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Estado de Minas

Faop recupera documentos manuscritos sobre irmandade religiosoa


postado em 29/08/2010 07:12

A estudante Elis Furlan é uma das responsáveis pela conservação dos manuscritos que pertenceram à Associação Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, de Barbacena, na Região Central de Minas(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
A estudante Elis Furlan é uma das responsáveis pela conservação dos manuscritos que pertenceram à Associação Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, de Barbacena, na Região Central de Minas (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
A manhã gelada não impede que a estudante Elis Furlan, de 23 anos, dê um revigorante banho de água fria em parte importante da história de Minas. Com o cuidado típico dos restauradores, ela mergulha, um a um, papéis de mais 200 anos numa solução que contém álcool e detergente especial. Nessa limpeza, ela contribui para tornar legíveis e duradouros documentos dos séculos 17, 18 e 19 pertencentes à Associação Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, de Barbacena, na Região Central.

Enquanto faz o trabalho técnico de conservação, a jovem afirma estar diante de um pequeno tesouro, dono até de um nome meio misterioso para leigos: códice. Por isso, vez ou outra, munida de lupa, Elis observa os manuscritos encadernados, feitos de papel de trapo – linho, algodão ou cânhamo – e preenchidos com tinta ferrogálica, em uso até a década de 1920. Traduzindo em miúdos, são letras escritas com material à base de ferro que, ao longo do tempo, oxida e corrói a folha. “É uma tarefa de paciência, podemos ficar um dia inteiro cuidando de duas páginas”, conta a estudante.

Ao lado de outros nove jovens, Elis, natural de Leme (SP), conclui o curso do Núcleo de Conservação e Restauração da Escola de Arte Rodrigo Mello Franco de Andrade, da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), vinculada à Secretaria de Estado de Cultura. E, na reta final, não poderia ter melhor material didático que os sete documentos em restauro sob orientação do professor Demilson Malta Vigiano. Ele explica que todas as irmandades religiosas tinham os seus códices, palavra originária do latim (codex), que significa livro ou bloco de madeira: “Na Europa, são todos os livros de manuscritos anteriores à imprensa, inventada, no século 15, pelo alemão Johann Gutemberg (1397-1468). Já no Brasil, códices são aqueles encadernados até 1850”.

Nesses cadernos, com ou sem capa de couro, há toda sorte de registros, diz a coordenadora do Núcleo de Conservação e Restauração da Faop, Carla Santana. Ela cita receitas e despesas das irmandades, inventário do acervo (esculturas, imagens, mobiliário etc), informações sobre óbitos, casamentos e nascimentos, enfim, todos os dados cotidianos sobre as atividades das associações. “Se agora nas mãos dos alunos os códices se tornam preciosa ferramenta de aprendizagem, no futuro próximo serão de extrema utilidade para estudiosos. A conservação do suporte, portanto, é peça fundamental para a pesquisa”, diz Carla. O serviço iniciado há um ano vai terminar em dezembro. “É um dos trabalhos de formatura da turma”, diz Demilson, tendo à mão um volume de 400 folhas, usado de 1795 a 1822.

Orgulho e curiosidade

Os principais envolvidos no projeto estão entusiasmados, a exemplo de Sarah Fazzenaro, de 27, natural de Araras (SP) e formada em história. “Estou muito orgulhosa em participar, pois se trata de uma tarefa que valoriza os lados profissional e pessoal e aguça a minha curiosidade”, acredita. Foi numa das aulas que ela descobriu uma anotação feita no início do século 19 e esquecida dentro de um dos códices . “Alguém estava lendo o documento e escreveu ‘Oh!’, ao ler que uma pessoa, para ingressar na irmandade, dera um jumento como pagamento. O espanto era porque, na época, o preço do animal era alto, o equivalente ao de um carro hoje. O mesmo leitor sublinhou o manuscrito, algo que não se pode fazer com um livro”, afirma a estudante.

Ao apresentar um dos códices ao aluno Arthur Francisco da Silva, de 21, morador de Ouro Preto, Demilson mostra que, no livro-caixa, todas as folhas foram rubricadas pelo escrivão Agostinho Pitta de Castro, e algumas contêm marca d’água. Para o estudante, participar da recuperação de um códice significa oportunidade única, diante da dificuldade de ter esse tipo de documento à disposição. “Essas iniciativas são relevantes para valorizarmos o patrimônio e buscarmos sempre a conservação”, comenta o rapaz, admirado com uma página que traz, em cor, o desenho da coroa de Nossa Senhora, e as letras iniciais de Maria.

Rasgos e mofo

Ao chegar à Faop, que banca os custos de restauro, os documentos seculares apresentavam rasgos, mofo, degradação por fungo e pela ação do tempo, embora sem muitos ataques de insetos. No processo de recuperação, entra uma série de procedimentos, começando com a higienização com pincel macio e atenção máxima à numeração das páginas. Na sequência, a equipe desmonta o caderno para, então, mergulhar as folhas, intercaladas com um tela fina, numa solução aquosa composta por detergente laboratorial e álcool. “Qualquer papel é muito resistente à água. Fazemos isso para retirar resíduos, partículas e sujeiras”, revela o professor Demilson. As próximas etapas incluem estabilização da tinta ferrogálica, com produto antioxidante, desacidificação e, finalmente, pôr para secar em prateleiras. Depois disso, é feita a reconstituição das páginas que sofreram perda de papel.

A Associação Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte tem mais de 250 anos e foi criada por autorização de Dona Maria I (1734-1816), rainha de Portugal, conforme documento guardado na Paróquia de Nossa Senhora da Assunção (Igreja Matriz da Boa Morte), de Barbacena. O pároco Daniel Marcos Lima está satisfeito com o restauro, certo de que, assim, se preserva parte da história da cidade e também de Minas. “Venho acompanhando o trabalho e vejo a Faop executar um bom serviço. Nesses documentos, está a vida da irmandade”, diz padre Daniel.

Capacitação


Com 40 anos de atuação, aprovado e reconhecido desde 2002 pelo Ministério da Educação (MEC), o curso técnico de restauração da Faop forma profissionais em escultura policromada, papel e pintura de cavalete. O processo seletivo ocorre a cada semestre. Em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, via Programa de Educação Profissional (PEP), a fundação oferece 60 vagas gratuitas para os turnos da manhã, tarde e noite. As próximas inscrições para cursos deverão ser em dezembro. Informações: (031) 3552-2480.


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