase 50 anos, desde a sucessão, a empresa cresceu e aprimorou sua gestão. Manoel compara: antes o comando estava nas mãos de uma única pessoa, intuitiva, um “furacão que constrói tudo”. Depois o trabalho passou a ser coletivo e baseado em critérios de eficiência.
 
No momento, eles preparam a chegada da terceira geração. “São eles que, de alguma forma, vão perpetuar o legado da nossa empresa e os valores sólidos ajudam muito em um mercado em constante mutação”, comenta Manoel.

Por enquanto, seus dois filhos (um da área de informática e outro advogado) não fazem parte dos negócios da família.

Habilidades complementares

Pouco tempo depois de montar uma fábrica de calçados femininos, em 1986, Dorinha Barcelos decidiu que a filha mais nova seria a estilista. Luiza Márcia tinha 19 anos e estava na faculdade de design de interiores. No início, ela achou que a mãe estava doida, que aquilo não fazia sentido, mas logo resolveu considerar a possibilidade.

Com a missão de levar adiante o legado de Helen de Carvalho (centro), Georgiana Mascarenhas assina o estilo e Stefânia responde pelo administrativo da Barbara Bela - Foto: Luiza Ananias/Divulgação “Soube de um curso de dois anos de design de calçados na UFMG e falei: mãe, se der certo, vou ficar. Estou aqui até hoje”, conta.
 
A fundadora da marca Luiza Barcelos preparou a sucessão muito antes de pensar em parar de trabalhar. O negócio ainda estava engatinhando quando ela definiu as funções de cada um da família.
Com o olhar de mãe, que conhece bem as qualidades dos filhos, soube direcioná-los para áreas específicas, de onde não saíram mais.
 
Luiza, a criativa, assumiu o estilo e o marketing. Rosa, muito comunicativa, foi direcionada para o comercial. Lúcia, organizada e metódica, passou a cuidar da operação e do planejamento. Luiz era o menos “gastador”, por isso ficou no financeiro.

Intuição de mãe não falha. Os filhos quiseram seguir a direção apontada por Dorinha e, juntos, impulsionaram o crescimento da empresa.

A fundadora batizou a marca com o nome da filha mais nova, mas a própria Luiza considera que a “Luiza Barcelos” é uma outra pessoa, a fusão dos quatro irmãos. Tanto que, para diferenciar, ela é chamada de Marcinha.

“Claro que existem as dificuldades, mas a união de habilidades completamente diferentes e complementares é o que nos fortalece.”
 
O negócio deixou de ser apenas uma fábrica de calçados para agregar lojas de varejo (próprias e franquias), vendas no atacado e e-commerce, o que exigiu, ao longo das décadas, profissionalizar ainda mais a gestão.

Manoel Bernardes - Foto: Gustavo Arrais/Divulgação Apesar de todo o crescimento, Luiza Márcia diz que são os valores familiares que conduzem a empresa. Algo importante para Dorinha, que, há 18 anos, quando faleceu, deixou uma carta escrita à mão para os filhos, em que dizia que se sentiria homenageada se eles mantivessem e ampliassem cada vez mais sua obra.

Nem dos almoços aos sábados, que era uma tradição da matriarca, a família abre mão.
 
Mais que isso, os herdeiros continuam a conduzir o negócio com o olhar visionário e o espírito desbravador de Dorinha.

Pelo ponto de vista do estilo, a filha que assina as coleções mantém as características que fizeram dos sapatos da marca um sucesso, como feminilidade, sofisticação, atenção aos mínimos detalhes e criatividade.
 
Com a chegada da terceira geração, os irmãos já começam a planejar a sucessão. Depois de passar por todas as áreas da empresa, as duas filhas de Lúcia, Fernanda e Izabela, assumiram as áreas com as quais tinham mais afinidade. Enquanto uma cuida do varejo (lojas próprias e franquias), a outra administra o e-commerce.

Mãe e professora

Georgiana Mascarenhas tem praticamente a mesma idade da Barbara Bela, marca que sua mãe, Helen de Carvalho, lançou em 1974. Com isso, cresceu no meio de alfinetes, linhas e máquinas de costura.

Luiza Barcelos - Foto: Leca Novo/Divulgação Por vontade própria, escolheu o curso de estilismo e se apaixonou ainda mais pela moda.
A filha chegou a ter uma loja de decoração, mas logo percebeu que seu lugar era ao lado da mãe. “Ela sempre me apoiou. Acho que toda mãe quer ver a empresa prosperando e dando continuidade com os filhos.”
 
