Crianças correm risco ao atravessar ruas e cruzamentos de Belo Horizonte. Foi o que o Estado de Minas constatou nessa segunda-feira diante de escolas: alunos atravessando sem olhar para os lados e correndo em meio aos carros para pegar o transporte escolar. Segundo dados da Clínica de Pediatria do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, seis crianças e adolescentes são vítimas de acidentes de trânsito por dia, incluindo atropelamentos. No domingo, dois meninos foram atingidos por carros na Região Norte: Samuel Adiel de Oliveira, de 9 anos, atravessava a Avenida Saramenha, no Bairro Guarani, para ir a um campinho de futebol; Thales Alexandre de Souza, de 11, corria entre os carros atrás de um papagaio, na Avenida Cristiano Machado, perto da estação do metrô do Bairro 1º de Maio. Os dois estão no HPS em estado grave.
Coordenadora da Clínica de Pediatria do hospital, a médica Eliana de Souza apresentou um estudo sobre o atropelamento de crianças, sexta-feira, na 1ª Jornada da Clínica Pediátrica. A preocupação é o aumento dos casos, sobretudo nas férias. Em 2010, 2.159 vítimas de acidentes de trânsito foram atendidas na unidade: 732 na faixa etária até 12 anos e 1.427 entre 13 e 19 anos. De janeiro a abril, houve 739 casos. Os meninos são maioria entre as vítimas: em 2010 foram 1449, contra 710 meninas; este ano, já são 479 meninos e 260 meninas.
“O atendimento na faixa até 19 anos representa 25% dos casos que chegam ao hospital, o que é um número alto. Os acidentes de trânsito, que incluem atropelamentos, representam o terceiro principal tipo de atendimento a crianças e adolescentes, atrás das quedas e ocorrências com corpo estranho (quando a criança põe pequenos objetos no nariz, boca ou ouvido). Mas este é o que mais mata. Observamos uma tendência de aumento dos atropelamentos, principalmente por motos, e percebemos que as lesões estão cada vez mais graves”, afirma a especialista, que há 27 anos trabalha na Clínica de Pediatria do HPS.
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Menino de 5 anos corre para ver carreata política e é atropelado em Uberaba Imprudência de pedestres aumenta risco de atropelamentosMotorista inabilitado que feriu menino de 11 anos está sob investigação“O desrespeito com o ser humano é grande. Depois do que ocorreu com o meu sobrinho, espero que alguém faça alguma coisa. Mas qualquer pessoa corre risco ali porque motoristas e motoqueiros sobem no passeio para desviar do trânsito congestionado e passam em alta velocidade. Há até uma faixa para pedestres sem semáforo e ninguém para. Samuel foi atropelado numa via perigosa, de muito fluxo, que precisa de atitude e fiscalização com agentes e radares. A negligência não é só com meu sobrinho.”
Cinco meninos estão internados no HPS vítimas de atropelamentos. Em coma há três meses, Raique de Jesus Souza, de 9 anos, foi atingido por uma moto em Santa Luzia, região metropolitana, e teve traumatismo craniano grave. Ele costumava brincar na porta de casa, mas nunca havia saído sozinho. Em 16 de março, resolveu acompanhar um amigo, que ia buscar a irmã. A dois quarteirões de casa, foi atropelado por um rapaz de 22 anos, sem habilitação, que ganhou a moto do pai como presente de aniversário. O jovem tentou fugie e foi detido por vizinhos.
“Sempre tive cuidado em relação a isso e orientava meu filho sobre os riscos no trânsito. Não deixava andar sozinho na rua e o levava até a escola, mas ele saiu sem me avisar. O motoqueiro vinha em alta velocidade, acima de 70km/h, num local de velocidade máxima de 40, e conseguiu desviar do outro amigo. Mas Raique foi atingido a um passo do meio fio. Aos pais, digo que devem ter muita atenção, porque a gente acha que fez tudo por eles e não fez. Há pai que dá carro e moto de presente ao filho, antes mesmo de ensinar responsabilidade. Esse motoqueiro nem sabe o que houve com meu menino. Vejo que os motoristas não têm limites”, desabafou Maria Matutina de Jesus Souza, de 36 anos.
Palavra de Especialista
“A criança é muito impulsiva e não tem a capacidade de avaliar o risco. Muitas vezes, se solta da mão da mãe. Quando atravessa a rua correndo e vê o carro em cima, se assusta, tenta voltar e é atropelada. As lesões neste tipo de acidente são de maior gravidade para crianças porque elas não têm os ossos fortes e desenvolvidos suficientemente para proteger os órgãos. A estrutura frágil, então, facilita fratura dos ossos longos e, no caso das costelas, pode resultar em lesões no coração e nos pulmões por perfuração. A região do quadril e a bacia também está em desenvolvimento e, se atingida, pode causar lesões na bexiga, no fígado, baço, estômago e intestino. Num atropelamento, um veículo a 90, 100km/h transfere sua velocidade para o corpo pequeno de um menino de 8 anos que pesa 24kg. A criança não aguenta e sofre lesões múltiplas, muitas vezes com traumatismo craniano. Costumamos dizer aos pais: acidentes são evitáveis, fiquem por perto. Precisamos reduzir os números com educação no trânsito e conscientização de motoristas e pedestres.” - Eliana de Souza, coordenadora da Clínica de Pediatria do HPS João XXIII