Estamos em 4 de fevereiro de 1971. Perto do fim da manhã, boa parte dos operários já tinha tomado suas marmitas às mãos, quando o mundo desmoronou. Nesse dia, às 11h30, uns davam as primeiras garfadas, outros aproveitavam para tentar descansar, mas, aos gritos dos jogadores de truco, cochilar era quase impossível. De repente, um estrondo. Em poucos minutos, o Pavilhão de Exposição da Gameleira veio abaixo, matando 69 operários, na maior tragédia da construção civil brasileira. Hoje, passados exatamente 40 anos do desastre, famílias de operários ainda se veem às voltas com uma disputa judicial em busca de indenizações.
Os processos se arrastam nos tribunais e pelo menos um terço das famílias das vítimas tenta obter uma manifestação favorável, dentro de parâmetros considerados justos. O governo estadual, até ontem, não conseguiu precisar quantos foram indenizados. À época do acidente, Vanderlei Alves da Silva tinha só 5 anos e, assim como os cinco irmãos e a mãe, era sustentado pelo pai, João um dos mortos. O episódio obrigou a mãe a lavar roupas para ajudar no custeio doméstico. A família dele é uma das que brigam na Justiça, a cada recurso interposto pelo Estado diante de uma decisão liminar. “Indenização nunca vai amenizar a dor, mas pode garantir um futuro diferente para a família”, afirma Silva.
No dia do desabamento, 512 trabalhadores haviam batido cartão. Era uma quinta-feira. O registro de 69 mortos é restrito aos corpos resgatados dos escombros, depois da queda da laje de quase 10 mil toneladas no pavilhão projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. O número de vítimas não inclui os óbitos posteriores, nos hospitais. Houve pelo menos 100 feridos. A perícia constatou falha técnica.
Futuro
Há cerca de 15 anos, Silva afirma ter recebido a proposta de uma indenização aproximada de R$ 15 mil, que a advogada o orientou a recusar. “Era uma humilhação, que jamais iria mudar nossa vida.”
O valor pedido por ele – quantia não detalhada, segundo a defensora, para não interferir no processo – seria o equivalente “a algo que pudesse garantir o futuro dos filhos.”
Até os herdeiros completarem a maioridade e ganharem condições de ajudar em casa, os Silva não tinham nem onde morar, dependendo do auxílio de terceiros para pagar o aluguel e comprar comida. “Vivíamos de favor e, nessa situação, tem que ficar calado, aceitando tudo”, recorda Vanderlei, hoje com 44 anos.
Seguindo a mesma profissão do pai, trabalhando como pedreiro da construção civil, ele queria ter a chance de pagar os estudos de Erlândio, de 22, Héverton, de 19, Franciele, de 13, e Gustavo, de 5. Os dois mais velhos já trabalham para complementar o orçamento familiar.