As fotos da festa de 15 anos enfeitam o mural do quarto da adolescente, decorado com bichos de pelúcia e um imenso coração sobre o travesseiro. Mas o que chama a atenção é a plaquinha “Deus é fiel”, pregada junto à cabeceira da cama de Kelly Rogéria de Lima Santos, de 17 anos. O adorno foi comprado há cinco anos, perto da Santa Casa de Misericórdia, no Bairro Santa Efigênia, Região Centro-Sul de BH, quando a garota começou a lutar contra uma leucemia descoberta ainda aos 12. Depois de três anos de quimioterapia, Kelly integra hoje uma estatística vitoriosa e está, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), entre os 70% de crianças e adolescentes acometidos por câncer que alcançaram a cura.
Mas, até se livrar da doença, ela teve que abdicar da vida de uma pré-adolescente rebelde, enfrentar, além da perda dos cabelos, o preconceito e ter a disciplina de quem luta pela vida. “Na época, era muito doidinha, saía com as pessoas erradas. Depois que descobri o câncer, muitos se afastaram de mim. Achavam que a doença pegava”, conta. Os primeiros sintomas foram dores nas pernas e manchas no corpo e, poucos dias depois, ela já teria que abandonar a escola e começar as sessões de quimioterapia na Santa Casa. “Ninguém tinha me contado, mas já sabia que tinha câncer, porque estava num quarto com crianças carecas. Fiquei sem entender, mas o mais importante para mim era a cura.”
Por muito tempo, a rotina de Kelly se dividia entre a casa, no Bairro Grajaú, na Região Oeste de Belo Horizonte, e o hospital. “Antes ia para aula, dançava axé, saía todo fim de semana e, depois, não podia dar nenhum beijinho, porque minha imunidade ficava muito baixa.” Apesar das limitações, a adolescente, que, mesmo sob tratamento, fez questão de comemorar os 15 anos, com direito a valsa e aplique no cabelo, não quer apagar essa história de vida, como ela mesmo define numa carta que escreveu sobre a doença “Tenho amigos do hospital até hoje. Estava ali sempre pensando por mim e pelas outras crianças”, diz, lembrando que a força veio da fé em Deus e da amizade da mãe.
“Tive que parar de trabalhar, pois a Kelly precisava de mim naquele momento. Chegava a dormir no chão para cuidar dela. Hoje, peço que as mães tenham fé em Deus e força, porque tudo tem a sua hora”, diz Adriana Luiz de Lima, de 39. No período da doença, a família, formada ainda pelo pai e o irmão de Kelly, teve que contar com a ajuda de doações. Um passado desafiante que, com a cura, foi renovado por um futuro cheio de planos, alguns deles já realizados. “Consegui a vitória contra o câncer, que era o meu maior sonho”, revela.
De volta ao colégio este ano e matriculada num curso profissionalizante, Kelly já arranjou namorado, carrega no dedo uma aliança de compromisso, presente do Dia dos Namorados, e fez, há dois meses, um piercing no nariz, impensável para quem estava sob cuidados intensos. Também quer virar recepcionista ou veterinária, comprar uma casa, viajar muito e, principalmente “ser feliz, apesar de tudo na vida”. Afinal, “tem gente que não para de reclamar, mas não sabe o que algumas pessoas estão passando.”