Jornal Estado de Minas

Nem a polícia inibe abusos na Avenida Afonso Pena durante a madrugada

Flávia Ayer Landercy Hemerson

O movimento de prostitutas e travestis foi intenso na madrugada de ontem, mesmo com a presença de militares na área nobre da capital - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press

Nem a combinação de reforço policial, chuva e o medo pelo assassinato nesta semana de um travesti com nove tiros, na Avenida Afonso Pena, foi capaz de afastar, na madrugada fria de sexta-feira, transtornos que vêm a reboque da prostituição no principal corredor de trânsito do Centro e Região Centro-Sul da capital. Lado a lado da ação de militares, que desde a noite de quinta-feira intensificaram a presença na via, o Estado de Minas flagrou cenas de sexo em veículos estacionados nas ruas próximas, pessoas urinando em calçadas sem qualquer pudor, além de shows de exibicionismos de travestis e indícios do comércio de entorpecentes. A boa notícia é que, depois de tratar a execução do homossexual, por suposto envolvimento com tráfico de drogas, como pontual, a Polícia Militar (PM) mudou de posição e decidiu acionar seu sistema de inteligência para atuar em conjunto com a Polícia Civil e se reunir com a comunidade para tentar devolver a tranquilidade de quem vive próximo à avenida.

Esse trabalho exigirá perspicácia e empenho da corporação, pois não faltam artimanhas para driblar o cerco policial no mais famoso reduto de prostituição da cidade. Na madrugada de sexta-feira, as luzes da viatura eram o alerta para infratores se esconderem. Muitos dos “fugitivos” são adolescentes, que, a todo momento, são vistos entregando pequenos pacotes a garotas de programa e travestis, um forte de indício do tráfico de drogas. Na Praça ABC, no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Getúlio Vargas, a um quarteirão do Departamento de Investigação Antidrogas da Polícia Civil, um jovem, aparentando ser menor de 18 anos, ficou horas em comportamento suspeito, próximo a uma suposta prostituta, vestida de roupa de couro. A todo momento ela ia até o rapaz para conversar ou pegar algo.

A prostituição no alto da Avenida Afonso Pena fica evidente a partir das 22h, quando começam a surgir os grupos de travestis, a maioria ocupando o lado da via no sentido bairro/Centro. O ponto de maior concentração é entre as ruas Maranhão e Piauí, onde o travesti Gustavo Brandão de Aguilar, de 22 anos, foi assassinado quarta-feira. São pelo menos 14 quarteirões de “ofertas” para clientes, que chegam em carros populares ou em luxuosos esportivos importados.

Estudante universitário, o travesti V., de 27 anos, conta que a clientela é diversa. “Funcionário público de alta posição, empresário, religioso, solteiro ou casado, eles querem apenas prazer", explica o rapaz, que cobra a partir de R$ 20 por sexo oral na rua. “Há cliente que, com medo, quer fazer sexo oral com o carro em movimento. Mas há sempre um local discreto, em que se pode fazer o que for sem prejudicar ninguém." Conforme a denúncia de moradores e o relato de V., o EM comprovou que os programas podem ser feitos em via pública, sendo as ruas mais escuras os destinos preferidos.

Um jovem que dirigia um Voyage modelo novo, de cor verde-escuro, apanhou um travesti na Afonso Pena, na esquina com a Rua Maranhão, próximo ao Corpo de Bombeiros, e seguiu para a Rua Inconfidentes. O jovem, que aparentemente já era cliente do homossexual, escolheu um ponto escuro da rua para estacionar o carro. A vaga eleita para o programa se situa bem em frente a um prédio residencial e o detalhe é que a janela do veículo ficou aberta. Momentos antes, o mesmo travesti protagonizava um show de exibicionismo, com à genitália à mostra em plena avenida.

Ações

O comando do 1º Batalhão da PM, que divide com o 22º BPM a responsabilidade pela vigília da área, promete agir para controlar abusos decorrentes da prostituição e do tráfico de drogas na Afonso Pena. De acordo com a tenente Débora Santos, assessora de comunicação do Comando de Policiamento da Capital (CPC), além da viatura exclusiva rondando a avenida, homens do serviço de inteligência da PM vão atuar em conjunto com policiais civis para identificar traficantes. Segundo a PC, o Departamento de Investigação Antidrogas trabalha em investigação sigilosa para fechar o cerco ao comércio de entorpecentes na Afonso Pena.

Além do trabalho investigativo, a PM convocará representantes de bairros próximos à Afonso Pena para traçar estratégias de combate ao tráfico de drogas, atos obscenos e brigas bem debaixo da janela dos cidadãos. De acordo com o comandante do 1º BPM, tenente-coronel Márcio Cassavari, os moradores serão também convidados a fazer parte do Conselho Comunitário de Segurança Pública. “Depois do carnaval, vamos chamar a comunidade e buscar soluções para esses problemas”, afirma o comandante, que até a noite ainda não tinha o balanço completo das ações na madrugada de sexta. Numa lista preliminar, houve a apreensão de um carro com documento irregular, o cadastramento de prostitutas e travestis e identificação de usuários de drogas.

O 22º BPM, que começou sexta-feira operação especial de fim de semana na Praça do Papa, no Bairro Mangabeiras, na Região Centro-Sul, depois de denúncias do EM sobre violações da lei do silêncio e abuso de drogas no cartão-postal, também promete estender as ações ao trecho da Afonso Pena entre a Praça da Bandeira e a Praça Milton Campos. “Rotineiramente, faremos a abordagem de pessoas e veículos suspeitos e quando moradores verificarem algum crime, como atos obscenos”, afirma o Capitão Washington Mendes Pereira, comandante da 127ª Companhia, do 22º BPM.

As iniciativas acendem a esperança da comunidade. “Estamos abertos à polícia e esperamos que não sejam apenas medidas temporárias, mas soluções permanentes”, afirma o presidente da União das Associações de Bairro da Zona Sul, Marcelo Marinho Franco.