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Estado de Minas

Tombamento de lambe-lambes vira polêmica em BH

Processo para registro da atividade como bem imaterial divide opiniões até entre os profissionais, que aderiram à era digital


04/09/2008 07:12 - atualizado 08/01/2010 04:20
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José Marcos da Silva, de 81 anos, fotógrafo há mais de 50, tem saudade do método antigo, mas hoje trabalha com uma pequena máquina digital e uma miniimpressora que fica guardada no carrinho
José Marcos da Silva, de 81 anos, fotógrafo há mais de 50, tem saudade do método antigo, mas hoje trabalha com uma pequena máquina digital e uma miniimpressora que fica guardada no carrinho (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

 

O tripé, os rolos de filme, a grande caixa preta e os produtos químicos de revelação não fazem mais parte da rotina de José Marcos da Silva, de 81 anos. O lambe-lambe, que há mais de meio século fotografa casais apaixonados, crianças e outros visitantes na Praça Rui Barbosa, mais conhecida como Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, aposentou os velhos equipamentos e, como os demais colegas, aderiu à moda da máquina digital. Apesar disso, a prefeitura da capital abriu processo para tornar a atividade, praticamente extinta, patrimônio imaterial. A polêmica está lançada e os próprios fotógrafos ambulantes se perguntam: faz sentido tombar o que já não existe mais? “Minha máquina está encostada, virou relíquia. Hoje, é só apertar um botão e a imagem já sai na impressora”, responde José Marcos.



O processo para registro dos lambe-lambes como bem imaterial foi aberto há dois meses, depois de decisão unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. Segundo a diretora de Patrimônio Cultural da prefeitura, Michele Arroyo, o reconhecimento ainda depende de um estudo histórico, social e antropológico que será feito com os 15 profissionais hoje cadastrados na cidade. “Estamos analisando a metodologia e os critérios que serão usados para reconhecer, ou não, o ofício do lambe-lambe como bem cultural. O conselho vai avaliar se o registro é pertinente, se a tradição já se perdeu ou se o mais importante é o fato de o fotógrafo continuar trabalhando num espaço público”, diz Michele.

Segundo ela, não há previsão para que o estudo seja concluído. Mas, caso o registro seja aprovado pelo conselho, poderão ser criadas medidas de salvaguarda e incentivo ao uso dos antigos equipamentos. “O mérito da proteção não está na materialidade, mas no fazer do fotógrafo ambulante. O ofício, seja pelo uso das máquinas antigas ou contemporâneas, deve ser objeto de estudo, por ser uma característica marcante da cidade. Pode ser que o conselho avalie que a referência do lambe-lambe não está relacionada à forma de fotografar, mas à situação em que ele se encontra, fora de uma edificação tradicional”, acrescenta Michele. Belo Horizonte não tem hoje nenhum bem imaterial registrado, mas estão abertos processos para reconhecimento do Mercado Central, do grupo de teatro Giramundo, do Quilombo dos Luízes e da Pedreira Prado Lopes.

Saudades da caixa preta

A grande câmara escura de fotografia foi companheira fiel de José Marcos durante várias décadas, mas hoje está guardada num estúdio na casa do lambe-lambe. Há cerca de cinco anos, ele comprou uma pequena máquina digital, que pode ser facilmente conectada a uma impressora portátil. Tudo fica guardado no único carrinho de fotos hoje estacionado na Praça da Estação. “Tenho saudade do tempo em que a gente punha a cabeça dentro da caixa preta, dava o foco na imagem de cabeça para baixo, cortava o filme e revelava na hora. Fiz isso durante mais de 50 anos, mas agora caiu de moda. Hoje, ninguém quer uma foto em preto-e-branco e nem pode esperar pela revelação. Por isso, a máquina digital faz sucesso”, diz.

No Parque Municipal Américo Renné Giannetti, também no Centro, onde estão registrados outros 10 lambe-lambes, a notícia do tombamento da atividade foi bem-recebida. “O nome da nossa profissão é tão antigo que vem de uma época em que ainda não havia filme. O negativo era de vidro e, para saber o lado certo de encaixá-lo na máquina, o fotógrafo tinha que pôr a ponta da língua ali e identificar o gosto do produto químico, chamado de gelatina. Muita coisa mudou com o passar do tempo, mas não tenho saudade do antigo equipamento, porque dava muito trabalho. Apesar disso, acho importante preservar a profissão, que me permitiu criar três filhos e dois netos”, afirma Bento Pádua Ribeiro, de 66, fotógrafo do parque há 32 anos.

Seu colega de parque, João Pereira da Cunha, um dos poucos que ainda fotografam usando filme, teme os efeitos da modernidade sobre a profissão. “Hoje em dia todo mundo tem um celular com câmera. Ele é uma ameaça para os fotógrafos”, constata.

Mas, mesmo com a popularização das câmeras, ainda há quem não resista à velha forma de registro. A aposentada Maria Rosa Andrade, de 73, fez várias poses para o fotógrafo ambulante nos bancos da Praça da Estação. “Quero uma foto bem bonita para dar de presente aos meus sete filhos. É apenas uma lembrança minha para ser guardada para sempre”, conta.


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