Jornal Estado de Minas

Decisão judicial de fechar bares reabre polêmica sobre poluição sonora em BH

Flávia Ayer
Durante a noite, centenas de clientes se aglomeravam em redor de sete botequins na Rua Guajajaras, causando transtorno para os vizinhos e problemas no trânsito - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press - 19/06/2009

Além da fama, o título de capital dos botecos trouxe para Belo Horizonte um problema que tira o sono da populaçãoA poluição sonora representa quase 70% das reclamações por degradação ambiental, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, deixando para trás problemas relacionados à flora e fauna, lixo, água e arBares, boates e casas de shows lideram o ranking do barulho e somam 55% das queixasEsta semana, o conflito entre diversão e sossego levou o juiz da 6ª Vara Cível, Wauner Batista Ferreira Machado, a expedir liminar determinando o fechamento de sete casas na Rua dos Guajajaras, às 22h, às quintas e sextas-feiras.

A decisão foi baseada em denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), que aponta problemas, como som alto dos carros madrugada adentro, consumo de drogas e sexo explícitoSegundo moradores, a via chega a receber mais de 1 mil pessoas nos fins de semanaO incômodo burburinho dos bares habita outros endereços da cidadeA Região Centro-Sul, onde está a maior parte dos 12 mil bares, restaurantes e casas noturnas da cidade, concentra 25% das reclamaçõesCansados de perder sono, moradores do Bairro Lourdes, articulam junto aos proprietários a instalação de um toldo antibarulhoNo Carmo Sion, o sofrimento é similar: a Rua Pium-i se transformou em reduto de restaurantes e bares, atraindo centenas de pessoas à noite.

Falatório

Embora ocupe o quarto lugar no ranking de queixas de poluição sonora, o Bairro Prado, na Região Oeste, com 9% das reclamações, também tem moradores com dificuldade de dormirBares e restaurantes da Avenida Francisco Sá, recebe milhares de frequentadores até altas horas da madrugada e lotam as calçadas e até a via pública"É um falatório geral, motocicletas passando
Não há como dormir antes de meia-noiteAcho que o problema não tem soluçãoO que fiz foi me acostumar a dormir à meia-noite", confessa o morador do Prado, Orlando Rangel Lacerda, de 62 anos, conformado com a situação.

O problema desafia a polícia, a prefeitura e a legislação municipal e teve, na Rua Guajajaras, solução judicial que divide opiniõesUma moradora que não quis se identificar conta que o perfil da clientela dos bares mudou muito de 2009 para cá, desde a inauguração de uma boate na Rua da Bahia, palco de um homicídio na semana passada"Aqui é o esquenta da boateO problema é que os bares não têm espaço interno para comportar os frequentadores, que invadem a ruaA concentração chega a mais de 1 mil pessoas, impedindo a passagem dos carros", diz.

Segundo ele, os carros tocam funk de baixíssimo nível, as janelas dos apartamentos e camas trepidam"Além disso, é um problema de segurança pública, pois não há controle da Polícia MilitarAinda temos de conviver com sexo explícito, consumo de drogas, urina e fezes nas ruas", afirma a moradora, que define os bares como o combustível para a badernaAtendendo reclamações da população, o MPE tentou por duas vezes assinar termos de ajustamento de conduta com os donos de bares da Guajajaras, sem sucessso.

Saúde pública

Desde quinta-feira, sete bares da rua estão proibidos de funcionar depois das 22h, conforme decisão liminar do juiz Wauner Ferreira
"Essa foi uma maneira encontrada para assegurar a saúde públicaCom certeza, vamos ouvir bares, prefeitura, polícia, mas não adianta levar a ação até o final com um mal que está afetando agora os moradores", afirma o juiz, ressaltando que um processo como este pode levar de três a quatro anos para ser julgado.

A novela registrada no Centro de BH promete se arrastar, já que representantes do setor alegam se tratar de um problema de polícia"A decisão não foi apenas sobre o barulho, mas sobre consumo de drogas, pessoas urinando na ruaOs problemas não são de competência do bar, mas da políciaQuem está na rua é que precisa de ser autuado", afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas (Abrasel), Paulo Nonaka.

Já a Polícia Militar alega que, tanto na Guajajaras quanto em outros locais onde a corporação é requisitada, toma as providências cabíveis, mas ainda esbarra na legislação municipal"O problema é de conversa de pessoas na ruaNo caso da Guajajaras, a PM já proibiu som alto, fechou a rua, coibiu situações de consumo de droga e sexoMas não há como impedir que os frequentadores fiquem no localEstá na hora de a prefeitura regulamentar a questão dos baresAcredito que tem que haver uma hora-limite para o encerramento das atividades", afirma o comandante do 1º Batalhão, tenente-coronel Márcio Cassavari.

O Código de Posturas não impõe horário de funcionamento aos estabelecimentos, desde que cumpram limites de emissão de ruídos impostos pela Lei do Silêncio, mais rigorosos principalmente a partir das 22hPara equacionar o problema entre diversão e sossego, a PBH atua com fiscalizações, mas joga a bola para os donos dos bares"É papel do proprietário do bar orientar os clientesÉ uma questão de consciênciaA legislação não impõe horário de funcionamento, mas a Lei do Silêncio deve ser respeitadaOs fiscais fazem vistorias contínuas", afirma o gerente de Regulação Urbana da Regional Centro-Sul, William Nogueira.

Campanha

Beber uma cerveja gelada com os amigos no bar e dormir uma noite tranquila não são ações conflitantesCom base na ideia, no mês que vem a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG) dará início a uma campanha para conscientizar clientes sobre como se portar nos bares para não incomodar os moradores vizinhos"A Abrasel defende uma convivência harmoniosa entre bares, restaurantes e a comunidade e a punição de quem infringe essa norma", afirma o presidente da entidade, Paulo Nonaka.

Segundo ele, a entidade distribuirá material educativo, orientando clientes a agirem com cidadania também na mesa do botecoNonaka afirma que os frequentadores podem ajudar, adotando atitudes como falar mais baixoDe acordo com a Abrasel, BH tem cerca de 12 mil bares, restaurantes, lanchonetes e similaresApenas em fevereiro, foram 287 reclamações sobre a Lei do Silêncio, média de 10,7 por diaO valor total em multas aplicadas foi de R$ 197 mil.

E tem bar que já adotou estratégias para evitar conflitosO Bar da Dalva, no Funcionários, impõe horário de funcionamento até a meia-noite e a música ao vivo fica na parte internaNo sábado, o show vai das 17h30 às 20h30"adotar a política da boa vizinhançaNão dá para abusar de quem quer sossego", afirma o dono do estabelecimento, Léo Araújo.