Jornal Estado de Minas

Tragédia em Entre Rios deixa moradores chocados com morte de cidadãos queridos

Ainda estava escuro na fria manhã de quarta-feira quando a estudante Katiele Gonçalves Viana, de 16 anos, a dona de casa Leiva Fonseca Coelho, de 35, e o motorista Antônio Geraldo de Assis Moura, de 50, acordaram, em Entre Rios de Minas, no Campo das Vertentes, e começaram os preparativos para mais um dia
Katiele iria para a escola e, para isso, precisava embarcar no ônibus escolar dirigido por Antônio, que a levaria do pequeno distrito de Brumadinho até a sede do municípioDa mesma forma, Leiva viajaria no veículo, acompanhada dos filhos, Vivian, de 10, e Marques Diego, de 13, que iriam para a escolaA dona de casa aproveitava a carona para ir ao curso de corte e costura, que frequentava no Centro da cidade.

Veja a galeria do acidente

Antônio, por sua vez, saiu de casa, entrou no ônibus e deu início à tarefa de recolher estudantes moradores de Brumadinho e de outro lugarejo, Viaduto dos Boiadeiros, cumprindo a rotina de levar as crianças até a escolaTambém dava carona para pais de alunos e moradores dos povoados por onde passavaUma forte neblina atrapalhava a visibilidade e o ônibus, com cerca de 50 pessoas, seguia sem problemas até chegar à passagem de nível no trecho entre Bom Jardim de Minas e Jeceaba, usado para a circulação de trens de carga da MRS LogísticaNa travessia, a tragédiaUm comboio formado por sete locomotivas atingiu o ônibus em cheio, o arrastou por cerca de 50 metros e o atirou fora da estradaO impacto matou imediatamente Katiele e Leiva, interrompendo os sonhos de duas vidas jovensAntônio, com ferimentos graves, foi trazido para Belo Horizonte, mas morreu no começo da noiteMais 30 pessoas, entre adultos, adolescentes e crianças, ficaram feridas no acidente.

Veja o infográfico do acidente

Katiele era uma aluna exemplar do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual Expedicionário Geraldo Baêta, no Bairro Castro, distante 8 quilômetros do Centro da cidade
Ela morava em Brumadinho, povoado com pouco mais de 200 habitantes, em companhia do pai, da mãe e da irmã caçula, de 11O pai, o lavrador e comerciante Geraldo Antônio Fonseca, de 45, conta que saiu de casa naquela manhã às 5h30 e a primogênita já estava de pé, se aprontando para esperar o escolar, mais animada ainda depois da visita que havia feito na noite anterior ao engenheiro Maurílio Rezende, de 51, que em todos os encontros era sabatinado pela adolescente sobre a profissão que ela também estava determinada a ter“Ela gostava muito de estudarSeu sonho era poder ajudar a gente”, lembra a mãe, Rosângela Gonçalves PereiraA mãe também era passageira constante do ônibus, pois acompanhava a filha mais nova à Associação de Pais e Amigos Excepcionais (Apae), mas, naquele dia, a caçula só tinha aulas à tarde“Katiele era uma menina carinhosa e dedicadaSempre me ajudava na mercearia”, lembra o pai, destacando que às terças, quartas e quintas a filha não abria mão das aulas de reforço na escola.

O trem que surgiu de repente do meio da neblina, sem apitar e com os faróis apagados, segundo sobreviventes da tragédia, também atropelou os sonhos do motorista do ônibus, Antônio Geraldo de Assis Moura, de 50, que contava os dias para compartilhar um dos momentos mais importantes da filha Anne, de 22, que em julho conclui o curso de administração de empresas em São João del- ReiO filho mais velho, Mauro, de 26, já é formado em filosofia e faz faculdade de história“Antônio estava feliz, se sentindo realizadoEle deixou para os filhos a melhor herança que um pai pode deixar: o estudo”, disse a cunhada, Solange Egg.

O motorista passou 25 anos atrás de um volante trabalhando para a prefeitura da cidade
Dirigiu ambulância, salvou vidas, e havia 10 anos transportava crianças e adolescentes para a escola, algumas que viu nascer e carregou ainda bebê, nos braços dos pais, pois seu veículo sempre foi o único meio de transporte que atendia a comunidade de Brumadinho, inclusive para os doentes, em busca de cura na cidadeComo um presságio, Antônio comentava nos últimos dias a preocupação com o veículo, que era velho, ano 1992, apresentava defeitos mecânicos frequentes e o deixava com medo de acidentes, segundo conta a namorada, Soraia Araújo, de 46.

A jornada de Leiva não abarcava apenas os sonhos da dona de casa, com esperança de melhorar a vida com o curso de corte e costura que fazia no Centro de Entre Rios de MinasEm companhia dela estavam os filhos, que levaria à escolaDiego, portador de necessidades especiais, ficaria na ApaeA menina iria para a escola regular, em mais um dia da rotina de aprendizado.

Depois do acidente, constatada a morte da mãe e iniciado o atendimento às vítimas, as duas crianças foram trazidas de helicóptero para o Hospital de Pronto Socorro João XXIII, em Belo HorizonteVivian continua internada, mas sem risco de morteDiego foi liberado na quinta-feira, com fratura em um braço e ferimentos leves no rosto.

Em Entre Rios de Minas, o clima ainda é de desolaçãoOs sobreviventes da tragédia começam a receber alta e a voltar para casa, mas vai demorar muito tempo para que as pessoas superem o trauma da manhã e nebulosa da quarta-feira, quando o calendário assinalava o Solstício de inverno e a noite tinha sido a mais longa do ano, marcando a chegada da estação