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Perto de completar 80 anos, Renato Loureiro continua ativo na moda

Para o estilista, que integrou o Grupo Mineiro de Moda e fez história com uma moda disruptiva, o que falta atualmente no mercado é se arriscar


20/08/2023 04:00
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estilista renato loureiro
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A moda mineira tem um defensor de peso. Perto de completar 80 anos, Renato Loureiro avisa que quer fazer o que estiver ao seu alcance para que as marcas daqui voltem a ser desejadas no Brasil todo. O estilista está ávido por mudanças em um mercado que, na visão dele, busca o caminho mais fácil e não tem pudor de fazer cópias. Para Renato, que integrou o Grupo Mineiro de Moda e fez história com uma moda disruptiva, o que falta é se arriscar.

Sem alarde, ele trabalha nos bastidores, como vice-presidente da Associação dos Criadores e Estilistas de Minas Gerais (ACRIEM) e curador de marcas, para provar que, quem não aposta no novo, não é nem notado. Em outubro do ano passado, o estilista sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), que afetou sua memória, e está com baixa visão do olho direito, mas isso não interferiu em nada na sua vitalidade. Renato continua “elétrico”, como ele mesmo se define. Ainda bem, porque tem muito para contribuir com a moda.

Como começa sua história com a moda?
Eu era bem novinho. Cresci vendo a minha mãe costurar. Ela escolhia a modelagem e o tipo de tecido, como se fosse uma modista. Ficava olhando, mas achava que aquilo não tinha nada a ver comigo. Não sabia que isso estava incorporado dentro de mim. Na realidade, custei a aceitar que poderia ser estilista. Fiz administração de empresas, virei gerente administrativo da L'Oréal Paris e comecei a vender umas roupas. Tínhamos o orçamento em casa bem apertado, meu pai não tinha emprego fixo, logo, sendo o filho mais velho, achava que tinha que ter essa responsabilidade. Minha tia morava em São Paulo e tinha uma loja na casa dela, onde vendia coisas para amigas. Ia com ela para a Rua 25 de Março, ela era a minha fonte, quem me apresentava as marcas. Quando a minha irmã Regina voltou do Vale do Jequitinhonha, resolvemos montar uma boutique na Savassi chamada Gulp. Ela ficou tomando conta da loja e eu continuei na L'Oréal e ainda terminava o curso de administração à noite.

Em que momento você decidiu desenhar as roupas?
As roupas que vinham de São Paulo não eram de marcas conhecidas, então comecei a ir para o Rio de Janeiro. Naquela época, as clientes só achavam legal se as roupas fossem de lá, mas as marcas não vendiam para BH. Fiquei sem rumo e comecei a pesquisar o que poderia fazer. Descobri uma malharia e, orientado pela minha mãe, comecei a fazer vestidos e blusas de frio. Bolava tudo da minha cabeça. Comecei a fazer tricôs com ombreiras de couro que ficavam muito bonitos. Era super diferente, ninguém tinha feito essa mistura. Chamei a atenção das pessoas e gente do interior começou a vir à loja, perguntando de onde era a marca. Um dia me deu na telha e falei com a minha irmã: por que não começamos a vender no atacado? Isso despertou o interesse de gente em BH. Os tricôs começaram a fazer sucesso, com isso fui convidado para entrar no Grupo Mineiro de Moda.

Como nasceu o grupo?
Não sei até hoje quem teve a ideia, só sei que fui convidado, não me lembro por quem. Lembro que era uma agência de viagem que estava interessada em gerar fluxo de pessoas para vir pra cá, mas ela não ficou no grupo. Fizemos a primeira reunião na Savassi, com mais de 100 pessoas, mas não deu em nada. Como sempre fui organizado, era administrador, anotei na agenda os telefones das pessoas que tinham mais a ver, que estavam querendo fazer alguma coisa e chamei para ir na minha casa. Acabou que era o único homem. Fiquei como mentor do grupo, tinha que ser uma pessoa conciliadora, coisa que sou, esse é o meu jeito de ser, mas jamais tive a ideia, gosto de deixar isso claro. Quando o grupo estourou, ficou mais difícil ainda conciliar, tinha desfile, editorial em revista de moda, mas a gente era muito doido e encarava tudo, pagava tudo, com o nosso próprio recurso. Não tínhamos um patrocínio. Não fomos só responsáveis pelo boom da moda mineira, fomos patrocinadores. As outras marcas começaram a marcar os lançamentos no mesmo dia e a ideia fortaleceu muito o mercado. Nesse meio tempo, comprei a malharia, Pitti, que virou o nome da minha marca.

