Obras de arte das mais importantes de Belo Horizonte estão fora de museus, galerias ou acervos particulares. Em vez de participar de exposições, ficar em vitrines ou ir a leilão, o belo e valioso acervo fica sobre jazigos e mausoléus no Cemitério do Bonfim, no bairro de mesmo nome, na Região Noroeste da capital, que está a um passo de se transformar em um grande museu a céu aberto. O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) concluiu o inventário em 18 das 54 quadras da necrópole, inaugurada em fevereiro de 1897, dez meses antes de o Arraial se transformar em capital de Minas. São estátuas e peças de estilos variados, como o neoclássico, uma forte influência clássica e até moderna, que expressam a história social e artística da cidade.
O levantamento começou em março do ano passado. As 658 peças catalogadas estão sendo revisadas para alimentar um banco de dados digital. Até o fim do próximo semestre o público terá acesso às informações pela página do Iepha na internet. A intenção do instituto é transformar a "cidade dos mortos" mais antiga da capital mineira em um grande polo turístico, assim como o Cemitério do Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina, e o Père-Lachaise, em Paris, na França. No Bonfim, apenas a capela do necrotério é tombada pelo patrimônio em nível estadual, desde a década de 1970. O reconhecimento das obras permitirá a elaboração de diretrizes de preservação de jazigos, mausoléus e peças de arte de valor histórico e artístico.
No Cemitério do Bonfim, a exuberância de obras de arte, como as do italiano Ettore Ximenes, encanta visitantes e alivia a dor daqueles que se despedem de um ente querido. Com forte inclinação para a temática mitológica, Ettore deixou sua marca registrada em belíssimos trabalhos na Itália, nos Estados Unidos (a imagem de Dante Alighieri, em Washington) e na Argentina. No nosso país, sua obra mais conhecida é o Monumento à Independência do Brasil, no Bairro Ipiranga, em São Paulo. Em Minas, ele deixou de herança um dos mausoléus mais suntuosos do Cemitério do Bonfim, que é o túmulo do ex-ministro da Marinha e ex-governador de Minas Raul Soares (1877-1924), com altar em bronze e granito.
O artista viveu e trabalhou no Brasil entre 1919 e 1926. De acordo com o analista de gestão, proteção e restauro do Iepha, André de Sousa Miranda, o túmulo de Raul Soares provavelmente foi uma das ultimas criações de Ettore Ximenes. Ele morreu em 1926, em Roma, na Itália, no mesmo ano da inauguração do túmulo de Raul Soares, dois anos depois da morte do político. “O túmulo foi feito a partir de um concurso público do Ministério da Marinha, no qual Ettore Ximenes, radicado em São Paulo, foi vencedor”, conta o pesquisador.
Em termos simbólicos, o túmulo de Raul Soares, na opinião de André, é o de maior complexidade, pois envolve um grande número de divindades clássicas, cada uma fazendo referência a uma característica associada ao sepultado. "São imagens em bronze, com os anjos segurando lamparina, significando os últimos respiros e a última chama da vida de Raul Soares nesse mundo, o aspecto simbólico o tempo todo associado à morte, ao além, ao rito de passagem, a uma nova vida", descreve.
O levantamento das obras começou em março de 2008, atendendo um pedido do Ministério Público, uma vez que o cemitério era invadido por ladrões para furtar crucifixos de metal, lápides inteiras em mármore ou granito. O material era vendido para ferros-velhos e marmorarias. "O Ministério Público notificou o Iepha para que fizesse um reconhecimento e verificasse a abrangência dos túmulos roubados. E o Iepha, a partir disso, começou esse levantamento, motivado também por uma demanda interna, que era o reconhecimento do entorno da capela mortuária, que é um bem tombado", disse André. Hoje, 19 guardas municipais se revezam fazendo a segurança do acervo.
Diversidade
Os técnicos do Iepha constataram vários tipos de materiais usados pelos artistas, como o granito, o bronze, e, em alguns casos, até o mármore de carrara. Mas um material chamou a atenção: a pedra-sabão, de altíssima qualidade. “Um escultor em especial trabalhava muito bem essa matéria-prima, o austríaco radicado em BH João Amadeu Mucchiut. Ele fazia parceria com muitas marmorarias, responsáveis pela construção dos túmulos ou jazigos. Mucchiut foi muito feliz na utilização da pedra- sabão, vinda de Ouro Preto", disse o pesquisador.
A obra símbolo de Mucchiut é um vaso com flores em pedra-sabão no jazigo da família Martinelli, na quadra 6, carneiro 6. "O material é tão bem trabalhado que à primeira vista se assemelha ao mármore de carrara. É uma pedra-sabão mais clara do que aquela que observamos hoje em Ouro Preto", disse André. A riqueza de detalhes da peça não deixa de atrair olhares dos visitantes e virou atração para artistas que vão ao cemitério especialmente para conhecê-la ou admirá-la.
Depois da revisão das 658 fichas, segundo o analista do Iepha, o banco de dados sobre o Bonfim será ampliado. "Esse foi apenas um piloto, mas um piloto já de 30% do cemitério, fazendo todo um registro. Depois de revisado, será planejada uma segunda etapa", acrescentou.