Jornal Estado de Minas

BH não está pronta para a coleta seletiva de lixo

Capital não pode atender Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, que pede empenho da população na reciclagem, porque cidade não tem estrutura para a triagem do lixo

Valquiria Lopes Pedro Rocha Franco

No Centro Lúdico de Interação e Cultura, crianças crescem entendendo que o reaproveitamento de materiais é um processo natural - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press


No papel, o desenho de um país exemplar para o mundo; na prática, o esgotamento das medidas voltadas para a gestão dos resíduos sólidosEm discurso em comemoração à Semana Mundial do Meio Ambiente, a ministra Izabella Teixeira, titular da pasta de Meio Ambiente, convocou a população a pensar junto a questão do lixo, ressaltando a importância da coleta seletiva na mudança do atual cenário“O Brasil deixa de ganhar R$ 8 bilhões por ano por não reciclar tudo que é possívelA simples atitude de separar o lixo facilita o serviço dos catadores”, disse em rede nacional de rádio e TV, na noite de domingo

Mas a maioria da população de Belo Horizonte não pode atender ao apelo da ministraA cidade não está preparada, apesar da boa vontade de moradores em querer participar da onda verde da sustentabilidadeEssa pretensão esbarra na ineficiência da proposição e execução de políticas públicas voltadas para a gestão dos resíduos sólidos

Antes de assumir o cargo de chefe do Executivo, uma das promessas de campanha de Marcio Lacerda (PSB) era levar a coleta seletiva a, no mínimo, metade dos 324 bairros de BH (número oficial), mas só 30 deles, menos de 10%, integram o projetoE, faltando um ano e meio para o fim do mandato, o governo municipal admite a revisão da meta por ele estabelecida: “A proposta agora é atingir 20% da cidade até a Copa’2014, aumentando 64 bairros na lista”, diz o diretor de Planejamento e Gestão da SLU, Lucas Paulo GariglioE a coleta seletiva não é o único desafio em relação ao lixo: os bota-foras (locais públicos onde são jogados entulhos) se multiplicam e, sem conseguir fiscalizar, a solução encontrada pela prefeitura é apresentar a conta do serviço ao contribuinte

Mesmo para atingir essa nova meta, o município terá que avançar muito

O atual modelo está travado pelo esgotamento da capacidade de triagem das associações de catadores de lixo, por falta de mão-de-obra e de espaço para o serviçoCom isso, a prefeitura, em vez de resolver o problema, o relegou a segundo planoGariglio diz que, depois de empossado, o prefeito viu que “havia outras prioridades”, como “levar a limpeza urbana a todos”E estabeleceu que a meta deveria ser cumprida numa “segunda etapa”

Considerados pela ministra os “grandes parceiros para a promoção da reciclagem”, os catadores têm migrado para empregos formais, por causa da queda de preço dos produtos recicláveis, e pela oferta de vagas no mercado de trabalhoA prefeitura subsidia nove galpões nos quais é feita a separação dos materiais reaproveitáveis Eles recebem o que é coletado porta a porta e nos ecopontos de entrega e os catadores fazem a triagemO material é vendido e o lucro é deles Mas o serviço está saturado“Se coletarmos mais, não teremos como repassar o material às associações
Se chegar um segundo carregamento, eles não terão terminado a triagem do primeiro”, admite Lucas

A última ampliação do número de bairros servidos pela coleta seletiva foi em novembro de 2008De lá para cá, mesmo com a multiplicação de bons exemplos, é impossível atender a todosSituação que a bióloga Lívia Castro Giovanetti, de 25 anos, vence com determinaçãoDiante da falta de incentivo ao serviço em BH, ela adotou hábitos ecológicos na separação e reutilização do lixo, em casa, no Bairro Floresta, Região Leste, onde não há coleta seletiva

Além de reduzir o consumo, a bióloga faz a compostagem de restos de alimentos, reutiliza materiais, como plástico, papel e metal, e leva os recicláveis sem uso para dois ecopontos“Lá em casa, garrafa PET se transforma em regador; caixa de ovo é sementeira; latas de tinta, pneu velho e caixinhas de leite e de suco usamos para plantarOs recicláveis que sobram levo para pontos de coleta na Praça da Liberdade e na UFMG.”

Todo o trabalho, conforme a bióloga, exige dedicação“Minha profissão é um incentivo Mas, para a população em geral é um desafioAlém das pessoas não serem instruídas, não são incentivadasNão há divulgação maciça na mídiaNão basta o governo dizer faça a sua parte sem criar condições para isso.”

Outra iniciativa de proteção do meio ambiente ganhou espaço no Centro Lúdico de Interação e Cultura (Clic), no Bairro Carmo Sion, Região Centro-Sul Lá, profissionais e alunos, com idade entre 1 e 6 anos, fazem da separação de vidro, metal, plástico e papel uma rotina“A coleta e o reaproveitamento não são tratados como projeto porque queremos que as crianças cresçam entendendo que este é um processo natural”, diz a diretora da unidade, Carolina BrasilO foco, segundo ela, é a conscientização, a proteção ambiental e a criação de uma cultura para diminuir a produção de lixoOs recicláveis são usados pelos alunos para fazer enfeites temáticos e confecção de presentes de aniversário para os colegas“Eles aprendem aqui e levam esses hábitos para casa.”

Alternativas

A prefeitura contratou uma ONG internacional para fazer um estudo sobre a coleta seletiva e a previsão é de que tenha logo em mãos opções para ampliar o programa“É preciso entender e conhecer exemplos de outras cidades para ver o que é viável aplicar aqui”, diz GariglioDada a impossibilidade de ampliar o número de catadores, uma saída seria a contratação direta de servidores para o trabalho, mas Gariglio explica que “questões jurídicas e burocráticas emperram” a formalização de contratos diretosPor isso, a SLU faz a capacitação dos catadores, por meio de cursos de gestão, mas o aumento da produtividade, neste caso, é insuficiente para suprir o aumento do lixo produzido na cidade.