No filme A Cidade das Mulheres, do cineasta italiano Federico Fellini, o personagem Snàporaz, interpretado por Marcello Mastroianni, é seduzido por uma bela mulher. Ele se apaixona, a segue e vai parar na cidade das mulheres, um lugar onde, por ser o único homem é, ao mesmo tempo, reverenciado e julgado. Para a frustração de muitos representantes do sexo masculino e alívio da mulherada, esse roteiro é obra apenas da ficção. Mas muitas cidades brasileiras estão se tornando cada vez mais femininas e Belo Horizonte não escapa dessa tendência.
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Cada vez mais as mulheres assumem o comando Avanço das mulheres é sinal de desenvolvimentoMulheres pedreiras: mais preparadas e cuidadosasBairros mais "idosos" de BH estão na Zona SulE o que mais impressiona é que, enquanto a população envelhece, essa diferença só aumenta. “Quando a população vai ficando mais velha é natural que haja uma feminização, porque a mulher vive mais. Percebemos que nascem muito mais homens e até a faixa dos 9 anos eles predominam. A partir dos 15, começa a inversão. Elas são maioria e a diferença cresce a cada ano”, diz a professora de demografia Paula Miranda-Ribeiro, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG). Só para ter uma ideia, na faixa de 80 anos há 68,8% de mulheres contra 31,2% de homens.
Outro dado importante são os indivíduos que estão no chamado “mercado do casamento”. Dos 20 aos 24 anos, há 94 homens para cada 100 mulheres, e dos 25 a 29 são 92 para 100 mulheres. “Em pesquisas como esta, a primeira constatação da mulherada, principalmente das solteiras, é esta: está faltando homem. Apesar de a maioria das pessoas não se casar com gente da mesma faixa etária, há uma diferença grande na quantidade de pessoas de sexos diferentes. Além disso, há um índice alto de homens que morrem entre os 15 e 29 anos, e por morte violenta, seja por crime ou acidente. Eles estão mais expostos. Sem falar nos que estão se assumindo cada vez mais como homossexuais”, acrescenta a pesquisadora.
Outro fator que pode explicar o domínio feminino em BH é a migração. Segundo Paula Miranda-Ribeiro, a cidade é voltada para os serviços e, por isso, a oferta de empregos neste setor, como turismo e comércio, é bem grande. “É uma área que atrai mais mulheres e, portanto, temos várias migrando para cá. Já os homens costumam trabalhar em indústrias, escritórios, que são menos comuns por aqui. O homem profissional de BH sai muito daqui para trabalhar em outros lugares”, analisa.
Concorrência
É fácil perceber em BH a inquietação em muitas jovens com o resultado dessa pesquisa. Na UFMG, a situação não é diferente. Até o 2º semestre de 2009, os homens eram maioria entre os estudantes. A partir do 1º semestre de 2010 houve inversão. Hoje, elas são 15.668 e eles 14.373. Até mesmo em alguns cursos com histórica predominância masculina, como educação física e engenharia, é comum ver uma expressiva quantidade de meninas.
Na PUC Minas, dos 47.552 alunos, 25.662 são do sexo feminino e 21.890 do masculino, diferença de 3.772. Há 10 anos, a disparidade era de apenas 871. Em contrapartida, em outros só dá elas, como fisioterapia e psicologia. “Nossa sala tinha 37 pessoas no começo do curso e sete eram homens. Hoje, só há quatro”, diz a aluna de fisioterapia Júlia Antunes, de 19 anos.
A colega Luíza Cabral, de 20, já observou que a mulherada domina também em bares e boates de BH. “É mulher demais e muita mulher bonita. Isso aumenta a concorrência. Está complicado”, lamenta. Já Nayara Louro, de 19, vê algumas vantagens com a predominância feminina, como uma melhor valorização no mercado de trabalho, mas se relacionar com elas costuma ser complicado. “Mulher sempre cria mais picuinha. Eu tenho vários amigos homens por causa disso. A convivência é mais tranquila.”
Mais mulher no mercado não assusta os marmanjos. O estudante de psicologia na UFMG Abel Passos, de 40, crê que tudo tem o lado bom e ruim e que sempre teve a percepção de que o mundo é realmente delas. “O censo só veio a comprovar o que já observava.”