Jornal Estado de Minas

Em 10 anos, Hipolabor teve 16 medicamentos suspensos

Laboratório cujos sócios respondem por falsificação e fraude fiscal teve 16 remédios suspensos pela Anvisa desde 2001. Mesmo assim, e apesar de investigado por duas mortes, continuou operando com todas as autorizações estaduais e federais

Luciane Vidigal - Especial para o EM

Documentação do depósito da empresa, na Região Nordeste de BH, será investigada, diante da suspeita de falta de alvará de funcionamento - Foto: Marcos Vieira/Em/D.A Press


Há pelo menos dez anos a indústria farmacêutica mineira Hipolabor – cujos sócios foram presos terça-feira, por acusações como adulteração e falsificação de medicamentos – mostrava às autoridades sanitárias indícios de que era uma bomba-relógio prestes a explodirDesde 2001, substâncias vendidas pela empresa vêm sendo alvo de suspensão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em todo o Brasil, devido a irregularidades encontradas em remédios que saíam de sua linha de produçãoApesar dos antecedentes, o laboratório, que funcionava há 26 anos com todas as autorizações sanitárias e movimentava a média anual de R$ 300 milhões, só foi fechado na tarde de terça-feira, na Operação Panaceia, encabeçada pelo Ministério Público Estadual (MPE)O presidente da empresa, Ildeu de Oliveira, e o sócio Renato Alves foram presosNa lista de acusações aparecem fraudes em medicamentos, que teriam levado à morte duas mulheres, em 2006, além de sonegação fiscal e formação de cartelHá ainda suspeita de que a firma mantivesse um depósito clandestino na Região Nordeste de BH, já que não foi apresentado alvará de funcionamento da unidade

Apesar dos cerca de 10 anos em que a empresa teve 16 itens suspensos pela Anvisa, recebendo praticamente uma restrição a produtos por ano, as suspeitas contra o Hipolabor não se limitam aos medicamentos, nem tampouco às duas mulheres mortas em MinasSubstâncias que saíram da linha de produção da indústria podem ter matado e provocado efeitos colaterais em doentes de estados como São Paulo, Espírito Santo e AmazonasUm histórico que desperta estranheza em autoridades e que deve levar a investigação sobre o fato de o laboratório funcionar sem restrições sanitárias

Em 2005, uma mulher morreu e outras nove passaram mal em Mariporã, na Grande São Paulo, depois de serem anestesiadas com o cloridrato de bupivacaína (anestésico injetável fabricado pela Hipolabor, o mesmo que teria causado duas mortes em Minas) durante o trabalho de partoNa época, a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo divulgou alerta aos médicos, destacando os riscos do uso da substância produzida pela empresa

Amostras foram enviadas ao Instituto Adolfo Lutz, mas não foi comprovado que o remédio teria causado a morte da gestanteEm 2006, em Manaus, numa clínica particular, mulheres que receberam o mesmo medicamento tiveram reações alérgicas após serem anestesiadasNo Espírito Santo uma morte vem sendo investigada, também com a suspeita de ter sido provocada pela injeção fabricada no Hipolabor

Bem antes dos óbitos e reações, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) constatou problemas no processo produtivo do laboratório durante inspeção, em agosto de 2001Havia falhas no sistema de água, uma das garantias de qualidade do produtoA Anvisa determinou a suspensão da comercialização de anti-inflamatórios e antibióticos injetáveis que apresentaram materiais estranhos nas amostras coletadasUm anti-hipertensivo apresentou alteração de cor no líquidoComprimidos estavam esfarelando, a rotulagem estava incompleta e não havia número de registro na embalagem

Não foi só issoSeis anos depois, funcionando com toda a documentação em dia e autorizada pelos órgãos competentes, o laboratório deu às autoridades novos sinais de seu compromisso com a saúde pública
Em março de 2007, a Secretaria de Estado da Saúde descobriu que resíduos de medicamentos destinados a uso hospitalar estavam sendo despejados em um terreno próximo ao aterro sanitário de Santa Luzia, na Grande BH, e a cerca de 50 metros do Rio das VelhasOs medicamentos estavam vencidosForam recolhidas cerca de 20 sacos contendo ampolas de fabricação da empresa, que argumentou terceirizar o descarteA secretaria recomendou que a indústria acompanhasse a segurança desse serviço

Mistério

Diante dos antecedentes, os 26 anos de mercado com autorizações e alvarás sanitários em dias intrigam profissionais experientes da área que, pedindo anonimato, estranham o fato de a empresa conseguir permanecer no ramoPara a Anvisa, esse é um assunto de responsabilidade do estadoA secretaria estadual, por sua vez, informou em nota desconhecer motivos para impor restrições ao laboratório“Vamos investigar se houve prevaricação de funcionários públicosAinda é cedo pata afirmar isso, porque não temos provas, mas é muito estranho que a empresa continue funcionando depois de tantas denúncias e suspensão de medicamentos”, afirma o promotor Christiano Leonardo Gonzaga Gomes, da Comarca de Sabará, na Grande BH

Segundo ele, a Promotoria de Defesa do Consumidor solicitou a interdição do Hipolabor em 2000“Promotores entraram com uma ação, porque havia denúncias de que a indústria não usava princípios ativos de forma corretaA empresa foi fechada por um tempo, mas voltou às atividadesHá algo estranho nisso”, diz o promotor Christiano Gomes

Para o diretor do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais e vice-presidente da Federação Nacional de Farmacêuticos, Rilke Novato, o maior alerta é com a saúde pública“Estamos todos muito preocupados, uma vez que substâncias injetáveis, como as produzidas pela empresa, representam maior risco, por cair diretamente na corrente sanguínea”, dizJúnia Célia de Medeiros, diretora do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais, lembra que o Hipolabor ostenta muitas notificações, mas está regular com o conselho“Caso seja comprovado que um dos farmacêuticos está envolvido na adulteração de medicamento, ele corre o risco de ter o registro cassado”, diz(Com Valquiria Lopes)