Lambari – Foi nesta cidade de 19 mil habitantes, no Circuito das Águas, no Sul de Minas, a 370 quilômetros de Belo Horizonte, que nasceram as irmãs Henriqueta e Alaíde Lisboa, no início do século passado. A mais velha, Henriqueta, poeta, professora de literatura e tradutora, marcou época como a primeira mulher na Academia Mineira de Letras; Alaíde foi escritora, jornalista, educadora e também marcou época como vereadora eleita em Belo Horizonte, a primeira em Minas Gerais.
A cidade pouco guarda da memória das duas irmãs, mas o novo prefeito, Marco Antônio Resende, o Marcão (PT), garante que a história vai mudar. “Vamos fazer um resgate da cultura. É intenção nossa comemorar os filhos ilustres da cidade”, afirma. O momento é oportuno, porque em 2010 comemora-se o centenário da construção do Cassino de Lambari, obra monumental hoje subutilizada.
No cassino há espaço reservado para a implantação do Museu Américo Werneck, nome que homenageia o primeiro prefeito da cidade. O museu foi criado em dezembro de 1996 e jamais instalado. O projeto é iniciativa do historiador Nascime Bacha, que, por conta própria, começou a reunir o que conseguia do acervo histórico e cultural do município, especialmente depois de um incêndio que atingiu o prédio da prefeitura em 1986.
“Depois do incêndio, eu não podia dormir”, lembra Bacha que, aos 88 anos, luta com energia para preservar a memória da cidade. Não por acaso, Alaíde Lisboa foi escolhida patronesse do museu e, segundo Bacha, era uma entusiasta do projeto. Bacha informa que uma reforma no prédio do cassino jamais foi concluída e que o museu, até hoje, não pode ser instalado.
O acervo está na casa do próprio historiador, no Centro da cidade. “Tenho um pequeno museu na minha casa”, revela Bacha. “Está entulhando a nossa casa”, reclama a filha dele, Miryam Bacha Magalhães. Para Nascime Bacha, prefeitos inexpressivos intelectualmente não tinham o objetivo de cuidar da história. Agora, ele acredita que o projeto será concluído. Ele conta que tem lutado com voluntários para abrir o museu.
Inicialmente, serão ocupadas quatro salas do cassino. Mas a intenção de Bacha é, paulatinamente, estender para outras dependências do prédio. Enquanto o projeto não se materializa, Nascime vai recolhendo a história. “Eu vivo procurando localizar matérias que interessam na formação cultural do museu. Nessa luta, vou desenvolvendo o acervo. Ganho muita coisa da população.”
Miryam Bacha diz que a família fica tentando realizar um sonho e todos acabam envolvidos, mas mostra preocupação com as condições de armazenamento. “Fica parecendo um depósito”, explica. Para proteger o acervo, Bacha vai relacionando e encaixotando o que consegue.
Na Escola Municipal Dr. João Bráulio Júnior, antigo Grupo Escolar de Lambari, onde Henriqueta e Alaíde estudaram, há registros da participação de Alaíde no Livro da Caixa Escolar e ainda existem, expostas, antigas carteiras com dois lugares, bases de ferro, tampo e banco de madeira.
Enquanto a cidade não investe na memória das duas filhas ilustres, a bancária aposentada Atineia Maria Lisboa Ribeiro Costa, filha do irmão caçula de Alaíde e Henriqueta, vai guardando os livros que recebia das duas com dedicatória e as lembranças das tias. “Tia Henriqueta era muito reservada, muito lírica, mas tia Alaíde era bem diferente, mais extrovertida. Por causa de A Bonequinha Preta, as professoras levavam as crianças na casa dela”, conta Atineia.
Pedro Lisboa, pai de Atineia, que era o caçula dos 14 irmãos, morreu prematuramente e Alaíde sentiu muito. “Ela tinha um quê com meu pai, como se fosse um filho.” A afetividade foi transferida a Atineia. “Os irmãos pagaram meus estudos em São Paulo, por iniciativa de tia Alaíde”, agradece a sobrinha, que tem orgulho em mostrar as dedicatórias que a tia colocava nos exemplares que mandava para ela assim que os livros eram lançados. Um exemplo é A Bonequinha Preta enviada aos filhos de Atineia, hoje adultos: “A Leonardo e Daniella, com muito carinho”. Ela guarda também uma bonequinha preta com tranças e roupa xadrez vermelha, criada por uma artesã da cidade.
Em O tempo passa, Alaíde Lisboa fala na necessidade do registro e da lembrança, quase como um recado: “Se você quer viver mesmo depois de morrer, viva vida produtiva. Realize muitas obras, divulgue suas ideias e seus belos ideais. Grave bem seus pensamentos, seus sentimentos, seus feitos, em papel, tábua ou pedra. Os séculos irão passando e seu espírito permanecerá”.
E, nos versos de Memorando, Henriqueta fala de memória: “Frágil tesouro da memória – antes que a noite me desarme – por algum tempo ainda resguardado”.
PERFIL
Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari em 15 de julho de 1901 e a irmã Alaíde, no dia 22 de abril de 1904. Eram filhas do farmacêutico e deputado federal João de Almeida Lisboa e Maria de Vilhena Lisboa, que tiveram 14 filhos. Elas estudaram no Grupo Escolar de Lambari e no Colégio Nossa Senhora de Sion, na vizinha Campanha, antes de a família se transferir para o Rio, em 1926.
Henriqueta estreou na poesia com o livro Fogo fátuo, em 1925. Em 1935, ela se mudou para Belo Horizonte, onde atuou como poeta, tradutora, ensaísta e professora. Publicou 17 livros e mais quatro volumes com seleção de sua poesia. Morreu em 9 de outubro de 1985.
Alaíde publicou cerca de 30 livros entre ensaios de educação, didáticos e literários. Foi professora em Lambari, no Instituto de Educação de Minas Gerais e na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi colaboradora do Estado de Minas. É autora do clássico A Bonequinha Preta, que teve sucessivas edições desde 1938 e de O Bonequinho Doce. Foi a primeira mulher a assumir uma cadeira de vereadora em Minas Gerais. Casou-se com José Lourenço de Oliveira e teve quatro filhos. Faleceu em 6 de novembro de 2006, aos 102 anos.
A cidade
Lambari tem 19 mil habitantes e integra o Circuito das Águas, a 370 quilômetros de Belo Horizonte. A cidade teve sua fonte hidromineral descoberta em 1780. Era distrito de Campanha, com o nome de Águas Virtuosas da Campanha, até 1901, quando foi criado o município de Águas Virtuosas. O nome Lambari foi definitivamente adotado em 1930.