Segundo a polícia, eles têm vida confortável em endereços nobres da capital, acesso à cultura e ao conhecimento em cursos do ensino superior, mas desafiam o risco de ser presos por tráfico internacionalO jovem que se envolve com este tipo de negócio, de acordo com a PF, costuma ser usuário de ecstasy e LSD e abusa das redes sociais na internet para ampliar seus contatosDiante da prisão de 13 jovens que se envolveram com tráfico nos últimos seis meses, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes traçou um perfil dessa garotadaPara o delegado Bruno Zampier, responsável pelas investigações, o conceito de mula, apelido de quem faz transporte de drogas, está superado e virou quase uma profissão.
O delegado informa que, no Brasil, muitos se movimentam com cargas de cocaína, como é o caso da estudante mineira de 21 anos presa semana passada em RecifeNa quarta-feira, um jovem de Florianópolis foi detido ao desembarcar no aeroporto de Confins com 33 mil comprimidos de ecstasy, um recorde na apreensãoEle vinha de Bruxelas, na Bélgica, produtor de drogas sintéticas, como a HolandaDe acordo com Zampier, o jovem que se oferece para transportar drogas vê no tráfico oportunidade de obter vantagem financeira e de conseguir manter o próprio consumo, já que parte do pagamento é feita com comprimidos de ecastasy ou pontos de LSD.
“O perfil é de jovens entre 20 e 30 anos, filhos da classe média ou de famílias tradicionais, cooptados com a promessa de receber entre R$ 15 mil e R$ 20 mil por remessa de droga, o que na prática não ocorreComo são usuários, eles têm acesso ao meio e muitos contatos, principalmente pela internet, nos sites de relacionamento e bate-papoÉ a oportunidade de conseguir lucro fácil e drogas
Haxixe
O delegado Bruno Zampier cita exemplos de jovens investigados que moravam nos bairros de Lourdes e Cidade Nova e no Conjunto Alphaville, em ItabiritoUm estudante de administração de 24 anos, do Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul, foi preso em janeiro, no aeroporto de Confins, com 14,8 mil pontos de LSDEle é acusado de ser o distribuidor da droga, que vinha de BruxelasOutra prisão feita pela DRE foi a de um rapaz que morava com os pais num apartamento de luxo na Rua Tomé de Souza, na Savassi, e distribuía haxixeToda negociação era feita na porta de casa.
“São pessoas novas, inteligentes, com bom nível de cultura e até empreendedoras, embora criem negócios ilícitosSão verdadeiros Johnnys (referência ao ex-traficante João Guilherme Estrella, de classe médica alta do Rio, preso pela PF na década de 1990 e cuja história virou filme)”, lembra.
Segundo o delegado, não existe mais a figura de um grande distribuidor, pois o jovem usuário, que tem uma grande rede de contatos na internet, descobre o fornecedor e passa a fazer a distribuição em seu próprio negócio
Redes sociais monitoradas
Para tentar identificar os mulas, policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes ensinaram técnicas de investigação aos funcionários da Receita Federal, o que resultou na enorme apreensão de ecstasy esta semana em ConfinsUm grupo de agentes da delegacia trabalha exclusivamente no terminal, fazendo a triagem de passageirosCães farejadores são usados para fiscalizar bagagensHá ainda policiais que se infiltram em festas e boates e monitoram redes sociais e sites de relacionamento em busca de informações sobre esses grupos.
“Observamos indícios e abordamos as pessoasNa maioria das vezes, viajam sozinhas, compram passagens com dinheiro, pouco antes do embarque, saem por um aeroporto e voltam por outro e ficam nervosas diante dos agentesNa rota do tráfico, que passa por todos os locais com voos internacionais, 100% do que chega é droga sintética; do que sai é cocaína.”
Zampier defende uma punição mais dura para o transportador da droga, a proibição das festas rave e ainda faz um alerta: “A sintética é a droga do momentoVigora entre os jovens a falsa impressão de que o uso do produto não traz consequências para a saúde, o que é inverdadeNão causa dependência química, mas psíquicaA linha entre o traficante e o usuário é muito tênue”.
Estudiosa do assunto, a professora de pós-graduação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Regina Medeiros diz que o interesse dos jovens no tráfico está relacionado a uma característica especial da sociedade contemporânea: o desejo de consumoSegundo ela, jovens de classe média, com mais instrução, são recrutados porque têm facilidades com outros idiomas e conhecem o funcionamento dos aeroportosA especialista concorda que o acesso fácil à informação favorece as relações criadas na rede para este tipo de negócio.
“A classe alta quer ter mais dinheiro no banco, quer viajar mais e ter um carro melhorE o público jovem, interessado na droga, acompanha o desejo de quanto mais se consome, mais ele acha que precisaIsso é determinante para a escolha do caminho que seguem, mais arriscado e de ganho fácilNo campo das drogas, a internet garante ao sujeito confiabilidade para negociar com quem quiserAli, ele vende, compra, distribuiNão é um desvio de comportamento, é o estilo de vida da sociedadeO desvio está na ilegalidade da atividadeAcho que falta vontade política para discutir a questão e propor medidas”, avalia a professora.