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Estado de Minas

Abertos para o novo

Designers e artesãos da Semana Criativa de Tiradentes se entregam a materiais e técnicas diferentes em um trabalho coletivo


05/11/2023 04:00
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oficinas como a de entalhe em pedra-sabão
Para que o público tivesse a experiência de criar com as próprias mãos, a STC ofereceu oficinas como a de entalhe em pedra-sabão (foto: Thais Andressa/Divulgação)
 
 
Tiradentes – Quem não se arrisca não se transforma. A Semana Criativa de Tiradentes (SCT), que une design e artesanato na cidade histórica, mais uma vez prova que se entregar ao imprevisível pode ser muito revolucionário. De um lado, os organizadores, que se atreveram a montar o time mais heterogêneo da história. Do outro, os profissionais, que se aventuraram por caminhos nunca antes percorridos. A sétima edição ficou marcada pela ousadia.
 
Cadeira, mesa e bancos
Cadeira, mesa e bancos: o artesão Antônio Maia, de Coronel Xavier Chaves, se guiu um caminho diferente fazendo mobiliário com pedra (foto: Thais Andressa/Divulgação)
 
“Certamente, esse é o grupo mais diferente que já montamos e o resultado mais diferente que já tivemos”, destaca a jornalista paulista Simone Quintas, que criou o evento com o produtor cultural mineiro Júnior Guimarães, em 2017. “Depois que juntamos todo mundo, nós nos demos conta: será que vai dar certo? É imprevisível para a gente também. Mas o que importa é o processo, a conversa, nem tanto o resultado.”
 
As padronagens que estampam as bolsas de Silvânia Machado
As padronagens que estampam as bolsas de Silvânia Machado estavam no baú de relíquias da sua mãe, Dalva, que a ensinou a tecer (foto: Cacá Bratke/Divulgação )
 
 
Os produtos exibidos na exposição “Design feito à mão”, e que ficam à venda na loja da SCT, materializam os encontros entre designers e artesãos, que acontecem ao longo do ano, para a troca de experiências, saberes e técnicas, no projeto LAB.
 
Instalações passaram a integrar o evento, como a %u201CPraça circular%u201D,
Instalações passaram a integrar o evento, como a %u201CPraça circular%u201D, no gramado da Villa Chafariz, dos arquitetos Jader Almeida e Hugo Sasdelli (foto: Cacá Bratke/Divulgação )
 
 
Nada foi planejado, nem mesmo havia a intenção de fazer diferente nesta edição. Mas, de forma intuitiva, convidando um participante aqui, descobrindo outra história ali, eles reuniram arquitetos, designers, artistas, um chef de cozinha (essa é a primeira incursão do evento pelo universo da gastronomia) e artesãos que trabalham com madeira, pedra, cabaça, tear e biscoitos. Todos criam juntos, apesar de que, naturalmente, surgem afinidades no meio do caminho.
 
O casal Claudinei do Nascimento e Lucimar da Silva
O casal Claudinei do Nascimento e Lucimar da Silva usa cabaça, cipó e couro para fabricar balões que mexem com o nosso imaginário (foto: João Bertholini/Divulgação)
 
 
A SCT promove encontros potentes, como o de Alexandre Heberte e Silvânia Machado. Dois artistas que tecem fios, cada um com o seu jeito. Ele vem de Juazeiro do Norte (CE) e descobriu o tear no Centro de São Paulo, quando estava “no fundo do poço”. Diz que o ofício o salvou. Ela é de Resende Costa (MG), cidade conhecida pela tecelagem, e aprendeu a tecer com a mãe.
 
No dia em que se conheceram, algo inesperado aconteceu. Silvânia levou Alexandre até o quarto e mostrou os repasses da mãe, Dalva, que estavam guardados em um baú. Repasses são papéis cheios de tracinhos que os tecelões seguem como se fossem receitas. Em outras palavras, arquivos valiosos da tecelagem manual brasileira.


Prova de confiança

Para o cearense, aquela era a maior prova de confiança que a mineira poderia dar, tanto que se emociona ao relembrar a cena. “Quando a Silvânia me mostrou os repasses, pensei: vamos homenagear a dona Dalva. Ela ensinou tanta gente a tecer que os papéis não deveriam ficar guardados no armário. De Tiradentes para o mundo”, conta Alexandre, animado com a possibilidade desse material virar livro. Seu desejo é cada vez mais se entrelaçar com Minas Gerais.
 
As padronagens ressurgiram na coleção de bolsas de Silvânia, que está muito feliz com o resultado. A tecelã nunca se contentou em fazer só tapete, passadeira e outros produtos encontrados aos montes em Resende Costa. “O que me der para fazer eu faço. Gosto de criar e de ser desafiada.” Alexandre abriu seus olhos para o uso de outros materiais além da malha. “Eu, como tecelão urbano, frequentador da Rua 25 de Março, misturo arame, palha, plástico, lã acrílica, papel, madeira e queria que ela tivesse essa experiência.”
 
As alças das bolsas são fabricadas em madeira por Gilberto Romero, o Beto, outro participante desta edição. As imersões renderam a ele o lançamento de uma coleção de bichos brasileiros, como lobo-guará e tamanduá, que ganham formas com madeiras em vários tons.
 
