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Estado de Minas

Moradores de Congonhas arriscam a vida em travessia da BR-040

Cansados de chorar vítimas da BR-040 e de se arriscar diariamente na rodovia, moradores de Congonhas ocupam as pistas cobrando construção de passarela que não sai do papel


postado em 01/07/2011 06:00 / atualizado em 01/07/2011 06:22

Crianças correm pela vida: para estudantes da Comunidade dos Pires, cruzar a estrada federal é aventura diária que pode acabar em tragédia(foto: marcos michelin/em/d.a press)
Crianças correm pela vida: para estudantes da Comunidade dos Pires, cruzar a estrada federal é aventura diária que pode acabar em tragédia (foto: marcos michelin/em/d.a press)


O dia a dia dos 2,5 mil moradores da Comunidade dos Pires, a 10 quilômetros de Congonhas, na Região Central de Minas, é marcado pelo medo e pela tristeza. Medo de atravessar a BR-040 para ir à escola, às compras e ao trabalho, diante dos riscos de atropelamento. Tristeza pelos parentes e amigos que já perderam no local. No último dia 18, duas mulheres foram atropeladas voltando do trabalho e uma delas, a zeladora Natália Maria Firmino Silva, de 25, morreu na hora, no km 602 da rodovia. Na manhã de ontem, a comunidade fechou a estrada pela terceira vez depois do acidente, reivindicando a instalação de passarela. Os carros ficaram parados das 6h às 9h, provocando engarrafamentos nos dois sentidos.

O primeiro protesto ocorreu na noite do atropelamento, quando os manifestantes queimaram pneus na pista. No dia 22, véspera do feriado de Corpus Christi, a rodovia foi fechada novamente. O congestionamento chegou a mais de 10 quilômetros em cada sentido. Segundo relatório da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram 38 acidentes este ano entre o Viaduto Márcio Rocha Martins, construído para substituir o antigo Viaduto das Almas, e a Comunidade dos Pires. O balanço de seis meses de tragédia: seis mortes e 38 feridos. Das vítimas que perderam a vida, três eram do lugarejo. Todas foram atropeladas.

De um lado da rodovia fica a Comunidade dos Pires. Do outro, a Comunidade dos Motas, que já pertence a Ouro Preto. A passarela mais próxima fica no município de Conselheiro Lafaiete. Nesse contexto, a cada dia as irmãs Rosimeire, de 34, e Patrícia Pereira Pimenta Batista, de 32, têm uma missão perigosa. Elas são responsáveis pela segurança de 15 crianças que vão para a escola, inclusive seus próprios filhos e sobrinhos, e chegam a ficar até 40 minutos esperando o momento certo de se aventurar pela pista. A visibilidade é pouca na descida em curva, ao contrário da velocidade dos carros. O deslocamento de ar provocado pelas carretas de minério é capaz de derrubar uma pessoa mais frágil que esteja esperando no acostamento. “A gente tem que rezar muito antes de sair de casa. Não sabemos se vamos voltar vivas”, disse Patrícia, que fica de um lado da estrada, com a irmã do outro, observando os dois sentidos. A travessia das crianças é como uma corrida contra a morte, pois são poucos segundos para atingir a outra margem em segurança.

A dona de casa Antônia Olinda Batista Ferreira, de 50, já perdeu um irmão atropelado e dois primos. “Agora, quase perdi a minha filha”, disse. Ela é mãe de Lilia Batista Ferreira, de 26, que estava com a zeladora Natália, morta no dia 18. Um Vectra que trafegava sentido Belo Horizonte foi ultrapassar um caminhão e atingiu as duas mulheres, que ficaram encurraladas na faixa que divide as pistas. “Estou traumatizada. Estou com medo de voltar a trabalhar e ter que pegar ônibus do outro lado da estrada. Estou com medo até de ir à igreja, que fica do outro lado”, disse Lilia, que se recupera em casa, ao lado da filha de 7 anos.

A dona de casa Ivanilda de Fátima Firmino Silva, de 49, não se conforma com a morte da filha Natália. O quarto da zeladora é mantido como ela deixou. A mãe se emociona ao abrir o armário e ver o enxoval do casamento, marcado para novembro, e chora ao sentir o perfume da filha nas roupas. Hoje completaria três meses que Natália conseguiu emprego numa transportadora de Congonhas. “Estava juntando dinheiro para comprar um computador. Ela treinava com um colega no intervalo do almoço para ser promovida”, disse a mãe.

Operador de máquinas em uma mineradora da região, Sebastião Justino Dantas, de 48, esperou mais de 30 minutos para atravessar a BR-040 ontem. “Pego ônibus do outro lado, mas o carros não param de passar. As carretas de minério descem em alta velocidade. Como tem uma curva, elas surgem de repente e a gente morre, se não correr”, disse. O local não tem radar nem placa de sinalização. “Temos que ter paciência para esperar. Às vezes, nosso ônibus para do outro lado e não temos como atravessar. Se ficar apavorado e tentar ir na marra, a gente morre”, disse outro morador, Valdete Maciel de Brito, de 51.


Emergência sem data para acabar

Em 22 de junho , o prefeito de Congonhas, Anderson Cabido, decretou situação de emergência em toda a extensão da BR-040 que margeia o município, cobrando do Dnit a construção, em caráter emergencial, da passarela na altura da Comunidade dos Pires. Na ocasião, os moradores fecharam as duas pistas por quase duas horas. O trânsito foi reaberto às 17h, mas os reflexos da manifestação permaneceram sob a forma de longas filas de carros.

A assessoria de imprensa do prefeito informou que o município vai cobrar das mineradoras a construção de uma via alternativa para os caminhões que transportam minério, pois eles estariam danificando as vias urbanas e colocando a vida de moradores em perigo. Por dia, segundo a prefeitura, passam mais de mil carretas pela BR-040, na altura da Comunidade dos Pires, com mais de 30 toneladas de minério cada. Segundo a assessoria, há promessa antiga de duas mineradoras de construção de vias alternativas.

Enquanto o problema não é resolvido, a coordenadora de telecentro Eliane Nogueira de Andrade, de 50, que já perdeu cinco tios em acidentes na 040, um deles atropelado na Comunidade dos Pires, pede proteção a Deus para os filhos que diariamente cruzam a rodovia a caminho da escola e do trabalho. “A mancha de sangue de Natália está sumindo no asfalto, mas o vazio que fica no coração da sua família e dos amigos é eterno”, disse. 


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