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Estado de Minas

Internações em clínicas psiquiátricas ficam no passado


postado em 18/05/2011 06:00 / atualizado em 18/05/2011 07:13

"Eu tinha uns 13 anos e depois disso fiquei com a cabeça ruim. Há quase três anos larguei aquilo lá e a minha vida melhorou demais", Sebastião Margarido, de 51 (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)


Elza Campos Silva, de 64 anos, só se lembra de uma vida: a que passou em instituições psiquiátricas. Era bebê quando foi abandonada pela família em um hospital de Oliveira, na Região Centro-Oeste de Minas. De lá, foi para Barbacena, onde passou 56 anos pulando de um sanatório a outro. “Eles falavam que eu vim do Ceará. Mas nem sei. Minha família me deixou no sanatório. Tinha choque, cela... Não gostava de lá”, repete várias vezes, com o olhar perdido. Quando, em 2003, recebeu alta, nem acreditou e hoje o que mais gosta é de comprar suas próprias coisas.

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A coordenadora Leandra Vilhena lembra que chegam a ocorrer casos de pacientes que têm receio de deixar o manicômio por não querer enfrentar um mundo desconhecido. Mas mesmo quem prefere continuar o tratamento fora dos hospitais tem a opção de voltar atrás. “Eles não deixam de ser tratados nas residências. Tomam remédios por toda a vida. Mas não são obrigados a ficar. Se quiserem voltar para o sanatório, podem, ou mesmo viver com parentes. A gente se preocupa é com o bem-estar deles”, afirma Leandra Vilhena.

O piauiense Adelino Ferreira, de 64, foi um dos que relutaram em deixar o hospital, onde “morou” por mais de cinco décadas. Mas não se arrepende da decisão de sair e está casado com a mineira Nilta Pires Xavier, de 51, também egressa do sanatório. Os dois se conheceram lá. “Eu não queria saber de namorar. Mas ela começou a lavar minhas roupas e nós fomos nos aproximando e acabamos casando na igreja e tudo”, conta Adelino.

O casal vive com uma renda mensal de R$ 1,7 mil, oriunda da pensão do governo e dos bicos de Adelino, e faz o que mais gosta: viajar. “Avião é bom demais. A gente vai para todos os cantos, mas o mais bonito é Aparecida”, diz Nilta, que aos 17 anos foi abandonada pela mãe no Hospital Raul Soares, em BH.

Outro que começou a viver é Bento Márcio da Silva, 47. Durante anos, foi andarilho. Caminhava país afora para “ficar longe da família que me perturbava”. “Cheguei a ir três vezes a pé a Porto Alegre (RS). Eu ficava muito eufórico, começava a andar, cantar, dançar. Perdi a conta de quantas vezes fui internado.” Só no Hospital da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), em Barbacena, o antigo e temido Hospital Colônia, foram 25 vezes. Recebeu tratamento também em instituições de São Paulo e do Paraná. “A polícia me achava e me levava para o manicômio. Lembro que vagando pelas rodovias sempre achavava um jornal e lia as notícias do Cruzeiro. Hoje, vou ler uma notícia de mim”, brinca.

Companheiro de Bento na casa, Rogério Roma, de 47, tem uma das histórias mais intrigantes. Foi largado pela família em Nova York e parou em Barbacena. Um pouco confuso, tenta explicar o episódio e sua grande preocupação é voltar para a mãe, internada em um asilo norte-americano. “Fui visitá-la, mas meus tios me largaram. Fui achado de cueca na rua, sozinho, e me transferiram para cá. Mas eu quero morar com minha mãe. Só que é preciso R$ 1 mil para ir aos Estados Unidos”, desabafa com lágrimas nos olhos.

Enquanto Rogério tenta se habituar à nova realidade, Márcio Rocha, de 43, diz estar no céu. Ele ainda está na fase de transição entre a residência terapêutica e o hospital psiquiátrico, onde tem que passar pelo menos um dia da semana. Mas diz que não vê a hora de voltar a viver. Márcio passa o dia fazendo o que mais gosta: escrever e rezar. E escreve sempre a mesma coisa em todas as páginas do inseparável caderno – “Márcio Rocha que está no céu; Hosana nas Alturas… Ave Maria cheia de graça….” E desfila uma lista de nomes de santos, expressões e orações religiosas. “Rezo. Gosto de todos os santos. Sou o major da lei celestial e quero falar de Deus para todos”, diz vestindo um uniforme do Èxército.

No andar de baixo da mesma casa mora o matogrossense Sebastião Margarido, de 51. “Preferi ficar aqui embaixo porque lá em cima só tem doido”, brinca ele, que passou cinco anos no Manicômio Judiciário Jorge Vaz, em Barbacena, acusado de assassinar duas pessoas. Com fama de namorador, ele chegou a engravidar uma companheira de manicômio, mas diz estar mais sossegado. “Nem sair eu saio mais. O pessoal de Barbacena não gosta muito de mim. Prefiro ficar em casa ajudando na arrumação ou namorando a Marcilene. Acho que vamos nos casar, porque hoje eu posso viver de verdade”, diz Tião.


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