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No campanário, ele chama para a missa, marca horas e anuncia festividades e momentos tristes |
O código sonoro dos sinos está presente em São João del-Rei desde a época colonial, mantendo a sua integridade, graças ao trabalho das irmandades da ordem terceira. A cidade resguardou o toque canônico, determinado pelo sínodo ocorrido na Bahia, em 1720, mas também incorporou, com o tempo, alguns motivos leigos, que partiram dos escravos. “Dessa adaptação, resultaram características muito particulares e únicas”, afirma o arquiteto e pesquisador André Dângelo. Em Minas, segundo autoridades eclesiásticas e do patrimônio, não se sabe o número exato de sinos: seria como contar as estrelas do céu, tal a infinidade de campanários, ermidas de fazendas, capelinhas de povoados e outros monumentos.
A cultura dos sinos em São João del-Rei é tão forte que o município será pioneiro, no Brasil, num museu dedicado ao tema – o projeto já foi aprovado na lei federal de incentivo à cultura, faltando a captação de recursos. “Só há três no mundo, e o nosso mostrará todo o processo, desde a fabricaçação aos sons”, adianta a secretária municipal de Cultura e Turismo, Lúcia Helena Bortolo de Rezende.
E a valorização não pára por aí. Até 2009, a linguagem do toque dos sinos de Minas deverá receber o registro cultural do Iphan, a exemplo do que já ocorreu com o queijo mineiro, capoeira, samba de roda, festa do Círio de Nazaré, realizada em outubro, em Belém (PA), e outros patrimônios imateriais, adianta o historiador do Iphan Jairo Braga Machado. “São João del-Rei é barroca por excelência, o que se reflete no estilo de vida da sua população”, afirma o historiador.
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José Edivaldo, sineiro, recria a beleza da forma, a qualidade do som e a magia que envolve cada badalada |
Ciente de toda essa história, o sineiro José Edivaldo Ribeiro da Silva, de 54 anos, pai de cinco filhos, recria, na prática, a beleza da forma, a qualidade do som e a magia que envolve o repicar dos sinos. Na sua oficina, no Bairro Colônia do Marçal, ele se orgulha de trabalhar dentro de um esquema totalmente artesanal. Funde, no cadinho, as ligas de cobre e estanho, para obter o bronze, molda a peça numa caixa enterrada no chão, retira as rebarbas e faz os arremates com suas ferramentas. “Comigo é assim, tudo na unha”, mostra, bem-humorado, as pontas dos dedos, marcadas pela lida diária.
Natural do Tocantins, Edivaldo chegou a Minas aos seis anos, passando a residir em São João del-Rei em 1974. Técnico em metalúrgica, começou a fabricar sinos como quem encara um desafio e hoje faz peças que pesam de 1kg a 600kg, citando a recém-concluída para uma igreja de Campinas (SP). “Aprendi a trabalhar admirando as torres das igrejas antigas. Compreendi que um som puro é determinado pela liga e pela espessura do sino. Os existentes em São João del-Rei são mesmo diferentes, devido ao material usado nos séculos 18 e 19. Para o som ficar mais agudo, é preciso elevar a quantidade de estanho; e, para torná-lo grave, deve-se baixá-lo”, ensina.
O certo mesmo é que a produção de um sino está bem próxima de uma gestação. “É como um filho, a gente fica curioso para ver a cara, saber se está perfeito”, explica Edivaldo, lembrando que nem sempre o processo dá certo. “Não há 100% de garantia. Quando o molde está debaixo da terra, para dar forma ao futuro sino, há vários fatores que podem interferir. Os riscos vão dos extremos, como um estouro no bronze, aos mais prosaicos, e não menos destrutivos, como o ataque de um besouro ou buracos feitos por uma formiga.” E dá um aviso: “Com os sinos, não há solda que dê jeito. Se quebrou, ele perde o som original, não tem como restaurá-lo”.
Diante da arte de Edivaldo, único sineiro da região, vê-se que ele é realmente um apaixonado pelo ofício. “Já trabalhei para várias cidades mineiras, incluindo a capital, e para igrejas de outros estados. É uma verdadeira paixão, gosto muito do processo de fundição, mas faço questão de que nada seja industrial. Sei muito bem quando o sino é bom ou ruim. Isso faz parte da minha área de atuação, está na alma”, diz, com toda convicção.
Para o serviço ficar completo, é preciso, agora, prender o sino ao “castelo”, que é a parte de madeira que lhe dá sustentação nas torres das igrejas. Como nem todo mundo gosta de um sino reluzente, com aspecto de novo, Edivaldo encerra a tarefa, que pode durar meses, usando pátina, técnica que confere à peça uma certa cor do tempo.
INFORMAÇÕES: SÃO JOÃO DEL-REI
População: 82 mil habitantes
Fundação: Entre 1704 e 1705, surge o Arraial de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, que deu origem à Vila de São João del-Rei (1713). Em 1813, a vila é elevada à categoria de cidade
Distância de Belo Horizonte: 185 quilômetros
1 - A construção do sino é processo longo e demorado. Na primeira etapa, Edivaldo faz a liga de cobre e estanho, para formar o bronze. Num cadinho, derrete o cobre e depois adiciona o estanho também derretido. Agora, é preciso esperar uma semana para que o resultado fique perfeito
2 - Nesta etapa, é preciso colocar o molde (de alumínio) dentro de uma caixa, que fica enterrada. A partir da chamada liga-mãe, preparada na fase anterior, Edivado faz nova fundição, juntando níquel. Chega a hora de fazer o “vazamento”, despejando o bronze para dar forma ao sino
3 - Depois de alguns dias enterrado, o sino se encontra em estado bruto, pronto para ser lapidado e receber o acabamento. Com cuidado, o ajudante José Índio leva a peça para a oficina
4 - Na oficina, Edivaldo passa a lixadeira para tirar os excessos e dar polimento. A maioria dos fregueses não gosta do sino brilhante, com aspecto de novo, então ele usa a pátina, técnica para escurecer o bronze. O badalo é feito à parte, assim como o castelo de madeira, que dá sustentação à peça