
Dois quilômetros depois, saltam e caminham mais 500 metros até o ponto do ônibus, porque há uma subida e descida íngremes e uma ponte sobre o Rio Todos os Santos, que a Kombi tem dificuldades para transpor. Lá, embarcam no ônibus vermelho 1987, sem cintos de segurança e em que faltam três janelas, dirigido por José Domingos Viana dos Santos, de 43, que lida com transporte escolar desde 1990. Domingos, que mora em Gramado, a 25 quilômetros de distância, garante que as janelas já foram compradas pela prefeitura, mas há dificuldade de mão de obra para a troca.
A lotação habitual no turno da manhã é de 43 meninos, mas pode aumentar por causa dos caronas. José Domingos retorna à comunidade depois da aula e faz novamente a rota à tarde, levando os alunos do curso noturno. Ele e os outros motoristas, além do curso específico para transportar estudantes, desenvolveram estratégias próprias. Um exemplo é o hábito de parar no meio da estrada, para impedir que outros veículos passem pelo ônibus e atropelem os meninos, que não costumam olhar antes de atravessar.
Arliene, que sonha em fazer curso superior de botânica, porque adora plantas, leva para a escola seu telefone celular, que não pega onde ela mora. A menina diz que o cotidiano do transporte “às vezes, é bom, quando o ônibus não está muito cheio; às vezes, é ruim, quanto faz muito frio de manhã”. Aléxia quer ser jornalista e reclama dos dias em que acordam tarde e têm de subir às pressas a ladeira, correndo o risco de estarem próximas mas não serem vistas pelo motorista da Kombi, por causa do mato. Nesse caso, têm que continuar correndo para tentar alcançar o ônibus no ponto e não perder aula.
DIAS MAIS DUROS
Também é combinado que, nas segundas de manhã, a Kombi não vem. Aí, é preciso levantar mais cedo e caminhar até a estrada. Na cidade, as duas vencem mais um quilômetro até a escola e repetem o trajeto depois da aula. Esperam a chegada do ônibus misturadas aos estudantes e embarcam de volta, repetindo a rotina. Na viagem de retorno, têm a companhia do professor Edgar Guilherme Doerl, de 48. Há sete anos ele dá aulas à tarde na escola municipal de Gramado e faz o trajeto de ida e volta no ônibus da prefeitura. Ele observa que já foi pior e que os tempos mudaram: “Aqui melhorou muito, agora está encascalhado”.
Enquanto os meninos estão na escola, os ônibus aguardam na garagem da prefeitura. Lá tem mecânico, para mantê-los em condições de rodar, porque uma manutenção melhor, só nas férias. Nas quartas-feiras, os ônibus são varridos por dentro e, nas sextas, são lavados. Significa que, no resto da semana, circulam imundos. No caso da Kombi de Niro, que fica na comunidade, ele mesmo é quem cuida. Quando chove, Niro costuma precisar da ajuda dos passageiros para empurrar o veículo na subida.
A Kombi de Niro tem pintura com a faixa amarela e a expressão “escolar”, como manda a norma, mas carrega, na traseira, um adesivo inconveniente para um veículo que transporta crianças. Junto à estampa de uma mulher, está escrito: “Mulher é igual CD. Por causa de uma parte boa, a gente fica com tudo”. Ninguém repara nessa e em outras inconveniências do sistema. Ao contrário, as famílias agradecem pelo transporte de que os filhos dispõem. “No meu tempo, a gente ia a pé”, informa o trabalhador rural Arlete Fernandes Pereira, de 40, pai de Arliene e Aléxia, quando as meninas chegam cansadas ao lar, depois das 12h30.