Os olhos estavam vermelhos de emoção, úmidos pela presença de tantos amigos e, ao mesmo tempo, infinitamente serenos, indicando a sensação do dever cumprido
Eram 10h15 quando as palmas começaram a espocar no 9º andar do HC, tomado por uma centena de autoridades políticas e acadêmicas, funcionários da instituição, colegas de profissão, casais beneficiados pelo programa de reprodução humana, admiradores e companheiros de longa dataPara todos, a garra demonstrada por Aroldo, mesmo paralisado e sem falar, o transforma num “titã”Do início ao fim da cerimônia, tendo sempre ao lado a mulher, Maria das Graças Rocha de Santana Camargos, de 56, bióloga, e o filho Marcelo, publicitário, Aroldo recebeu homenagens em forma de discursos, flores, vídeo com momentos bem felizes e uma canção emblemática na sua trajetória profissional: Imagine, do ex-Beatle John Lennon (1940-1980)
Conforme lembraram os colegas, logo nos primeiros tempos do LRH, há 23 anos, ele mantinha na porta da sala o verso: “You may say I'm a dreamer, but I'm not the only oneI hope some day you'll join us, and the world will be as one (você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único, eu tenho a esperança de que um dia você se juntará a nós e o mundo será como um só)”O amor pela música e a vontade de concretizar os sonhos foram tão intensos, que, nessa sexta-feira, foi lhe dada de presente um placa de vidro com a letraO laboratório deu tão certo que se tornou o único centro público de reprodução humana em Minas e um dos quatro do país que oferecem tratamento de fertilização in vitro, com 1,5 mil casais na espera
A professora da Faculdade de Medicina Regina Amélia Lopes de Aguiar revelou que Aroldo, mesmo com as limitações musculares, continua supervisionando as ações da equipe
‘Eu estou como uma criança’
Mas uma pessoa tão ativa não ficaria em silêncio, e o agradecimento do professor Aroldo veio em forma de um longo discurso, escrito por ele por meio um programa especial de computador, operado com o movimento dos olhos, e lido, na ocasião, pela professora da Faculdade de Medicina Regina Amélia Lopes de Aguiar“Hoje estou me sentindo muito feliz, como uma criança que ganhou o seu velocípedeA inauguração das novas instalações do laboratório significa muito para mim: sou um homem de tarefas completas e não gostaria de deixar este projeto inacabadoEste laboratório não foi criado, ele evoluiu para ser o que é: fruto de um processo administrativo darwiniano evolutivo bem-sucedidoTem uma história em que o ensino, pesquisa e extensão colaboraram para sua existência.”
O desejo de fazer o laboratório começou em 1981, “quando o nosso curso de mestrado recebeu a visita do professor Eustáquio Gastão Silva, pró-reitor de pós-graduçãoNa ocasião, ele falou da nossa endogenia e da baixa qualificação acadêmica do nosso corpo decente e destacou que esses motivos podiam ser responsáveis por um possível descredenciamento do nosso programaEu, motivado pelo professor Eustáquio, e com muita coragem, optei por descobrir novas serras e montanhas e perder de vista a Serra do CurralDecidi, então, fazer doutorado na Escola Real de Pós-gradução em Medicina da Universidade de Londres, na Inglaterra”Quatro anos depois, ele começou a pôr em prática o desejo de criar o laboratório de reprodução assistida, que colhe bons resultados: “Nossa residência médica é pioneira no Brasil e forma, por ano, de dois a três médicos na especialidade
Em 2003, os primeiros sintomas
Os primeiros sintomas da doença de Aroldo, um dos pioneiros em Minas em reprodução assistida, começaram em 2003, com fisgadas no dedão do pé esquerdo, contou Maria das Graças, que atua no laboratório de cultivo do setor de reprodução humana do HC/UFMG, e é casada com o especialista há mais de três décadas“É ele que dá força para a genteNunca sai de casa, hoje é uma ocasião especial, e não para de trabalhar nem deixa o astral baixar”Visivelmente emocionado, o filho, Marcelo, lembrou que, no início da doença, a barra foi pesada, pois o pai era muito saudável “Mas preferimos não ficar remoendo o problema”, afirmouEm casa, o pai tem ajuda de uma secretária e enfermeira e se comunica com a família por leitura labial, pelo programa de computador que aponta as letras com o movimento dos olhos e de maneira mais simples: alguém da família põe um quadro com o abecedário na sua frente, aponta as letras e ele sinaliza com uma piscadela, nos mesmos moldes do filmeO escafandro e a borboleta.
Desde a sua criação em 1988, o recém-batizado Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Campos funcionava em salas separadas do HCAgora, está todo concentrado e com infraestrutura nova, a partir de investimentos de R$ 750 mil do Ministério da Saúde e R$ 200 mil de projetos dos professores Aroldo e Fernando Reis, que coordena o setor, explicou o médico Francisco de Assis Nunes PereiraAlém da reestruturação física, houve aquisição de equipamentos, podendo, assim, ampliar o número de atendimentos e pesquisasEm 16 anos, 10 mil casais foram beneficiados e realizadas cerca de 2 mil gestaçõesA expectativa, segundo Francisco, é dobrar a oferta do serviço, hoje na faixa de 20 casais por mês
No discurso, Aroldo destacou a inclusão social e disse que gostaria de ter uma audiência com o governador Antonio Anastasia e o secretário estadual de Saúde, Antônio Jorge de Souza Marques, “para que possamos obter a liberação da medicação usada pelas pacientes nos tratamentos”; e com o prefeito Márcio Lacerda e o secretário municipal de Saúde, Marcelo Teixeira, “para discutir uma forma de remunerar o hospital pelos procedimentos aqui feitos e que não constam da tabela do SUS”.