Você estourou quando começou a usar juta. De onde veio a ideia?
Foi numa dessas feiras em São Paulo. Vi uma vitrine com fios rodando. Achei que era linho e coloquei na minha cabeça queria comprar esse fio. Fui atrás do vitrinista, baixei na fábrica e descobri que o fio se chamava juta e era para saco de linhagem. Comprei 100 quilos, fui embora feliz da vida, peguei o primeiro voo que consegui para BH, cheguei na fábrica de manhã cedo e mostrei para o tecelão. A gente penou com o tal do fio. Começamos a usar um processo que já existe na malharia, de passar na parafina. Conseguimos tecer, mas, mesmo assim, ficava áspero. Tive a ideia de lavar com amaciante. Quando tenho uma coisa na cabeça, não sossego. Deu certo e fez o maior sucesso. Fico emocionado porque fiquei conhecido no mundo inteiro com esse fio. Ele explodiu e eu era o único no Brasil que tinha. Ninguém nem pensava que poderia ser juta. Virou uma loucura, todo mundo atrás, tentando descobrir de onde era. Não consegui entregar o tanto que tinha vendido. Era uma trabalheira danada, mas valeu. Fiz saia godê, saia plissada, patchwork também, que é a minha marca, e deu super certo. Comecei a ficar conhecido e o Clodovil me chamou para participar de um programa de moda. Fiz um desfile com o tricô de juta e, enquanto dava entrevista, gente do Brasil inteiro ligava para saber onde comprar. Foi imediato. Cheguei em BH lotado de pedidos. Lembro que no primeiro desfile do Grupo Mineiro de Moda, no shopping 5ª Avenida, levei tudo de juta. Naquela época, o pauperismo estava no auge, fervendo. Segurei o máximo que consegui a história da juta, mas estava sendo perseguido, as pessoas queriam saber de onde era o fio. Um dia fiquei até mais tarde na fábrica e vi uma mulher de uma malharia conhecida fuçando no lixo. Depois descobri que um dos meus gerentes furou o cerco e contou que o pulo do gato era o acabamento. Outras marcas faziam igual, mas os modelos que eu criava eram diferentes, fazia nesga, prega. Com o tempo, comecei a ter problemas com a queda de vendas no inverno, então pensei: quer saber, vou começar uma marca que não seja de tricô. Criei a Renato Loureiro e fui chamado para fazer a São Paulo Fashion Week. O Paulo Borges, que fundou o evento, na época chamado Morumbi Fashion, veio a BH para convidar o Grupo Mineiro de Moda. Ele levou todo mundo do grupo que quis ir, depois só ficaram duas marcas, eu e a Patachou. Foram 10 anos, fiz 20 edições.

O que o Grupo Mineiro de Moda representou para a sua carreira?
Foi um plus, fortaleceu a minha imagem na moda. Para os demais, foi importantíssimo. Falo que fomos como bandeirantes passando o facão e abrindo fronteiras para você entender como é abrir mercado em uma cidade que na época não era de moda. Os desfiles eram um frisson, criavam momentos de moda muito importantes. Não sou saudosista, acompanho a moda hoje, adoro várias marcas, mas a gente fincou o pé mesmo para tudo o que veio depois. A gente tinha tanta força que os compradores pagavam passagem para vir.

O que a sua marca deixou de legado para a moda?
Criatividade, ser diferente dos outros, qualidade, acabamento, ser profissional, entregar na época certa. Criei uma maneira de pesquisar moda que não era igual à de todo mundo. Saía com um caderno e ficava anotando o que via de diferente. Aquilo entrava na minha cabeça de um jeito e saía de outro, então não tinha cópias flagrantes. Tinha exclusividade. O que também fixou meu nome foi a qualidade. Contratava pessoas que não trabalhavam em moda e treinava do jeito que queria. Lembro que, quando comecei, precisava fazer blazer e contratei um alfaiate. Falei: só tenho uma exigência, eu que vou passar a proporção. Ele fazia com a técnica dele, mas como eu queria. Quando ele apareceu com blazer, até chorei de emoção. Não estava acreditando que tinha achado essa mão de obra em BH. O blazer estourou, a Globo comprava para as jornalistas. Lembro de uma vez em Paris que um cara elogiou o blazer que a Patrícia, minha ex-mulher, estava usando, inteirinho de patchwork. Perguntou se ela poderia tirar e falou que o acabamento era perfeito. Isso para mim era a glória, tinha orgulho de ter conseguido essa qualidade em BH. Montei um controle de qualidade interno na empresa, as peças passavam umas quatro, cinco vezes para serem aprovadas. Tudo tinha o meu olhar.
 
 
Por que você decidiu fechar a sua marca?
Achei que estava difícil trabalhar com moda em BH. Começaram a vir marcas de fora, que usavam tecido sintético, e eu tinha horror a isso. Só usava seda pura, 100% linho. Tinha assistente e modelista, trabalhava com muito rigor. Se não poderia fazer com a qualidade que queria, preferia não fazer. Além disso, a minha roupa era muito cara e passamos por vários momentos econômicos difíceis. O do Collor foi o pior de todos. Tive problema com o meu filho que morreu, depois me separei da Patrícia e fiquei muito desorientado. Já estava com problema de vendas e ficava horrorizado de ver que vendiam tecido como se fosse seda. Posso me considerar um perfeccionista, por tudo o que fiz na moda, e isso para mim é um absurdo. Estava vindo de avião de Paris e uma mulher do Nordeste, que tinha uma confecção, sentou do meu lado. Quando descobriu que eu era o Renato Loureiro, levantou, pegou na mala dela um blazer da minha marca, falou que já tinha tentado copiar e não conseguia. Mas carregava ele para tudo quanto é lugar. Isso foi muito importante de escutar, legal saber a repercussão de uma trabalheira que dava para chegar nesse acabamento. Choro quando penso na minha jornada na moda, foi muito gloriosa. A maneira como encarei, esse amor que tenho pela moda, sem querer nada do outro, isso me deu uma fortaleza. Vou fazer 80 anos e não tem um lugar em que chegue que alguém não abra a porta. Sou respeitado.

