Em 30 de junho de 1963, as seis linhas remanescentes de bondes em Belo Horizonte fazem sua última viagem e os trilhos são retirados das ruas. Simbolicamente, significava o ponto final do modal de transporte, considerado obsoleto. Em contrapartida, a chegada do progresso com a propagação dos automóveis era sinônimo de status, desde já e para sempre. Apesar das reclamações a respeito da lotação e de problemas corriqueiros, os belo-horizontinos mal sabiam que, quase cinco décadas depois, o sistema articulado e longe dos engarrafamentos monstruosos da metrópole de mais de 1,2 milhão de veículos poderia ser modelo para um novo sistema de transporte na capital.
Um dos motivos para a falência dos bondes e sua substituição foi a falta de investimento público, diz a pesquisadora e diretora do Arquivo Público de Belo Horizonte, Maria do Carmo Andrade Gomes. "BH já foi moderna. Existia uma política pública apropriada", afirma a autora do livro Omnibus: Uma história dos transportes coletivos em BH. Em 1947, os trilhos somavam 73 quilômetros e os veículos carregavam 73 milhões de passageiros/ano, mas, a data representa também o início da decadência do transporte, pouco a pouco substituído pelos ônibus, trólebus e o trem metropolitano.
Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, o sistema de bondes era o principal modal, mas os ônibus e os trólebus, a partir de 1953, tinham coparticipação no transporte público. Cada um atendia a determinada demanda. E, reafirmando o entendimento dos principais conhecedores de engenharia de tráfego e transportes, a pesquisadora considera o formato intermodal o ideal para desafogar o trânsito. "A alternativa é aliar todos os modelos", diz ao citar o exemplo de Paris: "Lá ainda tem bonde. E as mulheres chiquérrimas andam de metrô", afirma.
Lembranças
Os amigos João Gualberto, Antônio Macedo, Geraldo Luiz, Lineu Prado, Adão Pinho Tavares e Romeo Scorza, todos com mais de 70 anos, eram craques no esporte mais praticado pelos moleques: salto do bonde em movimento. Era preciso categoria para descer sem pagar a passagem. “Domingo de manhã, a gente pegava a linha Santo Antônio, depois do Minas, descia a Rua da Bahia e no Viaduto Santa Tereza, quando o motorneiro reduzia a velocidade, era tentar a sorte no pulo e seguir andando de costas”, relembra Gualberto.
Mas, nem sempre era preciso abusar da malandragem. A educação também valia uma viagem grátis. “Se entrasse uma senhora, imediatamente a meninada levantava. Essa gentileza não se tem hoje. Em retribuição, quase sempre a senhora pagava a nossa passagem”, diz um dos senhores.
Hoje, as recordações são os slogans das campanhas publicitárias que eram estampadas nos bondes. “Pílulas de vida do Dr. Rossi. Fazem bem ao fígado de todos nós”, dizia a frase estampada de uma farmácia ou o anúncio de uma casa lotérica: “Você era criança e o Giacomo já vendia sorte grande”.