Gerais

Insetos ameaçam patrimônio histórico

Gustavo Werneck

Há seis anos, quando começou o restauro na igreja Noosa Senhora do Carmo, no Serro, peças sacras estavam infestadas de cupim
O que sempre foi motivo de preocupação das comunidades e, muitas vezes, até visível a olho nu agora tem comprovação científica. Pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata, traz dados alarmantes sobre o patrimônio cultural brasileiro: 100% das edificações de relevância histórica, principalmente igrejas e casarões, estão ameaçadas pelos cupins, carunchos, traças, brocas e outros insetos xilófagos que devoram as madeiras centenárias. Há mais de 20 anos estudando o assunto, o professor e engenheiro florestal Norivaldo dos Anjos, do Departamento de Biologia Animal da UFV e coordenador do Laboratório Casa dos Cupins, adverte que, se não forem tomadas medidas urgentes e eficazes, o país perderá, no máximo em 50 anos, os acervos dos séculos 17, 18 e 19, que guardam a memória, atraem turismo e podem se transformar em pó. “Muitas vezes, a situação é séria e grave”, afirma.


Até fevereiro, Norivaldo vai entregar um diagnóstico sobre a situação de monumentos de cidades mineiras à Procuradoria-geral da República, em Belo Horizonte, e ao Ministério Público Estadual (MPE), mais especificamente ao promotor de Justiça de Ouro Preto, Ronaldo Crawford. Por ter um dos maiores e mais importantes conjuntos históricos do país, Minas apresenta grandes problemas, adianta o pesquisador. No relatório, feito por solicitação de Crawford, estarão incluídas informações sobre Ouro Preto, Mariana e Congonhas, na Região Central de Minas; Diamantina e Serro, no Vale do Jequitinhonha; e São João del-Rei e Tiradentes, no Campo das Vertentes.

O quadro é sombrio também em cidades do Maranhão, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, onde a equipe da UFV, coordenada pelo professor Norivaldo, fez pesquisas, diagnósticos e deu assistência para desinfestação e imunização das madeiras. “O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem cerca de 30 mil imóveis tombados no país e a maioria deles está infestada de cupins e outros insetos xilófagos. Constatamos isso no Projeto Pelourinho, em Salvador (BA), de 1997 a 1999, em 800 edificações, além da Catedral e nas igrejas do Bonfim e da Vitória, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Cuiabá (MT) e outros.” O Laboratório Casa dos Cupins é considerado referência pela Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).

O ataque às madeiras do patrimônio cultural brasileiro vem de longa data, diz o professor, destacando que, antes, não havia ações dirigidas para a desinfestação. “A restauração de igrejas, capelas, casarões e outros prédios não contemplava essa parte, portanto, os insetos continuavam a fazer os estragos. Em muitos dos monumentos, as obras de arte expostas não são as originais, já que as primeiras foram destruídas pelos cupins e tiveram que ser substituídas. É fundamental que, nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, essa questão seja prioridade ”, diz Norivaldo.

RISCO PERMANENTE A ação silenciosa dos cupins, carunchos, traças e brocas se torna um risco permanente para os acervos colonial e dos tempos imperiais. Norivaldo dos Anjos explica que, todos os anos, em especial no período mais quente, há uma revoada de insetos, que entram nas edificações, se instalam, se reproduzem e agem nos pontos mais vulneráveis – as madeiras. Favorecem a proliferação dos bichos fatores como a umidade e a falta de fiscalização constante. “É preciso estar sempre atento, fazer vistorias, usar madeiras resistentes, como o cedro-rosa, e não introduzir peças ou obras de arte antes da desinfestação”, ensina.

Para salvar o acervo, garante o professor, a medida é radical, sendo necessária uma ação completa de desinfestação, que significa matar os insetos xilófagos, imunizar todas as peças com produtos químicos e manter as medidas complementares a exemplo de vistoria permanente e manutenção dos serviços. Em Ouro Preto, a 95 quilômetros da capital, cidade reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a equipe já fez trabalhos na imunização dos suportes de madeira das igrejas de Santa Efigênia, do Rosário, São Francisco e Nossa Senhora do Carmo e tem projetos para a Matriz de Antônio Dias, Igreja de São Francisco de Paula e Museu da Inconfidência, no Centro Histórico.

O promotor de Justiça de Ouro Preto, Ronaldo Crawford, instaurou inquérito para apurar a situação de degradação do patrimônio da comarca, e aguarda o diagnóstico da Universidade Federal de Viçosa para as tomar providências cabíveis. “Entregue também ao Ministério Público Federal, o relatório será um instrumento importante e oportuno para a proteção dos bens culturais no Brasil”, acredita Crawford.