Como você enxerga o mercado da moda hoje?
Antes, a gente criava desejo, hoje em dia isso é mais difícil de ver. As roupas estão muito parecidas, tem mais ou menos a mesma coisa nas lojas, aí começa a guerra de preço, isso tudo estava acontecendo comigo. Com a internet, ficou mais fácil copiar e o empresário de moda quer fazer o que está dando certo. Isso trava muito o mercado.

Apesar de não desenhar mais roupas, você ainda está envolvido com a moda. Qual é a sua motivação para continuar?
Estou imbuído de fazer a moda mineira voltar a ser respeitada. Estou fazendo tudo o que posso. Faço curadoria para outras marcas, estou ensinando o que sei para quem quer aprender. Criamos uma associação só para estilistas, a Associação dos Criadores e Estilistas de Minas Gerais (ACRIEM), da qual sou vice-presidente. Se for para ajudar a moda mineira, estou sempre pronto. Estamos querendo mostrar que é muito difícil uma fábrica trabalhar sem estilista. A primeira matéria-prima é o estilista. Fizemos um desfile na abertura da última edição do Minas Trend, no Palácio da Liberdade, e vamos fazer novamente. O sucesso é ver um desfile benfeito e que mostra moda, é isso que precisamos nesse momento. Temos que fortalecer o mercado de moda e uma das coisas é fazer tudo bem profissional, aqui e no mundo inteiro. Sou lutador e defendo estilista toda hora. Vejo que muitos donos de marca cortam o barato dos estilistas, achando que aquilo não vai vender, como se tivessem esse poder. O novo ninguém sabe se vai vender. A marca tem que se arriscar mesmo para renovar e fixar sua imagem, não tem jeito. Se não se arriscar, como vai saber se vai vender? Ninguém vai se lembrar de camiseta e calça jeans. O que você vai lembrar é aquilo que nunca viu. Se não for assim, as pessoas vão continuar fazendo a mesma coisa. Não se arriscam e não vendem também. É o que está acontecendo hoje. Isso é uma briga. Você tem que fazer o que é mais difícil, e não o que é fácil e todo mundo está fazendo. Aí é que vai ganhar. O pessoal tem que deixar de ser preguiçoso, pegar o mais difícil e jogar luz na passarela. As marcas ficam conhecidas porque são criativas e se arriscam.
modelo veste renato loureiro
O blazer do estilista ficou conhecido pela qualidade do acabamento (foto: Emmanuel Pinheiro/EM/D.A Press)


O que você tem feito de curadoria?
Sou a pessoa com experiência que dá uma direção, um norte para criar uma coleção. Curador não faz, escolhe o melhor que tem, o que precisa para criar desejo e ser lembrado. Copiar não é grave, é normal, mas quero persuadir os novos estilistas de que estilo é aquilo que está dentro de você, adormecido, e tem que ser liberado. E a maneira de liberar é faz, criando novas maneiras de pensar e de olhar para o que já foi feito. Na primeira vez em que fui para Tóquio, fiquei muito empolgado com o que faziam os japoneses. Lembro que achei incríveis os plissados e isso mudou o meu olhar. Para mim informação de moda é muito importante, você pega e traz para a essência do seu trabalho. Tento fazer isso quando estou fazendo curadoria. O Grupo Mineiro de Moda se arriscou muito. O tempo inteiro dava murro em ponta de faca, mas dava certo. Estávamos num momento em que as pessoas queriam coisa nova, estavam cansadas da mesmice. Com a curadoria, quero fazer com que entendam que tem que dar a cara a tapa para ser conhecido. A moda precisa fazer de tudo para chamar a atenção e fixar a imagem do estilista. Na primeira vez em que fiz saia balonê, todo mudo que olhava falava que parecia botijão de gás, ninguém comprava. Mas às vezes você precisa de uma peça de impacto para puxar sua coleção inteira. Enxergo desse jeito o que precisa ser feito em BH para criar novos desejos de moda.

Você pensa em voltar com a sua marca?
Passei da idade, estou cansado pelas coisas que vivi e sofri. Acho que estou na fase de sossegar. Criei uma marca e meu nome está fixado, deixei um legado. Não preciso mais me mostrar na moda, me sinto realizado pelo que fiz. Amo moda e amo ajudar quem me pede opinião. Tenho vontade que fazer com a moda mineira volte a ser desejada e vou fazer o que estiver ao meu alcance.


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