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Estado de Minas

Festa de halloween traz figuras de nossas lendas para preservar tradições culturais


30/10/2010 08:10

Ainda pequena, Eleni conheceu a saga das tropas nos sertões de Minas e no Dia das Bruxas incentiva a criançada a valorizar as tradições brasileiras(foto: Cristina Horta/EM/D.A press)
Ainda pequena, Eleni conheceu a saga das tropas nos sertões de Minas e no Dia das Bruxas incentiva a criançada a valorizar as tradições brasileiras (foto: Cristina Horta/EM/D.A press)


Ipoema – Neste distrito de Itabira, a 85 quilômetros de Belo Horizonte, a menina Eleni Cássia Vieira, filha e neta de tropeiros, observava, da janela de sua casa, a passagem das tropas. Gostava de apreciar a movimentação dos tropeiros na hora de preparar e saborear a comida. O tempo passou, Eleni foi estudar e trabalhar fora, até que a saudade e o desejo de trabalhar pela comunidade falaram mais alto e ela voltou a Ipoema, em 1999. O objetivo principal: resgatar os valores locais.

Mesmo quando estava longe, a presença de Ipoema, caminho das tropas, era forte na vida de Eleni. Tanto que ela decorou e recita até hoje trechos da poesia A cruz da estrada, de Castro Alves, aprendida na escola e que, não por acaso, fala de estradas e viagens: “Caminheiro que passas pela estrada, seguindo pelo rumo do sertão, quando vires a cruz abandonada, deixe-a em paz, dormir na solidão”.

As lembranças de Eleni se sucedem: “O ar ficava impregnado do cheiro agradável quando fritavam o torresmo. Meu avô tinha um quarto de tropeiro dentro de casa, com todos os objetos da tropa. E eu tinha o prazer de limpar as botas do meu pai e do meu avô quando eles chegavam de viagem”. Cada vez que ela visitava Ipoema, as recordações se misturavam à observação de que aqueles valores poderiam se perder.

“Quando voltei, as pessoas estavam destruindo fogão a lenha para trocar por gás. Eu falava: “Gente, vocês estão tirando a chama da vida de suas casas”. Elas diziam para a visita que não tinha nada gostoso para oferecer e as quitandas estavam borbulhando. As pessoas achavam que gostoso era oferecer biscoito industrializado”, diverte-se Eleni, que lançou imediatamente mãos à obra.

O primeiro grande resultado foi a instalação do Museu do Tropeiro, que virou realidade em 2003, com investimento da prefeitura, depois de um grande trabalho de recolhimento de peças que remetiam aos tempos áureos do tropeirismo. Inaugurado o museu, por intermédio dele Eleni começou a implantar projetos variados, sempre no sentido de recuperar e preservar valores locais.

Ela cria projetos aos montes. Em todos os sábados de lua cheia, a rua em frente ao museu é interditada para a realização do Roda de Viola, evento já tradicional, que resgata antigas modas de viola, como a que fica estampada na parede do museu: “Maria, por caridade, não ama tropeiro, não. Tropeiro é homem bruto, bicho sem combinação. Maria, escuta o conselho, sossega seu coração”.

Um dos mais emblemáticos entre os projetos de Eleni é o Dia do Saci, versão brasileira do Dia das Bruxas americano, que envolve a meninada de Ipoema. “Eu não me sentia bem vendo a energia daquela festa em ambiente escuro”, diz ela, referindo-se ao halloween. Por outro lado, ela se encantava com o Saci, bem brasileiro e que, na avaliação dela, tem uma energia leve em sua característica de protetor das florestas. “Como deixar este personagem morrer em troca de uma festa que não é nossa?”, indaga.

Por causa da eleição, amanhã, a festa este ano será na quinta-feira, dia 4, com 400 crianças. O tema fará referência a personagens do Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato. Cada sala de aula vai representar um personagem, como Dona Benta e Visconde de Sabugosa. “Nossa proposta é não deixar que a população seja massacrada pelo halloween, que não é uma marca de nossa identidade”, explica a líder.

A lista de projetos de Eleni é longa. Ela aprendeu com o pai a tocar berrante. Então, criou a Comitiva do Berrante. Para trazer de volta o som dos chicotes batendo contra as pedras do calçamento, foi criado o grupo dos Estaladores de Chicote, que tem crianças e adultos manuseando o chicote como os antigos tropeiros. Os Meninos Trovadores recitam poemas do conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, que fazem referência ao mundo rural. E As Lavadeiras de Ipoema resgatam velhas cantigas da região, com coreografia que lembra o movimento das mulheres lavando roupa às margens do rio.

No Natal, são as Pastorinhas que ganham as ruas. Todas as quintas-feiras tem Cinema no Museu. Às quartas, é a vez do Varal Literário, em que estudantes da comunidade apresentam redações e desenhos com temas relacionados ao período do ano. Em agosto, houve desenhos e textos sobre a lenda da mula sem cabeça. Em todas as atividades, a preocupação com a preservação ambiental está presente.

Eleni não para, porque quer ver as tradições bem vivas. “Eu sempre me inspirei nas mulheres guerreiras e sempre acreditei na cultura como força de identidade. Para acabar com uma comunidade, basta tirar a história dela”, ensina.


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