Jornal Estado de Minas

Iphan quer tombar o Mercado Central

Receber bem o cliente nas barracas de frutas, queijos, peixes e ervas selecionadas não é a única preocupação dos 325 comerciantes do tradicional Mercado Central de Belo Horizonte. Desde o ano passado, eles se desdobram em argumentos contrários ao tombamento defendido pela Diretoria do Patrimônio Cultural da prefeitura. Agora, o tom da conversa mudou com outra proposta, desta vez do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão federal prepara uma mobilização para tentar convencê-los a aceitar a transformação de um dos mais freqüentados pontos turísticos da capital em patrimônio imaterial nacional. “Vamos descobrir qual o melhor caminho para preservar o mercado como espaço de concentração e difusão da cultura mineira e guardião de saberes e fazeres do povo”, explica o superintendente do Iphan em Minas, Leonardo Barreto.



Confira imagens históricas do Mercado Central

No estado, o único bem imaterial reconhecido pelo instituto é o processo de produção do queijo artesanal. O registro cultural como patrimônio imaterial é diferente do tombamento como bem material – no primeiro caso a estrutura se torna intocável. Do lado dos comerciantes, a desconfiança continua. “Não queremos nenhum processo que possa mudar a gestão, interferir nas decisões dos donos de lojas sobre seus próprios negócios”, afirma o superintendente do Mercado Central, Luiz Carlos Braga.

Segundo ele, só será aceita proposta que se restrinja a reconhecer a importância histórica do mercado, sem exigências. “Um registro no livro de tombos é até uma homenagem, mostra que o mercado é significativo para a cidade, o que acredito que passaria pelo conselho de administração”, diz, lembrando o resultado da eleição de símbolos turísticos da cidade feita em 2000 pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur): 85% das pessoas escolheram o mercado.

Barreto diz que será preciso definir “salvaguardas” para manter a tradição do mercado. Lojas de eletroeletrônicos, como a da Ricardo Eletro, nem pensar. No entanto, diz ele, a administração continua a cargo dos comerciantes e as outras regras só saem depois de conversas. “Eles se organizaram muito bem e não queremos interferir na parte física. Só buscamos formas de evitar que os saberes se percam.” As palestras e encontros para explicar a proposta vão mostrar a possibilidade de conseguir mais recursos com o status de bem cultural. “Vamos conversar para tentar fechar uma proposta boa para os dois lados.”



Não vai ser fácil convencer lojistas, como o dono da Mercearia Ananda, Geraldo Henrique Campos, com 74 anos de vida e 58 de mercado. “Não gosto da idéia de alguém interferindo no tipo de atividade que há aqui, porque, às vezes, você precisa mudar de ramo. Isso aqui é negócio.” Ele veio jovem de Pará de Minas para a capital e, apesar de não ter saído do mercado, já trabalhou com restaurante, bar, banca de frutas e, há 18 anos, vende bacalhau norueguês, azeitona grega e especiarias em sua mercearia. A funcionária pública Zilda Lima, de 55 anos, não vê muito problema na concessão do título de patrimônio. “A gente nem sabe direito como será. Só acho que esse ponto tem de ser preservado pela diversidade que encontramos aqui”, diz a mulher, que sai de Contagem, na Grande BH, para fazer compras no mercado.

A prefeitura, que vinha trabalhando desde 2007 em um diagnóstico de usos e atividades do mercado, resolveu suspender, por enquanto, o processo de tombamento. O próprio Iphan convidou a equipe municipal para participar de uma segunda frente de trabalho, caso a proposta de registro cultural vá adiante.

União pela preservação

Em um dia pouco comum, os cerca de 600 donos de barracas no então Mercado Municipal de Belo Horizonte não atenderam nenhum cliente depois das 12h de 30 de janeiro de 1964. A prefeitura queria se livrar do imóvel e o ofereceu em leilão. Uma massa de comerciantes determinados foi à sede da administração municipal participar do pregão. Reunidos na Cooperativa de Construção Ltda., eles saíram vitoriosos e arremataram o mercado por Cr$ 730 milhões, conforme noticiou o Estado de Minas na data. Antes, fizeram passeatas e muito barulho, pedindo a alteração do status de público para privado.

Construído em 1929 pelo município, desde 1964 o mercado é gerido por um conselho de administração, eleito pelos próprios donos das lojas. Foram eles que fizeram os pisos superiores, transformando a parte de cima em estacionamento (uma imposição da prefeitura). O dinheiro das reformas, inclusive para construção do piso no lugar do chão batido, saiu dos bolsos deles. O mercado antigo é resultado da retirada de feirantes das praças da Rodoviária e da Estação, que, durante anos, foram os grandes fornecedores de hortifrutigranjeiros aos moradores de BH.



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