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Estado de Minas

Médico demonstra superação ao reinaugurar laboratório no HC

Com doença degenerativa, médico Aroldo Camargos emociona o público ao reinaugurar o Laboratório de Reprodução Humana que ele coordenou, no Hospital das Clínicas


postado em 18/06/2011 06:00 / atualizado em 18/06/2011 07:02

Os olhos estavam vermelhos de emoção, úmidos pela presença de tantos amigos e, ao mesmo tempo, infinitamente serenos, indicando a sensação do dever cumprido. Na manhã dessa sexta-feira, ao participar da reinauguração do Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (LRH/HC/ UFMG), batizado com o nome dele, o médico e professor Aroldo Fernando Camargos, de 59 anos, casado, pai de André, de 31, e Marcelo, de 27, mostrou que, muitas vezes, o silêncio vale mais do que todas as palavras e o semblante consegue transmitir, sozinho, força, determinação e esperança. Vítima, desde 2003, de esclerose lateral amiotrópica (ELA), doença degenerativa que o mantém na cama, embora sem qualquer comprometimento cerebral, o especialista foi a figura central do evento no qual lançou o livro de nome bem-humorado Cresço na adversidade com irreverência, narrando histórias de vida, trabalho e desafios do dia a dia. A doença é a mesma que acomete o cientista britânico Stephen William Hawking, de 69 anos.

Eram 10h15 quando as palmas começaram a espocar no 9º andar do HC, tomado por uma centena de autoridades políticas e acadêmicas, funcionários da instituição, colegas de profissão, casais beneficiados pelo programa de reprodução humana, admiradores e companheiros de longa data. Para todos, a garra demonstrada por Aroldo, mesmo paralisado e sem falar, o transforma num “titã”. Do início ao fim da cerimônia, tendo sempre ao lado a mulher, Maria das Graças Rocha de Santana Camargos, de 56, bióloga, e o filho Marcelo, publicitário, Aroldo recebeu homenagens em forma de discursos, flores, vídeo com momentos bem felizes e uma canção emblemática na sua trajetória profissional: Imagine, do ex-Beatle John Lennon (1940-1980).

Conforme lembraram os colegas, logo nos primeiros tempos do LRH, há 23 anos, ele mantinha na porta da sala o verso: “You may say I'm a dreamer, but I'm not the only one. I hope some day you'll join us, and the world will be as one (você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único, eu tenho a esperança de que um dia você se juntará a nós e o mundo será como um só)”. O amor pela música e a vontade de concretizar os sonhos foram tão intensos, que, nessa sexta-feira, foi lhe dada de presente um placa de vidro com a letra. O laboratório deu tão certo que se tornou o único centro público de reprodução humana em Minas e um dos quatro do país que oferecem tratamento de fertilização in vitro, com 1,5 mil casais na espera.

A professora da Faculdade de Medicina Regina Amélia Lopes de Aguiar revelou que Aroldo, mesmo com as limitações musculares, continua supervisionando as ações da equipe. “Ele nos envia e-mails, acompanha os projetos, a situação dos casais, a rotina do laboratório.” Ao fim do pronunciamento, recebendo o carinho da colega, o médico balbuciou“obrigado”. E, como as palavras foram permeadas de música, o encerramento se deu com Tocando em frente, de Almir Sater e Renato Teixeira, aquela que diz: “Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso, porque já chorei demais”.

 

Eu estou como uma criança’

 

Mas uma pessoa tão ativa não ficaria em silêncio, e o agradecimento do professor Aroldo veio em forma de um longo discurso, escrito por ele por meio um programa especial de computador, operado com o movimento dos olhos, e lido, na ocasião, pela professora da Faculdade de Medicina Regina Amélia Lopes de Aguiar. “Hoje estou me sentindo muito feliz, como uma criança que ganhou o seu velocípede. A inauguração das novas instalações do laboratório significa muito para mim: sou um homem de tarefas completas e não gostaria de deixar este projeto inacabado. Este laboratório não foi criado, ele evoluiu para ser o que é: fruto de um processo administrativo darwiniano evolutivo bem-sucedido. Tem uma história em que o ensino, pesquisa e extensão colaboraram para sua existência.”


O desejo de fazer o laboratório começou em 1981, “quando o nosso curso de mestrado recebeu a visita do professor Eustáquio Gastão Silva, pró-reitor de pós-gradução. Na ocasião, ele falou da nossa endogenia e da baixa qualificação acadêmica do nosso corpo decente e destacou que esses motivos podiam ser responsáveis por um possível descredenciamento do nosso programa. Eu, motivado pelo professor Eustáquio, e com muita coragem, optei por descobrir novas serras e montanhas e perder de vista a Serra do Curral. Decidi, então, fazer doutorado na Escola Real de Pós-gradução em Medicina da Universidade de Londres, na Inglaterra”. Quatro anos depois, ele começou a pôr em prática o desejo de criar o laboratório de reprodução assistida, que colhe bons resultados: “Nossa residência médica é pioneira no Brasil e forma, por ano, de dois a três médicos na especialidade. A nossa missão é tratar os casais inférteis e, por isso, quero dizer que eles sempre foram uma fonte de aprendizado constante. Infelizes daqueles que acham que já sabem tudo.” 

 

Em 2003, os primeiros sintomas

 

Os primeiros sintomas da doença de Aroldo, um dos pioneiros em Minas em reprodução assistida, começaram em 2003, com fisgadas no dedão do pé esquerdo, contou Maria das Graças, que atua no laboratório de cultivo do setor de reprodução humana do HC/UFMG, e é casada com o especialista há mais de três décadas. “É ele que dá força para a gente. Nunca sai de casa, hoje é uma ocasião especial, e não para de trabalhar nem deixa o astral baixar”. Visivelmente emocionado, o filho, Marcelo, lembrou que, no início da doença, a barra foi pesada, pois o pai era muito saudável. “Mas preferimos não ficar remoendo o problema”, afirmou. Em casa, o pai tem ajuda de uma secretária e enfermeira e se comunica com a família por leitura labial, pelo programa de computador que aponta as letras com o movimento dos olhos e de maneira mais simples: alguém da família põe um quadro com o abecedário na sua frente, aponta as letras e ele sinaliza com uma piscadela, nos mesmos moldes do filme. O escafandro e a borboleta.

Desde a sua criação em 1988, o recém-batizado Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Campos funcionava em salas separadas do HC. Agora, está todo concentrado e com infraestrutura nova, a partir de investimentos de R$ 750 mil do Ministério da Saúde e R$ 200 mil de projetos dos professores Aroldo e Fernando Reis, que coordena o setor, explicou o médico Francisco de Assis Nunes Pereira. Além da reestruturação física, houve aquisição de equipamentos, podendo, assim, ampliar o número de atendimentos e pesquisas. Em 16 anos, 10 mil casais foram beneficiados e realizadas cerca de 2 mil gestações. A expectativa, segundo Francisco, é dobrar a oferta do serviço, hoje na faixa de 20 casais por mês.

No discurso, Aroldo destacou a inclusão social e disse que gostaria de ter uma audiência com o governador Antonio Anastasia e o secretário estadual de Saúde, Antônio Jorge de Souza Marques, “para que possamos obter a liberação da medicação usada pelas pacientes nos tratamentos”; e com o prefeito Márcio Lacerda e o secretário municipal de Saúde, Marcelo Teixeira, “para discutir uma forma de remunerar o hospital pelos procedimentos aqui feitos e que não constam da tabela do SUS”. 


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