Um menino brigão, um patinho, uma programadora lutando por espaço no mercado de tecnologia. Alessandra Carneiro de Mendonça já viveu muitas vidas em uma. Há 15 anos, a atriz dá voz a diferentes personagens como dubladora de filmes, séries e desenhos animados. Apesar de reconhecer que o mercado mineiro ainda é restrito, ela enxerga avanços.
O que influenciou você a seguir o caminho das artes?
Sou de uma família que sempre se envolveu e apoiou as artes em geral. O meu avô, José Joaquim, foi diretor do Museu de Arte da Pampulha. A irmã dele era Barbara Heliodora, a primeira tradutora de Shakespeare no Brasil. A minha bisavó, Ana Amélia de Queirós Carneiro de Mendonça, era poetisa e fundou a Casa do Estudante, no Rio de Janeiro. A minha mãe, também Ana Amélia, era geógrafa, cantava muito e me ensinou a recitar poemas.
Como a dublagem entrou na sua vida?
Um colega de teatro foi chamado para trabalhar no primeiro estúdio de dublagem em BH, que não existe mais, e me convidou para fazer um teste de voz. Eu já tinha ligação com locução, porque a minha tia, Letycia, é fundadora do (grupo de locutores) Vozes de Minas. Fui chamada erroneamente para fazer teste de voz de menino. Quando cheguei lá, o diretor me deu o personagem Eddie, do desenho francês “O pequeno Nicolau”. Vi aquele menino nervoso, brigão, com curativo no nariz, trouxe uma voz mais invocada e fui aprovada.
Como era o mercado de dublagem em BH naquela época?
O estúdio era muito pequeno e já fazia algumas produções para a HBO, mas o grande eixo da dublagem eram Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2017, conheci a Rafaela Lôbo, diretora do estúdio Scriptus Comunicação, que era atriz, já trabalhava com locução e queria trazer a dublagem para BH. Quando começamos a parceria, ela conseguiu trazer clientes do Rio e São Paulo e o nosso mercado foi se ampliando. De uns tempos para cá, temos quebrado esse eixo e ampliado com as plataformas de streaming e o YouTube. Temos vozes no Discovery Kids, Netflix, Amazon Prime Video, Looke e Now.
Para quantos personagens você já deu voz?
Ah, mais de 500. Sou dubladora desde 2008, então participei de muita produção.
Com quais personagens você mais se identifica?
Com a Mackenzie Davis, da “Halt and Catch Fire”. Me encantei com a série em si e a Mackenzie é uma mulher ganhando espaço no mercado de programação de computadores, totalmente masculino. Ela é muito firme, bem pra frente, quer fazer acontecer e eu me identifico com ela. Me divirto muito com a Annie do “90 dias para casar”. Esse programa é um reality show, então o timing é muito mais acelerado.
Você gosta da sua voz?
Gosto bastante.
Você teve que trabalhar para perder o sotaque?
Sim, até trabalhei com fonoaudiólogo. Mas rola um preconceito muito grande com a gente. Dizem que mineiro não sabe dublar por questão do sotaque. Entendo com muito carinho e admiração que os pioneiros da versão brasileira foram Rio e São Paulo, mas a voz brasileira não é de paulista nem de carioca.
Como funciona o seu trabalho no estúdio?
O filme chega da distribuidora e o diretor assiste do início ao fim. Tem uma pessoa que faz o casting e seleciona as vozes. O ator nunca sabe o que vai dublar quando chega ao estúdio. Se ele assistir à cena antes, pode ficar engessado com a interpretação. O diretor explica a história do filme, dos personagens e do contexto da cena.
Como você enxerga o mercado de dublagem atualmente em BH? E nos próximos anos?
A greve dos roteiristas em Hollywood afetou drasticamente os estúdios de dublagem do Brasil, mas seguimos. O nosso objetivo, além de aumentar o mercado, é trazer cada vez mais profissionalização para BH. Temos bons atores, mas não são profissionais da voz. Continuamos fazendo cursos e workshops. Temos um banco com mais de 150 vozes e ainda precisamos ampliar, porque os clientes pedem perfis diferentes. Muitos dubladores estão aterrorizados com a inteligência artificial. Eu não tenho medo. Entendo como uma ferramenta do nosso trabalho, que, ainda assim, precisa do lado humano e artístico.
O que você diria para quem quer ser dublador?
Para se tornar um dublador, você tem que procurar um curso profissionalizante de teatro e ser registrado como ator e, como todo artista, engolir cultura. Quando você chega lá no estúdio sem saber o que vai dublar, precisa ter bagagem e experiência para levar veracidade através da fala. Não tem como trazer a expressão corporal, então tem que entregar tudo na expressão vocal.
Tem algum trabalho que você ainda não fez e tem vontade de fazer?
Gostaria de fazer uma grande produção hollywoodiana que fosse para o cinema e de dublar filmes de Bollywood.
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