“A comunidade nos denunciou alguns casos de transgressões dos policiais no cumprimento do dever e a Corregedoria trabalha para identificar mais cinco nomes”, afirmou o chefe do Comando de Policiamento Especializado, confirmando a série de denúncias. Ao todo, nove militares são investigados. Os outros quatro, supostos autores das execuções dos dois inocentes na madrugada de sábado, também são investigados e, enquanto durar o inquérito, ficarão afastados.
Apesar da presença constante de mais de 100 PMs nas ruas e becos do maior conjunto de favelas de Belo Horizonte, a população, ainda assim, se sente acuada e tem medo de represálias tanto por parte de traficantes quanto de militares envolvidos no esquema de milícia. Equipe do Estado de Minas percorreu a pé ruelas e becos do aglomerado e, enquanto deputados e vereadores discursavam na Praça do Cardoso, na área central do conjunto de favelas, em outras partes o clima ainda é de muita desconfiança em relação ao que vai ocorrer depois que o morro for desocupado e a imprensa tirar a Serra do foco.
“No fim de semana, os homens vão arrepiar lá. Não vai ficar assim”, diz o garçom L.A.S., que morava na Serra e, ontem, atendeu ao pedido dos três filhos e os tirou da favela, levando-os para sua casa no Barreiro. “Os meninos estão com muito medo e me ligaram, anteontem à noite, pedindo para ficar uns dias comigo fora do morro”, relata o garçom, que conviveu por muitos anos com a família de Jeferson, tendo, inclusive, estudado na Escola Estadual Professor Pedro Aleixo com Renilson. Ele só deixou o aglomerado depois de se separar da mulher.
A situação do líder comunitário Paulo (nome fictício) é ainda mais grave. Depois de denunciar ao EM todo o esquema de formação de milícia no morro, ele recebeu dois telefonemas ameaçadores e decidiu passar uns dias na casa da mãe, até o clima amenizar. “Eles não vão deixar barato, mas é preciso enfrentar, mesmo com o medo.” Ele diz ainda que, se passar uma noite em casa no aglomerado, tem medo de ser assassinado. Ele foi um dos que, na noite de domingo, ouviram policiais do Rotam passar por ruas do morro gritando com fuzil na mão: “Quem abrir a boca vai morrer. Nós vamos matar mesmo’”.
Duas novas denúncias relatadas por moradores às autoridades é que PMs comandariam o esquema de exploração de máquinas caça-níqueis e, sob ameaças, aliciavam jovens recém-libertados da prisão para envolvê-los no tráfico de drogas. Quanto às máquinas de jogo eletrônico, a denúncia foi feita à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia e policiais seriam donos dos caça-níqueis instalados em bares do aglomerado.
Apelidos
Entre os policiais investigados estão dois identificados só por apelidos: os PMs Cabeça de Repolho e Pica-pau – o primeiro, inclusive, seria chefe de uma boca de fumo no Alto Vera Cruz. Os dois estariam diretamente envolvidos no esquema de milícia no morro, denúncia em apuração na Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais. “Identificamos três pessoas apelidadas de Repolho na PM em três batalhões da capital. Por isso, devemos investigar um pouco mais para não pegarmos um inocente. Mas não é muito complicado”, afirmou o coronel Antônio Pereira Carvalho, chefe do Comando de Policiamento Especializado (CPE). A facilidade se dá porque um deles está lotado no 22º Batalhão – os outros dois estão no 16º e no 1º –, este responsável pelo patrulhamento na região. Além disso, Repolho andaria a tiracolo com um comparsa da PM identificado como Lázaro, o que também é confirmado por Carvalho. Outro investigado é conhecido como Leocádio.
O que dificulta a identificação dos policiais é que, muitas vezes, para subir os morros eles tiram da farda a tarja com seus nomes e, assim, passam a ser chamados pelos moradores por apelidos. “Nos passaram apenas codinomes ou apelidos. Por isso, não temos como afirmar ainda a qual batalhão eles pertencem”, disse o ouvidor de polícia Paulo Alkimin.