A morte de Marc Bohan, aos 97 anos, aconteceu, mas demorou para ser anunciada. Foram quase quarenta e oito horas até a notícia alcançar os fashionistas que, nos últimos 34 anos, parecem ter esquecido do homem que revolucionou a Dior. Se, em 1987, Marc Bohan dedicou sua coleção de alta-costura à Christian Dior, fundador da maison quarenta anos antes, há muito o que celebrar antes e depois das quase três décadas em que foi diretor-criativo, entre 1961 e 1989. O New Look e os perfumes de Christian Dior, a alta-costura rebelde e luxuosa de Yves Saint Laurent, a extravagância italiana de Gianfranco Ferré e sua icônica bolsa Lady Dior, a teatralidade de John Galliano, a elegância belga de Raf Simons e o feminismo de Maria Grazia Chiuri, primeira mulher a assumir o comando na marca… Não fosse Bohan, porém, faltariam no imaginário de moda da Dior pilares como o prêt-à-porter, a Baby Dior, a estampa Oblique (os três lançados no mesmo ano, 1967) e até a linha masculina da casa, hoje assinada por Kim Jones. O primeiro trabalho não foi na moda, mas no banco parisiense L’Ouest, de onde escapava, nas horas de almoço, para passear entre a Place Vendôme e Rue de la Paix, endereço de ateliês de alta-costura como Schiaparelli, Madame Grès, Madame Carven, Bruyères e, sua favorita, Jeanne Paquin.
Foi no ateliê de madame Paquin, à época comandado por Antonio Castillo (futuro diretor-criativo da Lanvin), que Bohan assistiu ao seu primeiro desfile de alta-costura. Em 1945, também frequentou uma das apresentações de Christian Dior, ainda designer na maison de Lucien Lelong. O presidente da Câmara Sindical de Alta-Costura, inspirado pela paixão do jovem bancário, arranjou um emprego para ele na Patou. O sonho de Bohan era trabalhar para Robert Piguet, que em 1946 foi um dos maiores estilistas do século 20 e serviu como mestre de Pierre Balmain, Hubert de Givenchy, Christian Dior, mas Bohan foi convencido pela mãe a aceitar a oportunidade e ficou lá durante nove meses, antes de conquistar o lugar desejado no chez Piguet, com quem aprendeu os fundamentos da moda e a importância de tecidos bem cortados. No ateliê do mestre, em 1946, foi rebatizado pelas amigas modelos para Marc (o diretor financeiro da casa já se chamava Roger), uma decisão que, anos depois, ele se arrependeu, tendo confessado que teria preferido usar um de seus nomes já existentes, Louis. Lá, como desenhista de croquis, conquistou seus primeiros sucessos na moda, além de fazer amizade com Hubert de Givenchy, que partiu pouco depois para trabalhar com Lelong antes de abrir seu próprio estúdio.
Marc Bohan antes de Dior
No fim da década de 1940, Marc Bohan deixou os ateliês de Piguet para servir no exército e, quando voltou, encontrou a vaga preenchida. Com a ajuda do antigo mentor, conquistou uma vaga na casa de Edward Molyneaux, onde ficou até ser contratado, em 1951, pela couturière Madeleine de Rauch. Desestimulado pela moda, que considerava antiquada, decidiu inaugurar sua própria maison de alta-costura. Como assistente, encontrou Gérard Pipart que, anos mais tarde, se tornou diretor-criativo da Chloé e Nina Ricci.
A empreitada teve sucesso temporário. Sua primeira coleção, Parisiènne 1954, foi uma homenagem a Robert Piguet, falecido cinco meses antes. Apesar de aclamado por parte da imprensa, Bohan encerrou as atividades ainda no ano seguinte e, com a ajuda de Raymond Barbas, novo presidente da Câmara Sindical, retornou para a maison Patou, agora como diretor-criativo. Durante os três anos seguintes, Bohan desenvolveu o estilo fluido e ajustado que, na Dior, seria sua assinatura.
Com o reconhecimento que conquistou na capital francesa, Bohan decidiu, em 1957, tentar um trabalho na Dior, fundada 10 anos antes e já estabelecida como a marca de moda mais prestigiada internacionalmente. Apesar de acreditar no talento de Bohan, Christian Dior ofereceu o comando menos glamoroso da Dior em Nova York, cargo que o estilista demorou a aceitar. Quando finalmente decidiu assinar o contrato, em outubro de 1958, Dior faleceu aos 52 anos, deixando o comando de sua maison para o assistente, Yves Saint Laurent. Nos dois anos posteriores, Bohan viveu entre Nova York e Londres, para onde foi enviado a fins de liderar as operações Dior no Reino Unido.
Descontente, esteve prestes a quebrar o contrato e voltar para Paris, onde assumiria como diretor da nova linha de alta-costura da Révillon Frères, quando Saint Laurent foi enviado para o serviço militar e Marcel Boussac, proprietário da Dior, chamou Bohan para assumir a posição. Ele tinha 34 anos.
Quando Marc Bohan estreou na Dior com sua coleção de primavera-verão 1961, encontrou uma maison de contrastes. Se, por um lado, a casa de moda tinha mais de 300 funcionários em Paris e era responsável por 55% da exportação da couture francesa, também era uma marca jovem, com apenas 14 anos no mercado e 28 coleções. Para o novo diretor-criativo, isso significou a liberdade de explorar novas silhuetas e aquecer as ideias que desenvolveu em seus anos na Patou. Não fosse Bohan, porém, faltariam no imaginário de moda da Dior pilares da marca que ressoam ainda hoje com a moda, todos os três lançados no mesmo ano, 1967: a primeira linha de prêt-à-porter, com designs mais acessíveis; o lançamento da Baby Dior, inspirada na filha de Bohan, Maria-Anne, e cuja primeira patrona foi a princesa Grace Kelly de Mônaco; e a icônica estampa Oblique, que debutou em uma das bolsas na coleção de alta-costura. Isso sem contar a linha masculina da casa, hoje assinada por Kim Jones.
Batizado de Slim Dress, o primeiro desfile, com formas fluidas e retas foi aclamado pela crítica e clientes, incluindo a Duquesa de Windsor, que liderou os aplausos. Na moda de Bohan, que ganhou o apelido de “anti-herói da Avenue Montaigne” (avenida parisiense onde ficam os ateliês Dior), o conceito das roupas seguia o conforto, jovialidade e feminilidade da mulher, sem as cinturas espartilhadas que Christian Dior havia instituído em sua era, ou a rebeldia beatnik chocante de Yves Saint Laurent. Nos 29 anos seguintes em que liderou a casa, foram esses os preceitos que Bohan seguiu, repetindo constantemente a frase: “Não esqueça a mulher”
Saiba mais
Bohan foi casado com Dominique Gaborit de 1950 a 1962, quando ela morreu em um acidente de carro, deixando-o pai solteiro com sua filha, Marie-Anne. Sua segunda esposa foi Huguette Rinjonneau, que também faleceu antes dele. Bohan era confidente da escritora francesa Françoise Sagan e desenhou figurinos para algumas de suas peças. A escultora Niki de Saint Phalle era uma amiga de longa data. Ele também era próximo de Philippe Guibourge, seu assistente na Dior, que passou a desenhar o pronto-a-vestir da casa. O pai de Bohan era um homem um tanto severo, que nunca expressou seu orgulho por seu filho proeminente, mas, após sua morte, Bohan encontrou vários recortes de imprensa sobre ele entre os papéis de seu pai, que ele achou comoventes.