Mãe e filha trabalharam juntas por 18 anos. Georgiana diz que aprendeu muito com Helen, “uma pessoa admirável”, que era autodidata e fazia de tudo na empresa, comprava matéria-prima, desenhava, costurava e bordava as peças e ainda fazia a moulage. Não copiava nem um modelo, criava roupas completamente diferentes de tudo que existia no mercado e vendia para o Brasil inteiro.
 
“Estou longe de ter talento dela, mas fui muito bem treinada para ter o mesmo olhar. Eu a acompanhava o tempo todo nas viagens, compras de matéria-prima e idealização de coleção. Ela foi a minha professora, aprendi tudo o que sei com ela”, reconhece.
 
No início, a mãe era quem dava a direção. Com o tempo, a filha foi adquirindo experiência, conhecendo a empresa e conseguiu trabalhar em todas as áreas, menos a financeira (que também não era a praia da mãe). Bom que a irmã, Stefânia Mascarenhas, já estava no setor administrativo.

Helen deixou a empresa há oito anos. Foi se desligando aos poucos e a transição se deu naturalmente.
Brincava que seu sonho era morar em uma praia de nudismo para não ter que pensar mais em roupa.

Na visão de Georgiana, mais que dar continuidade a um trabalho tão primoroso, o maior desafio é profissionalizar gestão. Para isso, elas contrataram uma empresa de consultoria e fizeram curso de sucessão familiar.
 
“É muito responsabilidade tocar uma empresa de moda com quase 50 anos, de tanto reconhecimento, e continuar a criar desejo, ter qualidade e estar sempre à frente do tempo, com novidades.”

Ao mesmo tempo, ela se orgulha dessa continuidade, bem estruturada. A Barbara Bela é a única marca sobrevivente do Grupo Mineiro de Moda, que fez história no cenário nacional. Já está na terceira geração de clientes e segue com o DNA de moda festa.
 
As sócias (duas irmãs e uma prima) ainda não falam sobre sucessão. A filha mais velha de Georgiana tem 19 anos, faz economia e ama moda, mas ainda não quer trabalhar na marca.

“A sucessão não pode ser forçada ou imposta. Moda tem que envolver paixão e profissionalismo, não é para amadores. Diferentemente do que foi a nossa, a transição tem que ser profissional”, opina.

Impulso e intuição 

Aos 18 anos, Gustavo Rabello tinha voltado de intercâmbio nos Estados Unidos e não sabia muito bem o que ia fazer da vida. Foi quando ouviu o chamado da mãe, Iorane Rabello: “Vem para a fábrica”. E ele aceitou.

Iorane - Foto: Lufree/Divulgação “Mergulhei de cabeça e, desde os primeiros dias, vi que gostava daquilo. Me descobri ali”, destaca o diretor da marca, que cresceu cercado pelo universo da moda. A avó comandava um ateliê de alta-costura e a mãe sempre teve confecção de roupa.
 
Na época, as coleções eram comercializadas por pedidos. Aí veio a crise, muitos cancelamentos, dificuldades financeiras e Gustavo percebeu que a estratégia estava errada.

Sem capital de giro para bancar uma produção antecipada, ele sugeriu migrar para a pronta-entrega, isso há 26 anos, e a Iorane foi pioneira nesse formato de negócio no Prado.
 
A partir daí, Gustavo assumiu toda a parte comercial e Iorane ficava por conta da produção. Segundo o filho, a mãe sempre foi muito aberta a ouvir sugestões e trocar ideias. Tanto que a marca deu outro salto quando ele começou a levar informações do showroom para a fábrica.

“Como a nossa fábrica era pequena, conseguíamos atender quase que de imediato os desejos dos clientes, e isso foi uma virada do negócio. Tínhamos a roupa que o comprador queria na hora certa e fomos crescendo assim.”
 
Com o tempo, Gustavo foi se aproximando do estilo e passou a participar de tudo, desde a escolha dos tecidos até a prova de roupa. Aprendeu muito com a mãe e ensinou também.

“A empresa cresceu muito com o meu olhar, a vontade de fazer acontecer sem grandes preocupações, sem medo de se arriscar. Quando você é jovem, faz as coisas guiado pelo impulso e intuição”, analisa o diretor, que consegue somar o lado criativo e o comercial.
 
Barbara Bela - Foto: Luiza Ananias/Divulgação Iorane não está mais na ativa há sete anos. Gustavo conta que o processo de sucessão foi bem tranquilo. Na verdade, nem houve o momento de passar o bastão. Como ele já estava totalmente integrado a todos os setores da empresa, tudo aconteceu com muita naturalidade.

