Há pelo menos dez anos a indústria farmacêutica mineira Hipolabor – cujos sócios foram presos terça-feira, por acusações como adulteração e falsificação de medicamentos – mostrava às autoridades sanitárias indícios de que era uma bomba-relógio prestes a explodir. Desde 2001, substâncias vendidas pela empresa vêm sendo alvo de suspensão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em todo o Brasil, devido a irregularidades encontradas em remédios que saíam de sua linha de produção. Apesar dos antecedentes, o laboratório, que funcionava há 26 anos com todas as autorizações sanitárias e movimentava a média anual de R$ 300 milhões, só foi fechado na tarde de terça-feira, na Operação Panaceia, encabeçada pelo Ministério Público Estadual (MPE). O presidente da empresa, Ildeu de Oliveira, e o sócio Renato Alves foram presos. Na lista de acusações aparecem fraudes em medicamentos, que teriam levado à morte duas mulheres, em 2006, além de sonegação fiscal e formação de cartel. Há ainda suspeita de que a firma mantivesse um depósito clandestino na Região Nordeste de BH, já que não foi apresentado alvará de funcionamento da unidade.
Em 2005, uma mulher morreu e outras nove passaram mal em Mariporã, na Grande São Paulo, depois de serem anestesiadas com o cloridrato de bupivacaína (anestésico injetável fabricado pela Hipolabor, o mesmo que teria causado duas mortes em Minas) durante o trabalho de parto. Na época, a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo divulgou alerta aos médicos, destacando os riscos do uso da substância produzida pela empresa. Amostras foram enviadas ao Instituto Adolfo Lutz, mas não foi comprovado que o remédio teria causado a morte da gestante. Em 2006, em Manaus, numa clínica particular, mulheres que receberam o mesmo medicamento tiveram reações alérgicas após serem anestesiadas. No Espírito Santo uma morte vem sendo investigada, também com a suspeita de ter sido provocada pela injeção fabricada no Hipolabor.
Bem antes dos óbitos e reações, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) constatou problemas no processo produtivo do laboratório durante inspeção, em agosto de 2001. Havia falhas no sistema de água, uma das garantias de qualidade do produto. A Anvisa determinou a suspensão da comercialização de anti-inflamatórios e antibióticos injetáveis que apresentaram materiais estranhos nas amostras coletadas. Um anti-hipertensivo apresentou alteração de cor no líquido. Comprimidos estavam esfarelando, a rotulagem estava incompleta e não havia número de registro na embalagem.
Não foi só isso. Seis anos depois, funcionando com toda a documentação em dia e autorizada pelos órgãos competentes, o laboratório deu às autoridades novos sinais de seu compromisso com a saúde pública. Em março de 2007, a Secretaria de Estado da Saúde descobriu que resíduos de medicamentos destinados a uso hospitalar estavam sendo despejados em um terreno próximo ao aterro sanitário de Santa Luzia, na Grande BH, e a cerca de 50 metros do Rio das Velhas. Os medicamentos estavam vencidos. Foram recolhidas cerca de 20 sacos contendo ampolas de fabricação da empresa, que argumentou terceirizar o descarte. A secretaria recomendou que a indústria acompanhasse a segurança desse serviço.
Mistério
Diante dos antecedentes, os 26 anos de mercado com autorizações e alvarás sanitários em dias intrigam profissionais experientes da área que, pedindo anonimato, estranham o fato de a empresa conseguir permanecer no ramo. Para a Anvisa, esse é um assunto de responsabilidade do estado. A secretaria estadual, por sua vez, informou em nota desconhecer motivos para impor restrições ao laboratório. “Vamos investigar se houve prevaricação de funcionários públicos. Ainda é cedo pata afirmar isso, porque não temos provas, mas é muito estranho que a empresa continue funcionando depois de tantas denúncias e suspensão de medicamentos”, afirma o promotor Christiano Leonardo Gonzaga Gomes, da Comarca de Sabará, na Grande BH.
Segundo ele, a Promotoria de Defesa do Consumidor solicitou a interdição do Hipolabor em 2000. “Promotores entraram com uma ação, porque havia denúncias de que a indústria não usava princípios ativos de forma correta. A empresa foi fechada por um tempo, mas voltou às atividades. Há algo estranho nisso”, diz o promotor Christiano Gomes.
Para o diretor do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais e vice-presidente da Federação Nacional de Farmacêuticos, Rilke Novato, o maior alerta é com a saúde pública. “Estamos todos muito preocupados, uma vez que substâncias injetáveis, como as produzidas pela empresa, representam maior risco, por cair diretamente na corrente sanguínea”, diz. Júnia Célia de Medeiros, diretora do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais, lembra que o Hipolabor ostenta muitas notificações, mas está regular com o conselho. “Caso seja comprovado que um dos farmacêuticos está envolvido na adulteração de medicamento, ele corre o risco de ter o registro cassado”, diz. (Com Valquiria Lopes)