Dos templos de luxo ao brechó singelo, a moda circular vai conquistando mais espaço e relevância. A conversa, que atinge vários nichos sociais, passa pelo impacto que os setores têxteis, entre outros pertinentes a essa cadeia produtiva, provocam na sustentabilidade do planeta e, o que antes era visto com preconceito e menor valia, ganha novo status e alcance.
Se na Europa, particularmente nos centros importantes, como Londres e Paris, o tema sempre foi significativo, com diversificada oferta de produtos de segunda mão oferecidas por brechós de todos os tipos – dos sofisticados aos populares -, algumas ações demonstram que o mercado de luxo se rendeu incondicionalmente à economia sustentável.
Se você tiver oportunidade de visitar a capital da França, não pode perder a chance de visitar o sétimo piso da Printemps Hausmann – aquele que dá saída para um terraço de onde se distingue uma das vistas mais lindas da cidade.
“Bem-vindo ao sétimo céu! O novo andar dedicado ao vintage, à segunda mão e ao upcycling”: é assim que o visitante é recebido no recinto, no qual será brindado com peças de marcas emblemáticas criadas por designers igualmente emblemáticos: de Thierry Mugler à Romeo Gigle, de Azzedine Alaia à Sônia Rykiel, de Rei Kawakubo e Issey Miyake a Alexander McQueen, Claude Montana e Chanel.
Tem Valentino, Gaultier, Etro, Celine, Vivienne Westwood, Saint Laurent, Armani, Burberry, uma série de boas surpresas com a ressalva de que todas as roupas são rigorosamente higienizadas, têm cara de novas...Uma parte do que é selecionado abriga apenas fabricantes locais, uma espécie de reserva de mercado, que faz parte da mentalidade francesa
Do vestuário aos acessórios, os achados são instigantes. Tudo passa por uma curadoria impecável embalada pela ambientação sofisticada, que reina em todo o espaço. O destaque é a obra que desce do teto composta por 16 mil origamis, que imitam a forma da cúpula da Printemps, com seus belos vitrais coloridos.
Harmoniosamente arranjadas, as estantes e mesas que carregam os produtos são em madeira, vidro e estruturas metálicas - como as que sustentam a edificação, cuja construção data de 1865. As vitrines conceituadas, o carpete floral magnífico, a iluminação bem pensada garantem ao cliente que ele está entrando em um território legítimo e seguro, mesmo que os produtos já tenham sido usados por outras pessoas.
A moda circular também está presente no segundo andar das Galeries Lafayette Haussmann (agora existe outra unidade na avenida Champs Élysées). Você passeia pelas araras e balcões repletos de ofertas orientado por palavras que nascem dos lustres espalhados por toda a área: renove, revenda, recicle, remodele, refresque é a mensagem transmitida e repetida várias vezes.
Enquanto isto, os outros pavimentos da loja mais visitada pelos turistas em Paris, apresentam as atrações de sempre nos segmentos da moda e da beleza: novos designers, estilistas franceses, grifes internacionais, que estão nas principais passarelas do mundo. “Uma coisa não interfere na outra. A moda circular é mais que uma tendência, é um conclame do planeta, para que possamos aproveitar a vida útil das roupas e dos objetos”, explica a Marie Dhafine Tomez, responsável pela área.
Não dá para checar nem é dado estatístico, mas há uma percepção que o número de brechós aumentou consideravelmente em todo o mundo, particularmente em Paris, onde em cada quarteirão há uma opção entre ofertas bem populares ou com curadorias mais apuradas.
Em Londres, o conceito de roupas de segunda ou terceira mão é arraigado e faz tempo, e não está presente somente entre jovens com pouco dinheiro ou entre descolados: ao contrário, faz parte de uma cultura introjetada particularmente nos londrinos. Seja em Spitalfields, ao leste da cidade, seja no mercado de Portobello Road, em Notting Hill, a possibilidade de criar looks únicos e criativos explica o motivo do povo ser tão estiloso e cheio de bossa.
Em Belo Horizonte
O discurso em torno da sustentabilidade como valor intrínseco para a preservação do planeta não é mais “para inglês ver”. Ao contrário, existe uma comoção em torno do assunto e as empresas começaram a entender que inclui-lo no seu plano de gestão de negócios é agregar valor às marcas. A compreensão da moda circular como um dos ingredientes da economia sustentável, os apelos, as convocações, os discursos têm sensibilizado e, mais do que isso, contribuído para uma mudança da mentalidade.
Em Belo Horizonte não é diferente e essa importância mereceu a atenção do Sebrae-MG, com o projeto Viver de Brechó, criado em junho de 2022. Michele Chalub, analista da instituição, explica que a pandemia fez com que as pessoas repensassem as relações humanas e de consumo. Um outro desdobramento foi a reflexão sobre a sustentabilidade e a possibilidade de gerar renda por meio da venda de roupas que não coubessem mais em um estilo de vestir. Para elaborar o programa, era necessário conhecer melhor o setor em Minas Gerais através da colheita de dados.
A pesquisa revelou que são 3 mil brechós no estado; 2 mil deles abertos a partir de 1919; 600 mil em Belo Horizonte e os demais espalhados pela região metropolitana, sem contar os que estão na informalidade. “A partir daí, tivemos oportunidade de avaliar o segmento e montar uma capacitação que engloba várias áreas, como planejamento, finanças, conteúdo, marketing, além de atendimento ao cliente”, pontua Michele.
O segundo passo foi realizado no segundo semestre de 2022 com a criação da caravana Moda Brechó, que convocou jornalistas, influencers e formadores de opinião para conhecer alguns brechós da capital mineira, ouvindo as histórias de quem transforma roupas usadas em negócios. A iniciativa contou com a participação de Sâmara Merrighi e Alessandra Alkimin como embaixadoras. Elas apresentam o poadcast Elas & Tal, na rádio CDL/BH, no qual entrevistam mulheres focando na questão do empreendedorismo feminino e da sustentabilidade.
No início do mês, levaram o debate em torno dos temas para a Casa Cor Minas, convidando as empresárias Bárbara Porto, da DuAcervo, Júlia Salvador do Nobz, Lara Barbosa do LPM e Alê Villanoeva, do Peça Rara, para uma conversa sobre second hand, como apoio do projeto Moda Brechó/Sebrae-MG.
As três primeiras trabalham em um nicho específico do mercado do luxo: já o Peça Rara fica em um gap intermediário entre a classe média e a alta. O negócio, que é uma franquia nacional em expansão, funciona apenas em bairros da zona sul de Belo Horizonte. Alê detém o endereço do bairro Gutierrez e já se prepara para abrir outra unidade no bairro Belvedere, onde, por sinal, se localizam o DuAcervo e o Nobz, cuja especialidade são bolsas de marcas.
Bárbara Porto, que vem de família abastada, foi uma das primeiras a acreditar que o second hand de luxo podia dar rock, abrindo uma sala, no bairro de Lourdes. O empreendimento mostrou que ela estava na rota certa, o que possibilitou que fosse além e investisse em um projeto arquitetônico arrojado no Belvedere, no mesmo conceito: acessórios e roupas de marcas internacionais estão em evidência no seu acervo. Mas a empresária quer mais: seu sonho é atingir também públicos mais populares, cercando todo o ciclo da moda circular.
Lara Barreira, por sua vez, acreditou no infantil. A experiência de ser mãe, a compra constante de roupinhas seguindo o crescimento do filho, fez com que tirasse a ideia do papel. Daí que as mamães que desejam um guarda-roupa de primeira qualidade e bom gosto para suas crianças podem contar com peças muito interessantes garimpadas por ela, segundo a sua curadoria.
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