A convivência intensa com a mãe foi importante para seguir sua história. O filho mantém a cultura de ser uma empresa humanizada, que acredita e sempre ouve seus funcionários.
 
“O maior legado que ela deixou foi essa paixão por moda. Fizemos muitos anos de viagens de pesquisas e foi muito rica a troca. Ela me ensinou a ter esse olhar para o novo e tenho uma enorme gratidão.” Gustavo cuida de todas as áreas, mas passa pelo menos metade do dia no estilo.
 
Pensando no negócio em si, tudo mudou. No passado, as vendas eram só para multimarcas. Com a expansão para o varejo, eles investiram em mais qualidade e um mix maior de produtos. A ideia foi da esposa de Gustavo, Carol Rabello, que há 15 anos abriu a primeira loja própria e levou a outra virada da marca. Hoje ela responde pela estratégia e marketing. 

O casal tem dois filhos, de 13 e 7 anos. A mais velha se interessa por moda, mas só o tempo vai dizer ela vai querer assumir os negócios Até lá, eles querem cada vez mais profissionalizar a gestão da empresa para que não dependa de uma pessoa só.

“Acredito muito nesse formato de ter a empresa pronta e profissionalizada para seguir seu caminho independentemente de quem a está gerindo.”

A marca das quatro mulheres

Em 2010, quando percebeu que as filhas estavam prontas para levar a marca adiante, cada uma no seu setor, Maria Rita Malloy se despediu da Arte Sacra.

Foi um processo de sucessão muito maduro e planejado. A mãe havia preparado as quatro desde novas para aquele momento. A mais velha entrou logo no início, depois que a primeira sócia pulou do barco, e as outras três foram chegando aos poucos.
 
Manoel Bernardes - Foto: Gustavo Arrais/Divulgação Nada era forçado. Por livre e espontânea vontade, as filhas entraram para somar. Passaram por todos os setores, cada uma no seu tempo, e escolheram por afinidade suas áreas de atuação.

“A minha mãe perguntava se era isso mesmo que nós queríamos e acreditamos na ideia. Então, foi um caminho muito natural”, aponta Carolina, a diretora comercial e de marketing, única que, por opção, nunca botou os pés para fora da empresa.

As irmãs chegaram a passar um tempo longe, mas voltaram. Fernanda é a diretora administrativa e financeira, Renata lidera o setor de desenvolvimento e produção e Marcela, gêmea de Carolina, responde pelo estilo.
 
As filhas de Maria Rita formam um time coeso. Cada uma cuida de um setor específico, mas estão sempre unidas em prol de um objetivo em comum.

“Caminhamos juntas, com o mesmo propósito, então uma fortalece a outra. Temos pouquíssimas discussões e ideias divergentes e isso chega a ser até um certo entrave, porque uma passa a mão na cabeça da outra. Tinha que ter mais puxão de orelha”, brinca.
 
Maria Rita é mãe “coruja”. Tem o maior orgulho de ver que as filhas seguiram seus passos e fizeram a empresa crescer. A fundadora não está mais no dia a dia da empresa, mas continua por perto, incentivando e dando força, coragem e fé (o que teve de sobra) para enfrentar os desafios, bate palmas para as conquistas.

Carolina e as irmãs consideram a mãe a diretora master e também conselheira para assuntos emocionais. Em resumo, “ela é a nossa heroína”.
 
A presença da mãe é um incentivo e tanto para que Fernanda, Renata, Carolina e Marcela construam o seu próprio caminho. Sem abandonar os valores deixados pela fundadora, de honestidade, respeito ao próximo, a “ética inabalável” que ela ensinou.

Transportando para a roupa, as irmãs continuam a fazer roupa do embasado dentro das premissas da arte, da beleza e do primor.
 
Ainda é cedo para pensar em sucessão, já que o mais velho da terceira geração está com 15 anos. Segundo Carolina, o momento é de pensar em projetos de expansão e preparar a empresa para uma venda futura, caso nenhum dos herdeiros se interessem em assumir os negócios.

Serviço

Manoel Bernardes (@manoel_bernardes)
(31) 99863-4950

Luiza Barcelos (@luizabarcelos)
(31) 99740-5426
 
Barbara Bela (@barbarabela)
(31) 98448-4305 
 
Iorane (@iorane)
(31) 98744-3986
 
Arte Sacra (@artesacra)
(31) 99210-3836
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