Outro encontro marcante foi o do casal Claudinei do Nascimento e Lucimar da Silva com os irmãos Marcelo Alvarenga (arquiteto) e Susana Bastos (artista), da Alva Design, de Belo Horizonte. Houve resistência no início. Claudinei, o Prego, ouviu, arredio, o que eles diziam e não queria mudar seu jeito de fazer balões com cabaça. Mas a desconfiança logo virou cumplicidade. “Entendi que a nossa união é como uma engrenagem, sozinho ninguém dá um passo além. Espero não me separar deles para ter mais ideias.”
 
O casal se mudou para Tiradentes em 2008. Ele trabalhava na construção civil e ela era cozinheira. Um dia, numa obra, hora do almoço, Prego fez uma caneca de bambu para passar o tempo. Não enxergava valor naquilo até ser incentivado por um colega a vender. Foi assim que eles migraram para o artesanato e passaram a trabalhar com cabaça. “Estávamos com muita encomenda de galinhas quando vi uma cabaça que parecia um balão e pedi para o Prego fazer um cestinho de cipó, material que ele já usava para o caxixi. Pintei, levei para a feira e, assim que pendurei na barraca, vendi. Voltei com mais dois no dia seguinte, depois 10 e vendi tudo. Viramos a barraca do balão”, conta Lucimar.
 
Cores de Tiradentes


As imersões desta edição tiveram um resultado inédito para a SCT. Em vez de desenvolver um novo produto, o time de criativos preferiu propor melhorias para os balões que Prego e Lucimar fazem há 12 anos. Entre elas, pensar na combinação de cores (a inspiração para a primeira coleção vem da arquitetura da cidade). “Olho para as janelas e portas de Tiradentes e vejo os nossos balões”, diz Prego, apontando, orgulhoso, para as construções do Largo das Forras.
 
Nesse processo, o artesão aprendeu a trabalhar com couro para forrar o fundo dos cestos. “Isso valorizou mais o nosso trabalho”, reconhece Lucimar. O casal já pensa em fazer cestaria com cipó.
Se por um lado houve resistência, Susana Bastos admite que o trabalho coletivo a levou a exercitar o desprendimento, abandonar todas as suas expectativas e se lançar ao incerto, ouvir mais do que falar. Afinal, o processo pressupõe trocas. “Sem perceber, chegamos como colonizadores, mas não se trata só de ensinar. Aprendi a pintar balão e a tecer. Aprendi com a religiosidade do Prego e com a união da família da Silvânia”, comenta a artista, reforçando que todos aprendem e ensinam.
 
Os fundadores da Alva Design participaram também do evento com a exposição “Fosse pedra”, no porão do Museu Padre Toledo, que fez uma retrospectiva do trabalho com pedra-sabão há 10 anos. Vasos exibiam formas intrigantes. Assim como, no dia a dia, contam com as mãos habilidosas do artesão Mauro Antônio de Souza, de Santa Rita de Ouro Preto, distrito de Ouro Preto, durante as imersões, eles trocaram conhecimento com Antônio Maia, de Coronel Xavier Chaves, que se arriscou fazendo mobiliário (cadeira, mesa e bancos) de pedra gnaisse.


A quitandeira


Em uma aproximação com a gastronomia, a SCT incluiu no grupo a quitandeira Rosana Nascimento, da comunidade da Caixa D’ Água da Esperança, zona rural de Tiradentes, que assa seus biscoitos no curioso forno de cupinzeiro. “Não tem como controlar a temperatura, não é forno elétrico. Funciona na base do olho”, explica.
 
Rafael Pires, do restaurante e confeitaria Mia, em Tiradentes, não quis mexer na receita dos biscoitos, que são famosos na região. Concentrou-se em dar ideias para incrementar a massa com o que ela tem em casa. O chef viu no quintal um pé de urucum e sugeriu colocar colorau na broinha de fubá, que ficou avermelhada. Achou na geladeira um doce de laranja que Rosana mesmo faz e propôs usá-lo como recheio, criando um formato diferente para o biscoito. Como lá tem muito limão-capeta, ele ainda ensinou a saborizar a massa com raspas de limão.
 
“Tenho 20 anos de cozinha, pensei que fosse ensinar técnicas, mas acabei aprendendo muito mais. Para quem está acostumado a trabalhar com cada vez mais tecnologia, é um desafio usar um forno que não tem controle de tempo nem temperatura. Você pisca o olho e queima o biscoito”, destaca Rafael, que pensa em servir os biscoitos no restaurante e colocá-los para vender na confeitaria.
Em pouco tempo, Rosana já percebeu como seus biscoitos ficaram ainda mais conhecidos e demonstra felicidade por poder continuar a fazer o que gosta. “Quando acendo o forno e começo a assar os biscoitos, sinto um cheiro tão gostoso que não tem dinheiro que pague”, comenta a quitandeira, que recebe as pessoas em casa com uma mesa de café da manhã.
 
No ano que vem, os artesãos desta edição serão os protagonistas da exposição “Desdobramentos”, que mostra para o público a continuidade do trabalho, seja com a ampliação de coleções ou novos produtos. 


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