É curioso pensar que um pedaço de Belo Horizonte está prestes a completar o seu tricentenário, já que a capital de Minas tem apenas 113 anos. Mas em 13 de junho, data em que é celebrado Santo Antônio, o padroeiro da região, Venda Nova completa 300 anos. A sesmaria que deu origem ao distrito foi doada a Ignácio da Rocha Feyo pelo reino de Portugal em 23 de janeiro de 1711. Sesmarias eram grandes terrenos doados pelo rei de Portugal a quem quisesse explorá-los, e foi nessa época que o lugarejo começou a ser povoado. Aliás, também datam de 1711 Ouro Preto, Mariana e Sabará, que na época eram conhecidas como vilas do ouro. “Não é uma simples coincidência Venda Nova ter surgido nesse período. Como ela nasceu do caminhar de tropeiros que passavam pela região com gado e mercadorias para abastecer as minas de ouro, ela foi contemporânea dessas cidades. Ao mesmo tempo em que as antigas vilas iam crescendo e desenvolvendo, Venda Nova também ia surgindo”, conta a historiadora e gerente do Centro Cultural Venda Nova, Ana Maria Silva.
A historiadora lembra que boa parte dos municípios que hoje formam a Região Metropolitana de Belo Horizonte se desenvolveu em terras pertencentes a Sabará, e que só em 1949 Venda Nova foi incorporada definitivamente a BH, atendendo a reivindicação da comunidade local. A origem do nome também tem as suas peculiaridades. Não há documentos oficiais que atestem as versões, mas segundo a tradição oral, a denominação se originou justamente pelo fato de o lugar servir de passagem para tropeiros e por ali ter uma ‘venda nova’.
O mais antigo documento conhecido sobre a região é justamente a solicitação de uma licença para funcionamento de uma venda, pequena mercearia com vários produtos, em 1781. “A outra história que se conta é que o mais antigo morador de que se tem notícia era o português Manoel Gonçalves Vilarinho, que construiu sua casa na região em 1751. Supõe-se que ele tenha vindo da homônima Venda Nova, que é freguesia do Conselho de Montalegre, em Portugal e, por isso, batizou o vilarejo com esse nome. Falam também que o sobrenome dele, Vilarinho, também uma região portuguesa, teria dado nome ao córrego e, posteriormente, à avenida”, explica Ana Maria.
As histórias do local não estão apenas nos documentos e na boca dos historiadores. Quem viveu e ainda mora na região também tem muito a contar. O humorista Geraldo Magela, de 53 anos, faz parte de uma família que fincou raízes na região e mantém muitos dos seus integrantes ainda lá. Dos oito irmãos, ele é o único ‘venda-novense’ e revela que boa parte de sua memória visual é dos momentos que passou na região. “Ainda menino, eu fazia chup-chup, bolo, picolé e saía pelas ruas vendendo de casa em casa. Percorri todos aqueles bairros e conhecia tudo. Mesmo estando cego hoje, sou capaz de andar por Venda Nova e saber onde se localiza cada lugar, de tão marcante que ficou”, assegura. E por falar em marcas, o que não faltam são algumas delas pelo corpo de Magela. Resultado das peraltices que ele aprontava quando criança. “Eu era muito arteiro, hiperativo. Tenho cicatrizes em várias partes do corpo por causa do que eu aprontava. Venda Nova está marcado em mim até fisicamente e, por isso, sempre faço questão de incluir a região nas minhas piadas”, conta.
Fazenda
A irmã de Magela, a comerciante aposentada Creuniz Maria Dias, de 61, chegou criança ao local e dali nunca mais saiu. Fez questão de criar os filhos onde passou a vida e nunca pensou em sair. “Aqui ainda conserva aquela coisa de cidade pequena, da tranquilidade, mesmo tendo crescido bastante. Meu pai veio do interior e sempre quis morar em Belo Horizonte e acabou escolhendo o lugar certo’, frisa Creuniz. A aposentada lembra de como Venda Nova parecia uma fazenda, com muito chão de terra e mata, e diz que se pudesse dar um presente pelo aniversário de 300 anos, optaria por mais infraestrutura, especialmente na área de saúde. “Avançou muito ao longo dos anos, mas falta muito. Um bom presente seria um prédio com vários consultórios médicos de todas as especialidades.”