Jornal Estado de Minas

12,5 segundos pela vida

Tempo de semáforos ameaça a vida de pedestres na capital

Sinais abertos por pouco tempo e imprudência de motoristas forçam pedestres a apertar o passo para cruzar vias em BH. Para idosos e pessoas com limitações, risco é ficar no meio do caminho

Flávia Ayer Paula Sarapu
ACELERANDO - Na Avenida Afonso Pena, no Centro, motoqueiros não esperam pedestres completarem a travessia em cruzamento com sinal - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

O pé mal alcança o passeio e o alívio se confunde com a sensação de missão cumpridaO aposentado Geraldo Apolinário da Silva, de 55 anos, duas muletas e um pé amputado, conseguiu, com custo, vencer mais uma corrida contra o tempo no semáforo de um dos principais cruzamentos do Centro de Belo HorizonteDeixou para trás 24 metros de percurso e dezenas de carros acelerados na Avenida Afonso Pena, em frente à Praça Sete, que já o pressionavam sobre a faixa de pedestres, mesmo antes de o sinal abrir para os carros“O tempo não é suficiente para atravessar”, reclama“Para mim, é mais complicado ainda.”

A queixa é compartilhada pelo pequeno João Pedro Fernandes, de 6 anos, que ainda está aprendendo a identificar as placas de trânsitoEle e a mãe, Maria Helena Fernandes, de 42, carregada de mochilas e pastas, se apressaram para atravessar uma parte da via, na esquina com Avenida Getúlio Vargas Ali, o sinal fica 16 segundos aberto para os pedestres“É muito rápido”, diz JoãoA secretária Dalva Maria Ferreira, de 50, que precisa atravessar em até 23 segundos cada uma das quatro pistas da Avenida Antônio Carlos, reclama: “Aqui, a gente vê a morte de perto”, afirma Ela apertou o passo para completar o percurso de 12 metros em 15 segundos

A reportagem do Estado de Minas percorreu nove dos 847 cruzamentos com semáforos da capital
Na maioria deles, pedestres tiveram alguma dificuldade para completar a travessiaO desafio é maior para idosos e pessoas com limitação motoraAo pouco tempo, somam-se queixas em relação à imprudência de motoristas, que desrespeitam o sinal aberto para o pedestre, além da falta de sincronia na programação dos sinais de trânsito

O economista Antônio de Castro, de 46, cobra ajuste no tempo dos sinaisEle acelerou a caminhada e gastou 12 segundos, tempo em que o semáforo do pedestre ficou aberto, para ir do canteiro central à calçada da Avenida Alfredo Balena, na Região HospitalarA cadeirante Terezinha Oliveira Rocha, de 55, não teve a mesma sorteFoi tentar atravessar os dois sentidos da Avenida Afonso Pena de uma só vez e, sob a falsa impressão de que daria tempo, se viu em meio aos carros e com o sinal de pedestre já abertoSe em um dos lados da via há 54 segundos para a travessia, no outro, o percurso tem que ser completado em 25 segundos, motivo a mais para confundir pedestres

“A travessia em dois tempos é um problema grave”, diz o presidente da Associação de Pedestres de Belo Horizonte, Arthur Vianna“A pessoa não consegue atravessar a rua de uma só vez e, muitas vezes, precisa esperar num canteiro estreito, sujeito a todo tipo de perigo”, opina
Para ele, o cenário em BH privilegia os veículos“O pedestre tem apenas o tempo que resta dos carros.”

Velocidade

A BHTrans, empresa que administra o trânsito da capital, estima o tempo médio de 12,5 segundos para a travessia de uma via de 15 metros de largura, como uma das pistas da Avenida dos AndradasNa ponta do lápis, isso equivale a 1,2 metros por segundo (m/s)O cálculo tem como base média adotada mundialmente, que considera que o pedestre gasta 1 segundo para percorrer 1,3 metro de distânciaApesar da referência internacional, o parâmetro fica aquém do tempo mínimo adotado em capitais como Rio de Janeiro e Brasília

Na capital fluminense, a velocidade considerada é 1 m/sE, além disso, o sinal permanece 12 segundos no “vermelho piscante”, a fim de o pedestre concluir a travessia com segurançaEm BH, o pisca alerta chega a, no máximo, quatro segundosEm Brasília, o tempo mínimo para percorrer uma via de 7 metros de largura é de 20 segundos, média de 0,35 m/s, quatro vezes mais lenta que a velocidade limite de 1,2 m/s usada na capital mineira

O parâmetro também é questionado por estudiosos da área, como a professora do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloísa Maria Barbosa“O tempo de travessia adotado em BH não atende a população como um todo Ele deveria ser calculado a partir de quem tem alguma dificuldade, como um cadeirante, um idoso ou uma mãe com um carrinho, e não como uma média”, defendeA BHTrans afirma que, apesar da média de 1,2 m/s, a empresa costuma trabalhar abaixo desse parâmetro.

Enquanto isso, capitais testam tecnologia

A BHTrans calcula a travessia com base em uma média mundial de que um pedestre leva um segundo para andar 1,3 metro e adotou medida de 1,2 m/sEm São Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CT) também adota a velocidade, mas estuda o aumento do tempo para pedestres em decorrência da troca dos controladores eletromecânicos por eletrônicosA tecnologia permitirá a sincronia de equipamentos, reduzindo a espera do pedestre e aumentando o tempo de travessiaDesde abril, a cidade faz testes com temporizadores regressivos em 12 cruzamentos, além do uso de radares de invasão de faixa de pedestresEm Brasília, O Departamento de Engenharia de Tráfego diz que os pedestres têm entre 20 e 30 segundos para atravessar as ruas da capital federalO tempo mínimo é aplicado numa pista de 7 metros de largura, o que faz com que o pedestre possa caminhar numa velocidade de 0,35 m/sNo Rio de Janeiro, o tempo de travessia é calculado com base numa estimativa de velocidade de caminhada de 1 metro/segundoAlém disso, são destinados mais 12 segundos em "vermelho piscante"A cidade tem 23 interseções com temporizadores para pedestres e 20 para veículos – estes em fase de testes