Jornal Estado de Minas

Enterro com dois séculos de atraso

Ouro Preto recebe restos mortais de inconfidentes que morreram na África

Gustavo Werneck
As comemorações do próximo dia 21 em Ouro Preto, na Região Central, prometem ter, este ano, uma cerimônia ainda mais emocionante do que as habituais que reverenciam a memória dos heróis da Inconfidência Mineira (ou Conjuração Mineira) e de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792)


De acordo com informações obtidas com exclusividade pelo Estado de Minas e ainda guardadas a sete chaves por autoridades federais, o Museu da Inconfidência, vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus/Ministério da Cultura (Ibram/MinC) e localizado no Centro Histórico da cidade, vai receber, com um atraso de oito décadas, os restos mortais de três integrantes do movimento libertário, que foi reprimido em 1789 por ordem da rainha de Portugal, dona Maria I, a LoucaNa terça-feira, a direção do Ibram vai se reunir com o diretor do Museu da Inconfidência, Rui Mourão, para tratar dos detalhes da homenagem, que deverá contar com a presença da presidente Dilma Rousseff.

Os restos mortais que vão permanecer no Panteão, no primeiro andar do Museu da Inconfidência, seriam dos inconfidentes Domingos Vidal Barbosa Lage, José de Resende Costa e João Dias da Mota, mortos no degredo, em fins do século 18, na ÁfricaCom mais de dois séculos de atraso, eles ganharão o último repouso na sala que guarda, desde 1942, as lápides de Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga, João da Costa Rodrigues, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, Vitoriano Gonçalves Veloso, Álvares Maciel, Francisco de Paula Freire de Andrada, Domingos de Abreu Vieira, Luiz Vaz de Toledo Piza, José Aires Gomes, Antônio de Oliveira Lopes e Vicente Oliveira da MotaNo local, uma lápide vazia homenageia os que não vieram para o Panteão, lacuna que será preenchida agora.

Na sala ao lado do Panteão podem ser vistos o relógio de Tiradentes, o boticão de madeira e metal que usava para extrair dentes, o livro com a sentença de sua morte e as peças da forca usada no seu suplícioAinda para reverenciar a memória do herói, que morreu enforcado no Rio de Janeiro, três anos depois do levante na Capitania de Minas (1789), e teve o corpo esquartejado, há uma estátua na praça central de Ouro Preto com o seu nome.

Um dos mistérios envolvendo a figura do mártir da Inconfidência é que a sua cabeça desapareceu e jamais foi encontradaTampouco há informações sobre outras partes do corpo, desmembrado a mando de seus algozesA imagem do homem barbudo e cabeludo, vestindo uma túnica branca, foi idealizada em 1890, um ano depois da proclamação da RepúblicaTornava-se, assim, um símbolo do sacrifício pela pátria, numa evocação, com poucos retoques, da figura de Jesus CristoA representação resistiu ao tempo, chegou ao topo dos monumentos, às páginas dos livros e até as cédulas de dinheiroOutro quadro, desta vez ilustrativo do auge da juventude, traz Tiradentes nos seus trajes de alferes.

Acordo Na década de 1930, os governos brasileiro e português fizeram um acordo para o traslado dos corpos dos inconfidentes
Um dos personagens dessa negociação foi o advogado, jornalista e historiador mineiro Antônio Augusto de Lima Júnior (1889-1970), filho do político e jurista Augusto de LimaEm 1936, ele foi encarregado pelo governo Getulio Vargas de providenciar a remoção para o Brasil dos restos dos heróis exumados na África.

Porém, os ossos de Domingos Vidal Barbosa Lage, José de Rezende Costa e João Dias da Mota ficaram de fora, aguardando identificaçãoNa mesma década, foram trazidos para o Brasil e levados para Ouro PretoSomente em 1994, os restos dos três corpos foram encaminhados para a unidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em Piracicaba, para pesquisasPor lá ficaram durante 17 anosOs estudos, incluindo reconstituição facial – processo semelhante ao que foi submetido o fóssil de Luzia, que vivera há mais de 10 mil anos e ficou conhecida como a primeira brasileira –, ficou a cargo do professor e médico Eduardo Daruge, da Unicamp.

Há duas semanas, o EM conversou, por telefone, com Daruge, mas ele não quis falar sem autorização do diretor do Museu da InconfidênciaDisse apenas que o estava esperando em PiracicabaA informação obtida extraoficialmente é de que os restos mortais já estariam em Ouro Preto, apenas aguardando o sinal verde do Ibram para divulgaçãoNa tarde de sexta-feira foi feito contato com a direção do Ibram, em Brasília (DF), mas assessores informaram que não há informações disponíveis para divulgaçãoEm Ouro Preto, também reina o silêncio.

Trajetórias Domingos Vidal Barbosa Lage (1761-1793), irmão do brigadeiro José Vidal, obteve comutação da pena de morte e ficou exilado na Ilha de São Tiago do Cabo Verde, onde morreu oito meses depois de sua chegada ao degredo
José de Resende Costa, que dá nome a uma cidade da Região do Campo das Vertentes, era capitão de milícias e grande proprietário rural no vale do Rio das Mortes, enquanto João Dias da Mota, além de capitão de cavalaria, era proprietário de terras em CongonhasCondenados como os demais integrantes da conjuração, finalmente os heróis devem ganhar seu lugar no Panteão da Inconfidência.