Jornal Estado de Minas

Muro de pedra na Serra do Curral pode ser argumento para proteção do patrimônio

Gustavo Werneck

População quer que bem cultural seja protegido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) - Foto: Euler Junior/EM/D.A Press

A Serra do Curral é muito mais do que símbolo de Belo Horizonte, cartão-postal cheio de charme e testemunha do crescimento urbano. De forma surpreendente, por ser alvo de tanta degradação, atividades minerárias e especulação imobiliária, ela ainda guarda tesouros escondidos e prontos para desafiar pesquisadores e autoridades do patrimônio cultural. É o caso de um muro de pedras, com mais de dois quilômetros de extensão, que se estende no alto da Região Leste e agora recebe atenção especial do Ministério Público Estadual e do Laboratório de Arqueologia da UFMG, a pedido de um grupo cultural e ecológico do Bairro Saudade. Há várias hipóteses para a existência do monumento e, por enquanto, apenas uma certeza: se estudado a fundo, o muro poderá lançar mais luzes sobre os primórdios da cidade, nos tempos do Arraial de Curral del Rey, e fortalecer a história de BH desde então.

Ver de perto o muro de pedras da Serra do Curral, depois de uma caminhada bem puxada morro acima, está próximo de uma emoção forte. E inesquecível. Num dia de sol pleno, como ocorreu na quarta-feira, é como se Belo Horizonte resplandecesse, ao longe, protegida por uma muralha de hematita entremeada por flores roxas e amarelas e os cáctus típicos da vegetação no Quadrilátero Ferrífero. Empenhado na defesa desse patrimônio histórico e paisagístico, o Movimento Comunitário, Cultural, Esportivo e Ecológico Saudade e Adjacências, da Região Leste, buscou apoio no Ministério Público Estadual (MPE), via Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico/MG (CPPC), pedindo providências a favor do tombamento e contra as ameaças de degradação. De imediato, o promotor de Justiça e coordenador do CPPC, Marcos Paulo de Souza Miranda, organizou uma expedição ao local, incluindo a sua equipe de historiadores e um arqueólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Queremos que o bem cultural seja protegido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e pelo Município de Belo Horizonte. Somente assim teremos garantia de que será preservado”, diz o presidente do movimento, o médico Marco Antônio de Oliveira Zocrato. Conhecedor do monumento desde menino, ele e os demais integrantes do grupo, criado há um ano e meio, editaram o livro Clamor social pela vida! Serra do Curral, território e cercanias, no qual mostram a natureza do trecho denominado Média-Baixa Serra do Curral, entre as regiões Centro-Sul e Leste, com suas nascentes, vegetação e sítios. “Estamos organizados para defender esse tesouro escondido, que representa um lado abandonado da história de nossa cidade”, proclama o médico.

Para Zocrato e seus parceiros de luta pela preservação, a hipótese mais provável é que o muro de pedras seja remanescente do primeiro povoamento surgido no início do século 18, tendo à frente o bandeirante paulista João Leite da Silva Ortiz (1674-1730), no lugar onde, quase 200 anos depois, em 1897, a capital seria inaugurada. O monumento, com cerca um metro de altura ao longo de mais de dois quilômetros de extensão, seguido de um valo, com cerca de dois metros de profundidade, teria sido usado como curral oficial da coroa portuguesa, para o gado que vinha do Vale do Rio São Francisco em direção à região das Minas. Ortiz era dono da Sesmaria do Cercado, no tempo em que a Serra do Curral ainda tinha o nome de Serra das Congonhas.

LAUDO O promotor de Justiça Marcos Paulo ficou entusiasmado com o monumento, mas também se assustou ao ver lixo espalhado pelo chão, pedras retiradas do muro para dar passagem a motos de trilha ou usadas para demarcar, sob uma árvore, em forma de círculo, uma área de cultos religiosos. De imediato, solicitou ao arqueólogo Carlos Magno Guimarães, do Laboratório de Arqueologia da UFMG, que o acompanhou na visita, um laudo técnico sobre a construção, para, na sequência, tomar as providências necessárias. “Se ficar comprovado que o sítio é realmente daquele época, será o único vestígio, desse tipo, da Sesmaria do Cercado”, acredita o coordenador do CPPC.

Parte da Serra do Curral está sob proteção municipal desde 1991, com retificação em 2002, e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1960. Para Marcos Paulo, é fundamental que o Iphan delimite os perímetros de tombamento e de entorno do conjunto paisagístico da serra e do Pico Belo Horizonte, conhecido pela população como Piquinho. Em setembro, a Justiça Federal determinou que o serviço fosse feito em caráter emergencial e preventivo, em base georreferenciada, em ação ajuizada em conjunto pelos ministérios públicos Federal e Estadual.

O Iphan vem recorrendo na Justiça e informa que considera importante a delimitação de tombamento da Serra do Curral, mas há outras ações mais urgentes. Existe uma grande demanda de intervenções, segundo o órgão, embora os recursos materiais e humanos sejam limitados. Dessa forma, foram estabelecidas prioridades de atendimento, ficando como primeiros da fila os bens com maior risco de danos irremediáveis.