O engenheiro civil C.J., de 37 anos, que está em tratamento contra o vício em crack na comunidade terapêutica Terra da Sobriedade, em Venda Nova, Belo Horizonte, acredita que a droga está cada dia mais inserida nas classes altas da sociedade. Ele conheceu a perigosa pedra no período em que cursava faculdade em São Paulo. “Tive o primeiro contato com o crack nas baladas da capital paulista. No início pensava que tinha o controle sobre a pedra. Mas isso é uma ilusão. O crack domina você muito antes de você ter o domínio sobre ele”, relata C.J., que depois de admitir a derrota para a pedra procurou ajuda e atualmente, está na fase final do tratamento. E ele comemora outra vitória: passou no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais e pretende traçar um novo caminho em sua vida.
No intuito de reforçar as armas na luta contra o crack em Minas Gerais, a Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) receberá até o mês de maio um dos seis Centros Regionais de Referência em Crack e Outras Drogas (CRRs) previstos para o estado. No país, serão 49 centros que vão formar e qualificar funcionários do Sistema Único de Saúde (SUS). Os CRRs integram o conjunto de medidas adotadas pelo Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em 2010, pelo governo federal.
No total, mais de 14,5 mil médicos, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários, participarão de cursos em 844 municípios e 19 estados. O objetivo é prepará-los para lidar e tratar dependentes químicos e suas famílias. O crescimento constante no número de drogadictos e a disseminação do crack entre todas as classes sociais despertam a atenção e preocupação das autoridades.
Somente no Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), o número de atendimentos a dependentes químicos do ano passado praticamente dobrou em relação a 2009. Foram 2.200 dependentes que buscaram tratamento em 2010, contra 1.118 em 2009. Um crescimento de cerca de 96%. “Não sabemos ainda o número preciso de usuários, até porque muitos não buscam tratamento. Mas o aumento no número dos que procuram é um indício preocupante”, diz a diretora do centro, Raquel Martins. Do total de pacientes atendidos na instituição, cerca de 40% têm o crack como principal dependência. Em seguida vêm o álcool, a cocaína, a maconha e outras substâncias.
Assim como as outras universidades, a UFMG deverá receber R$ 300 mil para aplicar na formação de 300 profissionais. Os recursos fazem parte do orçamento do Fundo Nacional Antidrogas (Funad) da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad). As instituições onde irão funcionar os centros foram selecionadas por meio de edital público, divulgado ano passado. Somente puderam concorrer instituições de ensino. Os cursos vão abordar o gerenciamento de casos, a reinserção social, assim como o aperfeiçoamento de médicos atuantes no Programa de Saúde da Família (PSF), profissionais do SUS e do Sistema Único de Assistência Social (Suas). A coordenadora do Centro de Referência da UFMG, professora Amanda Márcia dos Santos Reinaldo, explica que a Faculdade de Enfermagem está planejando as disciplinas.
Além dos centros de referência, o plano do governo federal prevê a ampliação do número de leitos de internação de usuários, criação de novas formas de tratamento e medidas de enfrentamento ao tráfico. Outra iniciativa é o investimento em pesquisas relacionadas ao assunto, já que ainda não há dados oficiais sobre o uso do crack no país. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Universidade Americana de Princeton, está desenvolvendo o maior estudo sobre consumo da droga no mundo. A intenção do levantamento, encomendado pelo governo brasileiro, é obter dados estatísticos do consumo de crack das grandes cidades à zona rural do país. Os primeiros resultados devem ser divulgados no próximo mês.