Elza faz compras no mercado enquanto Margarida mostra orgulhosa os crochês que bordouRogério corta o cabelo ao mesmo tempo em que Bento se encanta com a TVO casal Nilta e Adelino viaja de avião e Sebastião ouve música e lava a louçaAtividades corriqueiras da vida de qualquer ser humano se tornam grandes feitos e, principalmente, encantam essas pessoasTodas egressas de manicômios, que, depois de passar boa parte da vida internadas, tentam ressurgir das cinzas
“Tudo é novo e diferenteEles têm medo de andar na rua, não sabem como comprar uma blusaHá aqueles que ficam surpreendidos com pequenas coisas, como uma porta giratória, um caixa eletrônico ou um simples abacaxiE inacreditável você chegar ao século 21, na era da globalização, e uma pessoa nunca ter se deparado com uma fruta que está presente no nosso cotidianoPara você ter uma ideia do tipo de vida que eles tinham”, conta Flávia Vasques, psicóloga da coordenação de saúde mental de Barbacena, cidade do Campo das Vertentes que ficou famosa durante décadas como reduto da loucura
Nesta quarta-feira, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, data em que se comemoram os 10 anos da reforma psiquiátrica que implementou a Lei 10216/2001 para proteger e estabelecer os direitos de portadores de transtornos mentais, o Estado de Minas mostra as evoluções do
tratamento de portadores de sofrimento mental e o que ocorre com quem passou a vida trancafiado em uma instituição e tenta recomeçar a viver
Uma das opções para quem deixou o sanatório são as residências terapêuticas, projeto do governo federal que funciona em todo o paísEm Belo Horizonte, há 23 delas atendendo 192 pessoasJá Barbacena tem 28, com 164 pacientesEssas casas são destinadas a pessoas com transtorno mental que passaram por longa internação psiquiátrica e ficaram impossibilitadas de retornar à família“A maioria dos pacientes não tem mais parentes vivos ou a família não os quer de voltaDaí a importância dessa iniciativa”, diz a coordenadora das residências terapêuticas em Barbacena, Leandra VilhenaAs casas são mantidas com recursos anteriormente destinados a leitos psiquiátricos
A história do tratamento mental em Minas se confunde com a de BarbacenaVeja fatos e datas marcantes
A semente
O primeiro hospital psiquiátrico de Minas foi criado em 1903, como Assistência aos Alienados do Estado de Minas Gerais, onde antes funcionava um sanatório particular para tratamento de tuberculoseO “hospício", segundo registros istóricos, fica nas terras da antiga Fazenda da Caveira, cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis, conhecido como o delator da Inconfidência Mineira
A meca dos loucos
Segundo historiadores, outro motivo teria levado o hospital para a cidade: quando da escolha da nova capital mineira, Barbacena foi preterida por não contar com recursos hídricos satisfatóriosAssim, ganhou, como prêmio de consolação, o Hospital dos Alienados, depois, Hospital Colônia de BarbacenaA cidade se transformou em famoso reduto nacional da loucuraChegou a ter sete hospitais psiquiátricosHoje, abriga três
Memórias do cárcere
Em 1996, foi inaugurado o Museu da Loucura, que funciona diariamente no Hospital da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig)Seu objetivo principal é resgatar a história do lendário Hospital ColôniaO acervo é composto por textos, fotografias, documentos, equipamentos, objetos e instrumentação cirúrgica, que relatam a história do tratamento ao portador de sofrimento mental
Mudança de ares
De cidade dos loucos para cidades das rosas: Barbacena que, no passado, vivia infestada de urubus atraídos pela cheiro dos cadáveres dos pacientes, hoje exala perfume de flores cultivadas em grandes estufas